OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.3.04  

BLOGRAFIA.
Acresentei blink para o blog do Noam Chomski. Chama-se Turning the Tide. (info recolhida no Avatares de um Desejo).

mva | 22:31|
 

BLOGRAFIA.
Barnabé: «Portugal é a Albânia do neo-liberalismo: a caminho da miséria mas ortodoxo» (a propósito da entrevista de Durão Barroso ao Economist).

(Para os mais jovens: no tempo em que havia "regimes socialistas", na "Europa de Leste", a Albânia destacava-se por se ter isolado não só do "Ocidente" como dos outros países para lá da "Cortina de Ferro" (= "Comunistas"); diziam os dirigentes albaneses que todos os outros regimes "comunistas" eram falsos e que só a Albânia era a real thing. Lá isso era: miserável, miserável, miserável - and proud of it. A propósito, que é feito da "Albânia"? Aposto que deve ser um sítio com imensos buracos nas "estradas" e imensos Mercedes... sem aspas)

mva | 22:25|
 

Saramago blank.

É difícil falar de Saramago. Desde logo porque não gosto dos seus livros (excepto a Jangada de Pedra, mas pelo conceito). E, depois, porque não simpatizo com a figura público-política. Isso torna difícil falar da obra, porque 1) a minha opinião fica logo enviezada e 2) porque acabo por não ler os seus livros ou 3) porque não acabo de ler os seus livros.

Mas é espantoso como os mesmos são lançados através de uma estratégia publicitária (perdoem-me, amigos da Caminho, que tão generosamente não só me editaram como proporcionaram que ganhasse um prémio...) que vive da polémica política que o tema do livro possa gerar: foi assim com o Evangelho, é-o agora com a Lucidez.

Saramago, além de candidato do PC às Europeias, é agora também militante do voto branco como forma de protestar contra o estado da democracia "burguesa" (ele já não usa esta expressão mas bem que poderia). É claro que a democracia está em mau estado. É claro que ela precisa de ser aprofundada. É claro que ela tende cada vez mais a ser eleitoral mas não social, económica e cultural. Mas o voto em branco, sobretudo resultante de uma mobilização a seu favor, não é a solução - como não o foi a revolução, a ditadura do proletariado ou qualquer outra refundação total e absoluta do mundo. Saramago, desesperado com o fim do projecto comunista e das "soluções" refundadoras em que viveu toda a sua vida, resvala para o "anarquismo". Nunca uma associação de palavras (lucidez=branco) foi tão errada.

mva | 22:03|
 

No reino da incorrecção política.

Jantar. Na cozinha. Só eu, hoje. Zapando a TV. Manuela Moura Guedes entrevista um rapazinho que faz ballet. Quando ele lhe diz que não gosta que lhe chamem maricas, ela responde: "Mas tu dizes que não, que jogas à bola e tudo". Zapo para a SIC Radical: anunciam filmes de kung fu falando (julgam eles que com humor) "à chinesa" (!?), trocando os erres por éles. Zapo para a RTP (que pela primeira vez em décadas acertou no logotipo, finalmente uma coisa decente...): noticiam o inquérito do Ministério da Educação que pergunta aos miúdos das escolas da Região Centro o sua "grupo cultural de origem". Quais as hipóteses? Português, europeu, africano, cigano ou brasileiro.

mva | 21:56|
 

A tradição já não é o que era.

(Autos arquivados na Torre do Tombo, armário 5, maço 7)
SENTENÇA PROFERIDA EM 1487 NO PROCESSO CONTRA O PRIOR DE TRANCOSO
Do Arquivo Nacional da Torre do Tombo
(Autos arquivados na Torre do Tombo, armário 5.o,maço 7)

"Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com vinte e nove afilhadas e tendo delas noventa e sete filhas e trinta e sete filhos; de cinco irmãs teve dezoito filhas; de nove comadres trinta e oito filhos e dezoito filhas; de sete amas teve vinte e nove filhos e cinco filhas; de duas escravas teve vinte e um filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos.

Total: duzentos e noventa e nove, sendo duzentos e catorze do sexo feminino e oitenta e cinco do sexo masculino, tendo concebido em cinquenta e três mulheres".

"El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou por em liberdade aos dezassete dias do mês de Março de 1487, com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo".

(Obrigado pelo mail, Alexandre).

mva | 11:00|
 

MEDIAWATCH
Happysode.


Como, felizmente, no Reino Unido, nem os fundamentalistas islâmicos nem os fundamentalistas católicos têm muita força, passou a lei que permite aos casais do mesmo sexo uniões muito próximas do casamento. A designação é praticamente a única coisa diferente (e isso irrita, mas enfim...). Mais no Guardian.

mva | 10:42|
 

MEDIAWATCH
Más notícias.

A Gay.com dá a infeliz notícia: O Brasil retirou a proposta conhecida por Resolução Brasileira. Aparentemente devido à pressão de dois poderosos lobbies: os países muçulmanos e o Vaticano. Ganharam, por esta, os fundamentalistas islâmicos e os fundamentalistas católicos.

mva | 10:29|
 

MEDIAWATCH
Por onde andam os "pró-vida" quando não há campanhas sobre o aborto...

Sobre a lei que se aproxima e o papel do Conselho de Ética das Ciências da Vida (vejam a lista dos membros), diz o cientista Mário de Sousa:"Uma lei tão retrógrada, feita por pessoas que não percebem do assunto, e que tem como base crenças e um total desrespeito pela individualidade e pelos direitos das pessoas não será sustentável." O próprio jornal diz que ele vai mais longe: "Está-se a dizer que Portugal é uma santidade em termos religiosos. Na prática, está-se a favorecer os ricos, nomeadamente clínicas privadas que vivem da exploração dos doentes. Que são uma minoria, e que são as pessoas responsáveis por estes textos." Mário de Sousa já está a transferir parte da sua actividade para Espanha.

mva | 10:19|


30.3.04  

VISTO.



The Station Agent. Estou mesmo em onda de sorte com os filmes. Este é simplesmente uma pérola: de economia, de humanidade, e daquela mistura difícil entre realismo quase cínico com esperança humana sem rebuçado (isto faz sentido?). Acho que ninguém falou do filme e ele deve estar a desaparecer do seu cantinho escondido nas catacumbas desconfortáveis e bafientas do Quarteto em Lisboa. O anão magoado e introspectivo, a mulher que perdeu o filho e não quer que a vejam a chorar, e o cubano-quase-português desejoso do contacto humano como só na infância. No folheto que distribuem no Quarteto, um artigo do L. A. Times cita Schopenhauer: "As pessoas e os porcos-espinhos são muito parecidos. Gostam de estar próximos pelo calor e companheirismo, mas também mantêm uma certa distância para evitarem implicar [picar...] uns com os os outros]."

mva | 11:34|


29.3.04  

A polícia do esperma.
(Ou: Sperm Cops II: The Vatican Strike Force)



Em Portugal há uma coisa bisonha chamada Conselho Nacional para a Ética das Ciências da Vida, cuja composição aparentemente diversificada não consegue esconder o aroma de sacristia. Ouvi há pouco num telejornal que vai sair uma recomendação contra a doação de esperma para efeitos de reprodução medicamente assistida. Isto significaria a eventual proibição de bancos de esperma. Já se está mesmo a ver qual o argumento vaticânico por trás de tal dislate. Tal como as implícitas proibições de assistência em termos de RMA a lésbicas podem ser contornadas através da inseminação caseira, também aqueles de nós que têm o sexo masculino poderão doar esperma a quem pedir. Na ausência de um Estado decente e moderno, auto-organizemo-nos.

mva | 21:07|
 

mva | 20:48|
 

Vão ver as velhinhas!

Ao ir ver American Splendor, reparei que Les Triplettes de Belleville já estreou por cá. É simplesmente o melhor filme dos últimos tempos. Vão ver, vão ver, vão ver - que Madame Souza vos acompanhe.

mva | 20:46|
 

VISTO



American Splendor.> Excelente! Sou suspeito por gostar de comics e BD, mas este filme vai mais longe do que a mistura já feita em Ghost World. Aqui há cinema e, sobretudo, argumento, pela maneira como Harvey Pekar, o autor, se mistura com o actor que faz de Harvey Pekar. No óptimo site Toonopedia, aprende-se que a mulher de Pekar, Joyce Brebnar - a personagem mais conseguida do filme - foi autora de Real War Stories e Activists, livros que entram no dirty real world dos conflitos, complementando assim (e de que maneira), a visão de uma América assustadoramente normal de Pekar ("uma enorme pizza fria", dizia eu num conto há uns anos, e perdoem-me a auto-citação).

mva | 20:33|


28.3.04  

Para a Sara:


Edward Hopper, Lighthouse at Two Lights, 1929.

A lighthouse of one's own...

mva | 12:25|


27.3.04  

Sábado. Chuva. Cálculos mentais para a semana.


Saturday in Morro Bay
© Keith Halonen, 1997, oil on panel, 244×122 cm

mva | 21:13|
 

Auto-vigilância.

A propósito de "Orientalistas e Fundamentalistas" (post abaixo) acho curioso que ninguém tenha reagido dizendo: "Pois, pois, mas Bush e Sharon são eleitos em democracias, os Yazins e os Bin-Ladens nunca instaurariam democracias". É que é verdade. Só que a democracia está, por assim dizer, a montante: ela permite que Bush e Sharon sejam eleitos. Mas os actos destes, a jusante, não são, em essência, democráticos...

mva | 19:52|
 

Autocarro.

Descobri há pouco um autocarro que - sorte das sortes - me leva de casa à faculdade num instante. Ao contrário do que é portuguesmente comum, nunca senti que o carro me desse "liberdade" ou "autonomia". Sinto-me constrangido por tudo o que um carro na cidade significa: conduzir no meio de loucos, procurar estacionamento, apanhar com engarrafamentos, não conseguir cumprir horários, stressar. Com os transportes públicos (normalmente o metro, pois os autocarros não são de fiar) faço tudo mais calmamente mas, sobretudo, sinto-me mais cosmopolita: ando a pé nas ruas duma cidade a caminho da paragem ou estação, vejo as pessoas e as faunas duma cidade nos transportes, vou ouvindo pedaços de conversas, em suma, vou tomando o pulso à polis. E ainda aproveito para ler. Não é, no fundo, este o modo de fazer as coisas nas verdadeiras cosmópolis, como Paris, Londres ou Nova Iorque, onde não passa pela cabeça de ninguém andar de carro? Quando me atrevo a andar de carro na cidade, durante o dia, para os percursos normais, sinto imediatamente que estou em Caracas.

mva | 13:06|
 

Orientalistas e Fundamentalistas.

Ao contrário do que aconteceu a seguir à invasão do Iraque, ou a seguir ao 11 de Setembro, o debate após o 11-M está um pouco (um pouco) mais elevado. Outro dia Pacheco Pereira escrevia um artigo sobre o tema do niilismo terrorista; e um ou dois dias depois, Prado Coelho referia os estudos que localizam os terroristas actuais no cerne da modernidade. Em suma, os terroristas de agora não lutam por causas nem para transformar o mundo, mas destroem(-se) porque sentem que o mundo não tem transformação possível. Verdadeiros indivíduos, verdadeiros modernos, verdadeiros niilistas.

Isto é muito discutível, é claro. Mas pelo menos desvia o debate do novo Orientalismo que corre pela imprensa e que tende a estabelecer uma dicotomia maniqueísta entre Nós e os Outros, que esquece o quanto de Outros Nós temos (hello: o nazismo, o estalinismo...) e o quanto de Nós os Outros têm (Estados resultantes do colonialismo, por exemplo). Nisto, Orientalistas ocidentais e Fundamentalistas islâmicos partilham da mesma lógica.

É simultaneamente com os xeques Yazin e os Sharons, os Bush e os Bin-Ladens, que temos que cortar. Não nos podemos deixar enredar na "lógica" que eles partilham. Gostaria de pensar que foi isso que os eleitores espanhóis quiseram dizer.

mva | 12:55|
 

Civilizar, perdão, desenvolver.

Um aluna minha acabou longo trabalho de campo em Timor Leste. Conseguiu trabalhar junto das organizações da ONU no território e junto do próprio Estado. Confirmou uma das suspeitas mais correntes nos últimos tempos: que os modelos de ajuda ao desenvolvimento continuam a lógica colonial. Aparentemente, os portugueses (mas o mesmo se poderia dizer de australianos e outros) que lá estão ganham cinco vezes mais do que em Portugal; muitos assumem que estão "a fazer dinheiro para comprar uma casa" (em Lisboa, claro). Os seus salários são pagos pela administração em Timor, com o dinheiro que lhe é dado pela "ajuda" portuguesa. Muito provavelmente esses "ajudantes" acham, com sinceridade, que o dinheiro compensa as dificuldades de viver longe, no terceiro mundo e que, de qualquer modo, o seu trabalho ajuda ao "desenvolvimento". Noutros tempos, muitos funcionários coloniais achavam sinceramente que estavam a contribuir para a "civilização".

mva | 12:47|
 

VISTO.



But I'm a Cheerleader. No ciclo de cinema da rede ex-aequo. O que acontece quando uns pais conservadores desconfiam que a filha é lésbica e a mandam para uma comunidade de "cura" da homossexualidade? O que acontece é que a filha, para quem a identidade sexual não tinha nome nem objecto de desejo exclusivo, apaixona-se por uma rapariga. Funny-Foucault.

mva | 12:36|


26.3.04  

[Parênteses Rectos.

As crises dizem-nos uma coisa muito simples: que não somos nem boas nem más pessoas, mas uma tentativa de sermos bons ou uma rendição a sermos maus. Um princípio e outro não se aguentam muito tempo escondidos e de vez em quando they pop up como borbulhas. Nas crises de maldade, normalmente provocadas por "stress de cerco" (não perguntem o que é, que não sei explicar - soou-me bem), quem paga as favas da má disposição é quem não merece pagar; e acabamos por fazer justamente o que normalmente criticamos nos outros. A coisa passa com umas boas somatizações, umas horas debaixo dos cobertores and a little help from. Mas em momentos críticos percebemos que não somos mais do que crianças, sempre.]

mva | 15:07|


25.3.04  

MEDIAWATCH
Os deliciosos erros do Público online.


Título duma notícia: «Dinastia Bird Perde o Poder em Antígona Depois de Meio Século». Eles queriam dizer Antígua, mas alguém tinha estado a ler os clássicos para um exame...

mva | 10:56|


24.3.04  

Daniel e Didier.

Borrillo e Éribon são dois dos meus heróis: conheço o primeiro, autor, entre outros, do pequeno guia/manual L'Homophobie; o segundo escreveu o genial Réflexions sur la Question Gay. Agora juntaram-se para defender o casamento gay e lésbico em França. O seu Manifesto pela Igualdade pode ser assinado aqui.

mva | 23:20|
 

Vagabundos.

Já não me apetecia muito ler para não correr riscos de me irritar. AGora ainda menos me apetece ir ver a peça...:

«VAGABUNDOS DE NÓS - LIVRO DE DANIEL SAMPAIO EM TEATRO NO MARIA MATOS. Da mesma forma que, no livro, há um apagamento do sofrimento do filho homossexual (que é afinal quem se suspeita ter-se suicidado) em favor do sofrimento da mãe (que sobrevive) também na peça os poucos momentos em que o sofrimento do filho tem realmente voz são suplantados cénicamente pela voz e personagem da mãe. Além de silenciar o desejo e sofrimento homossexuais o livro tem ainda o desplante de apresentar como único período feliz do personagem gay aquele em que teve um namoro heterosexual; a peça nem sequer menciona o namoro homossexual da personagem. Daniel Sampaio e Luís Osório (encenador) perderam uma excelente oportunidade para promoverem a consciência social do sofrimento dos adolescentes lgbts, que têm uma taxa de suicídio três vezes superior à dos adolescentes hetero, e limitam-se a reforçar estereótipos: 1) o de que todas as mães de filhos lgbts não podem senão sofrer (não considerando sequer que há pais que compreendem e lutam pelos seus filhos, com orgulho); 2) o de que não há namoros homossexuais felizes e adolescentes
homossexuais felizes 3) e também o estereótipo simplista de que os gays são sensíveis, gostam de pintura, música clássica, vestidos de mulher e flamingos!!!! Um escândalo de desinformação e preconceito é o que esta peça e este livro são. E uma afronta a todos aqueles que são e foram vítimas da homofobia familiar!(...)» (retirado do boletim da Opus Gay).

mva | 23:16|
 

A banalidade do mal.

Encontro uma velha amiga na rua. Diz que vem do advogado. Eu franzo o sobrolho. Ela explica que nunca me tinha contado mas o homem com quem viveu agrediu-a. Ela foi parar ao hospital. Está agora a sofrer a lentidão e o labirinto kafkiano da justiça à portuguesa. Mas sobretudo o pântano das mentalidades. Aparentemente até as médicas que a atenderam quando foi hospitalizada escarneceram com a situação. Convém dizer que o dito homem até tinha um ar "normal" (whatever that means). Infelizmente conheço outros homens com ar normal, que circularam perto de mim, e que vim a saber serem agressores e mesmo suspeitos de tentativas de violação. É assim como as criaturas que vão às TVs defender o que eles chamam a "família tradicional" e que depois - vem-se a saber - se vangloriam da quantidade de "gajas" que "comem". Lisboa estava feia naquela rua onde encontrei a minha amiga. Era a Lisboa real, caótica, leprosa, terceiro-mundista, que prolifera como um fungo para Norte dum restritíssimo círculo de vistas-bonitas-de-miradouros. Mas ela é feia sobretudo por estas histórias, as histórias dos "gajos normais". Só soube dizer à minha amiga que nem por nada pensasse em desistir do processo.

mva | 23:03|
 

Eu bem que adivinhei...



A Sónia Silva foi minha aluna no primeiro ano em que dei aulas no ISCTE, em 1986. Era a melhor aluna da turma. Agora, tantos anos depois, ei-la a publicar um livro que resulta do seu doutoramento nos EUA, com trabalho de campo na Zâmbia. Dizem as pessoas que já leram e em cuja opinião confio que é excelente. Em vez de me sentir velho, ou outra coisa desse género, sinto-me super-bem, pois "bem que eu adivinhava" que ela iria ter sucesso. Parabéns, Sónia!

mva | 22:46|
 

Postless...


[Dórdio Gomes, Casas de Malakoff, 1923]

mva | 11:34|


23.3.04  

Resolução Brasileira.

Eis a situação neste momento: «Los 15 Síes: Alemania, Argentina, Australia, Austria, Brasil, Croacia, Francia, Irlanda, Italia, México, Países Bajos, Paraguay, Perú, Reino Unido, Suecia; Los 6 Síes probables: Armenia, Chile, Honduras, Hungría, Sudáfrica, Ucrania; Los que No Sabemos y las Abstenciones: Corea, Costa Rica, Cuba, EEUU, Guatemala, Japón, República Dominicana, Rusia; Los 13 probables Noes: Bahrain, Bhutan, Burkina Faso, China, Eritrea, Etiopía, Gabón, India, Nepal, Sierra Leona, Sri Lanka, Suazilandia, Togo; Los 11 Noes seguros: Arabia Saudita, Congo, Egipto, Indonesia, Mauritania, Nigeria, Paquistán, Qatar, Sudán, Uganda, Zimbabue». (Retirado do boletim da Opus Gay, original citado em castelhano).

Considerando que dos "nãos" seguros, só o Egipto é um destino turístico português estabelecido, não se esqueçam de boicotar este país. Digam aos vossos amigos, amigas e familiares que não é país que se patrocine.

mva | 12:10|


22.3.04  

Trabalho sexual (ainda inspirado pelo Renas)

"Trabalho sexual" é uma expressão bem feliz. Recoloca a "prostituição" num lugar sociológico e não moralista. Em tudo o que li sobre o assunto, bem como naquilo que pesquisadores me disseram, ressalta sempre que as prostitutas distinguem claramente o que é trabalho do que não o é na sua actividade sexual. Em rigor, a parte de trabalho nem cabe bem na categoria de actividade sexual. Quando se recolocam as coisas assim está-se a dizer que a prostituição é um trabalho e, portanto, que os problemas sentidos quer pelas prostitutas quer pela "sociedade envolvente" são problemas de relações laborais, de direitos e deveres sociais, passíveis de regulação, no sentido de maior igualdade e mais justiça.

Mas dois sectores opostos questionam esta posição: alguns feminismos e muitos catolicismos intervenientes na “área da prostituição”. Para os primeiros, trata-se de afirmar a prostituição feminina como uma manifestação da subordinação de género, uma objectificação da mulher, transformada em mercadoria. Para os segundos, trata-se de um aviltamento da dignidade do corpo e do sexo tanto para prostitutas como para clientes, partindo do pressuposto de que as primeiras desejariam uma situação de vida diferente.

Algumas coisas estão confundidas aqui, a meu ver. Primeiro, a prostituição pode ter a ver com a subordinação do género feminino e com o exercício da masculinidade hegemónica não pelo facto da prostituição em si mas pelas características diferenciadoras da prostituição feminina. Se virmos bem, a prostituição masculina, sobretudo a destinada a cliente femininas, é vista mais como trabalho e como um trabalho que não avilta a masculinidade dos prostitutos. Algo semelhante se passa com os prostitutos cujos clientes são homens, embora aqui o exercício de uma masculinidade homofóbica sobre o cliente (que a deseja ou não, pouco importa) ou, noutros casos, o factor de partilha da orientação sexual, também possam dar uma tonalidade voluntária e partilhada a ambas as partes do contrato. O tema de género da prostituição feminina prende-se, pois, a uma coisa de ordem mais geral, que é o próprio trabalho feminino como subordinado, subalterno, pior pago, menos regulado, etc. Em segundo lugar, o modelo de “salvação” das prostitutas não é feito em função de um modelo de mulher autónoma e não marcada pela hierarquia e assimetria de género, mas sim por um modelo de família patriarcal: “salvá-las” através da aprendizagem de uma feminilidade assexuada, reconduzindo-as de qualquer modo para o nível mais baixo da divisão do trabalho (ensinando costura, encaminhando para serviço doméstico, etc.).

Em ambos os casos, a noção de corpo e sexualidade prevalecente é baseada na ideia cristã-ocidental do corpo como templo de deus, e não como parte indissociável do eu engajado em relações de múltiplos sentidos com os outros e com o mundo. Nisto, muitas prostitutas dão-nos uma lição, pois sabem perfeitamente distinguir prazer de desprazer consoante o parceiro e consoante a relação. Se porventura sentirem prazer no acto sexual com o cliente, não é isso que deverá perturbar a distinção, pois o trabalho é cada vez mais visto como algo que deve realizar e satisfazer o individuo e já não apenas no seu sentido etimológico de sacrifício e tortura. A questão de o corpo estar a ser transformado em mercadoria, partilhada por alguns sectores feministas, de esquerda e católicos, é uma questão que deve ser mais bem analisada: o marxismo demonstrou como se mercadoriza a nossa força de trabalho. Ora, a nossa força de trabalho física, mesmo quando intelectual, é corpo a funcionar. Só um prurido de ordem moralista pode distinguir o exercício sexual dos outros exercícios físicos. A questão não está em ser ou não mercadoria, está em como se regula a compra e venda da mesma. Nisto se pode incluir a variável sócio-económica, pois a autonomia/poder duma prostituta do tipo ”escort” para hotéis de luxo é superior à de uma prostituta dependente de um chulo ou à de uma toxicodependente que se expõe ao perigo numa esquina de rua.

O “trabalho sexual” permite que a moralidade e as opções sobre os costumes sexuais sejam separadas da regulação da realidade tal como ela existe. As prostitutas existem, os clientes procuram-nas, e a relação de prestação de serviço – relação de mercadorização como qualquer outra – é feita em condições deploráveis e com grandes desníveis sociais, económicos e de saúde consoante a divisão de estatuto e classe no meio da prostituição. Trata-se, pois, de conseguir maior igualdade e mais justiça, regulando as condições do exercício da actividade profissional. Com o moralismo de fora.

É claro que existe um “mal estar” da masculinidade hegemónica que alimenta a prostituição. Mas a transformação desse mal-estar não pode ser feita pelo ataque à prostituição ou pelo seu ocultamento. Até à transformação da masculinidade hegemónica noutra coisa menos marcada pelo exercício do poder narcísico (e pela compensação das falhas do mesmo), as pessoas que se dedicam ao trabalho sexual têm o direito a exercer o seu trabalho com dignidade, segurança e inclusão – e isto independentemente de terem escolhido ou não fazer esse trabalho, no que não se diferenciam de ninguém, do apanhador de lixo ao banqueiro. No caso específico das mulheres trabalhadoras sexuais, o género é uma importante variável de subordinação, e pior é a situação se o seu capital inicial for menor, como no caso da comparação entre uma trabalhadora sexual de rua e uma “escort” de hotel.

A “questão da prostituição” é, pois, uma questão de trabalho, na qual a variável gébnero pode ter um carácter determinante.

PS: A culpa de um post tão longo é do Renas, que uma vez mais me inspirou...

mva | 13:48|
 

Ana Lopes.

Este post do Renas é excelente. Se a Ana Lopes fez a licenciatura em Portugal, tenho curiosidade em saber onde. É raro haver pessoas com percursos destes e seria óptimo conseguir convidá-la para falar com os meus/minhas/noss@s alun@s. Aparentemente ela levou o nosso método da observação participante um pouco mais longe e numa área sempre problemática para estudantes e orientadores. Hoje tenho muitas aulas, mas prometo investigar. Bem como "descoser" umas ideias sobre "prostituição"...

mva | 11:26|


21.3.04  

Suicidem-se mas não nos suicidem.

A primeira página do Público mostrava-o bem: algumas criaturas resolveram aparecer na manif de ontem vestidas de bombistas-suicidas. Deveriam ter sido sumariamente expulsas da manif, em nome da liberdade de expressão... das pessoas mortas por bombistas-suicidas. Embora alguns sectores não tivessem querido que isso acontecesse, a manif era contra a guerra e o terrorismo.

mva | 19:18|
 

LIDO.



O ensaio de Fernando Rosas lê-se de uma vez só. Consegue aquilo que se pede a um historiador quando pretende divulgar os conhecimentos para um público mais vasto: a sensação de compreendermos o que de outro modo pareceria uma sucessão de acontecimentos caóticos. Neste caso ficamos com uma noção clara das persistências portuguesas em termos de opções políticas e grupos sociais que as apoiam - do fim da Monarquia até à "normalização" de 1975. É aqui que ficamos a desejar mais - sobretudo porque as elites portuguesas já não são apenas a continuação daquelas tendências do tempo longo. Se calhar é por isso que elas tentam agora rever a História: já repararam como anda por aí um discurso que diz que a raiz dos problemas do país foi a revolução de 74? Rosas também percebeu isso e este ensaio serve como "acção preventiva" para o discurso da nova direita...

mva | 19:09|


20.3.04  

Encontramo-nos lá?


Contra a guerra e o terrorismo.

mva | 12:47|
 

Às vezes até gosto da minha profissão:

«Statement on Marriage and the Family from the American Anthropological Association

Arlington, Virginia; The Executive Board of the American Anthropological Association, the world's largest organization of anthropologists, the people who study culture, releases the following statement in response to President Bush's call for a constitutional amendment banning gay marriage as a threat to civilization.

"The results of more than a century of anthropological research on households, kinship relationships, and families, across cultures and through time, provide no support whatsoever for the view that either civilization or viable social orders depend upon marriage as an exclusively heterosexual institution. Rather, anthropological research supports the conclusion that a vast array of family types, including families built upon same-sex partnerships, can contribute to stable and humane societies. The Executive Board of the American Anthropological Association strongly opposes a constitutional amendment limiting marriage to heterosexual couples."

Media may contact either of the names below:

To discuss the AAA Statement please contact: Elizabeth M. Brumfiel, AAA President (847) 491-4564, office.

To discuss anthropological research on marriage and family please contact: Roger Lancaster, Anthropologist, author, The Trouble with Nature: Sex in Science and Popular Culture , 2003 (202) 285-4241 cellular

Media Coverage Includes:

Multicultural marriage, by Joshua Glenn, Boston Globe, Feb. 29, 2004.

Scientists counter Bush view Families varied, say anthropologists by Charles Burress, AAA member Laura Nader was quoted, The San Francisco Chronicle, Feb 27, 2004

mva | 12:35|


19.3.04  

OutQ Radio!



O Miguel Santos sugeriu este blink, que incluí: trata-se de uma rádio lgbt de São Francisco, com emissão online. Assim que liguei, "Dei" com o Michaelangelo Signorile a entrevistar uma correspondente em Espanha sobre as eleições, a política lgbt do PSOe, etc., com tempo, profundidade, análise. Óptima sugestão. Para ouvir enquanto se lê os posts.

PS: Para ouvir é preciso inscrever-se, bastando para tal dar o endereço de mail e um ZIP code (convém que seja americano, pelo que se sugere o 90210 do Beverly Hills dito-cujo...)

mva | 19:50|
 

MEDIAWATCH.

Uma vez por ano - no máximo duas - Fátima Bonifácio publica um artigo de opinião no Público. Desta feita o esforço teve como objectivo "demonstrar" que o voto dos espanhóis foi mesmo cobarde e foi mesmo uma cedência aos terroristas. Quando se usam argumentos destes, dá vontade de usar os seus simétricos, baseados na mesma ilógica: se não tivesse havido 11-M em Madrid, os espanhóis teriam continuado a ser enganados pelas mentiras de Aznar. Interpretar votos apenas em função das agendas ideológicas é dizer que a democracia não serve para nada. Por isso não concordo sequer com o discurso dos meus "correlegionários" sobre a "coragem" do voto dos espanhóis. O que eles fizeram foi honrar a democracia, porque pelos vistos já a interiorizaram bem. E o anúncio de Zapatero sobre a retirada das tropas também confirma isso: é justamente porque uma democracia não pode estar refém de terroristas que se pode anunciar, quer dê jeito quer não, quer fique bem quer não, aquilo que se pretende fazer e em função do que se prometeu fazer.

Na mesma edição, José Cutileiro diz que a política externa portuguesa é sempre uma política de afastamento da Espanha e de consideração do outro lado do Atlântico. E que a política externa espanhola regressa, agora, ao seu europeísmo. Nota-se no artigo que isto não é propriamente visto como uma coisa boa. A direita e a neo-direita portuguesas não gostam, no fundo, da Europa. E agora descobrem uma maneira atavicamente nacionalista de o dizerem: gostar da Europa é gostar de Espanha.

A mudança política em Espanha é o começo do fim da neo-direita europeia. E pode bem ser o início de uma forma mais inteligente de combater o terrorismo. Pelo menos a Espanha viu-se livre de quem precisa do terrorismo para legitimar a enorme perversão que é um Estado superforte no controle das liberdades e superfraco no controle da injustiça social e económica.

mva | 14:56|
 

VISTO.



Os Fugitivos. Há anos que o Zé Eduardo Rocha vem desenvolvendo a sua música. Há anos que o Rui vem desenvolvendo a sua narrativa. Agora juntaram-se para produzirem ópera, o género que permite que as duas estratégias se fundam. A ópera torna a ser o que já foi nos seus primórdios: popular, divertida, comovente, na língua vernácula, comentando o seu tempo e o seu lugar. Em suma, como o teatro de revista (sem que isso seja uma ofensa) ou como o cinema. Bravo!

mva | 14:18|
 

Novos blinks.



O Miguel Santos e o Michael são um dos 4000 casais que se casaram em São Francisco na recente "revolução". E a Human Rights Campaign alberga a sua defend equality page.

mva | 09:23|


17.3.04  

IRS (Importante Ritual Social)

Hoje cá em casa cumprimos mais um importante ritual: entregámos a declaração do IRS em conjunto. Com sorte e com mais gente fazendo o mesmo, poderemos ter agradáveis surpresas estatísticas sobre as uniões de facto (em geral, e sobre as de casais do mesmo sexo em particular) a partir da DG dos Impostos - já que a partir do INE bem podemos esperar.

mva | 17:57|
 

MEDIAWATCH.
Já começou.


O SEF investiga mulheres portuguesas que (não, não vão fazer abortos) vão casar com cidadãos árabes a Londres. Alguém chama a PJ porque encontra cassetes e livros em árabe ("alguns com alusões ao Alcorão", meu deus!) num caixote do lixo em Fão. E um articulista chamado Paulo Rangel discorre alegremente sobre a limitação de liberdades (por exemplo, diz en passant, na informática).

Conselho: despachem (mas não deitando para o lixo) os livros em árabe que tenham em casa; se forem muçulmanos comprem bilhetes para dez sessões seguidas da propaganda do Mel Gibson e garantam que são vistos; se forem a Londres garantam que vão mesmo "só" fazer um aborto; e escrevam cartas ao director do Público que refiram a necessidade de todos prescindirmos das nossas liberdades (e, já agora, que os Espanhóis são uns cobardes porque cederam, através do voto, à chantagem terrorista).

mva | 10:26|


16.3.04  

Casamentos de Santo António.

Abriram as inscrições para os casamentos de Santo António. Algum casal do mesmo sexo (mas com estômago ou sentido de humor para aturar a pirosice autárquica...) se oferece? Seria uma forma de afirmar uma posição aqui na (como diz a Sara) Big Lettuce.

mva | 11:33|
 

Pergunta.

Se Aznar/Rajoy, aliados de Bush, tivessem ganho as eleições, que país iria a Espanha atacar na sequência do 11 de Março? O Iraque?


mva | 11:11|
 

VISTO (mesmo).
A luz na pérola forma um coração

Girl with a pearl earring.Passei muito tempo à espera dum filme assim. Poderia escrever páginas sobre ele. Sobre o retrato de época; sobre a forma como o filme é feito como se fosse ele mesmo um Vermeer; sobre as reconstituições de outros quadros que surgem no filme; sobre a inteligência e economia com que o mistério do retrato pintado é mantido, mantendo silêncio sobre a psicologia da rapariga; sobre as lições do olhar; sobre os conceitos de obscenidade da época; sobre o atrevimento do retrato de um(a) indivíduo(a), para lá do retrato da figura social e do seu estatuto; sobre como realizador e argumentista souberam não introduzir um caso amoroso "típico"; sobre como tudo é encenado subindo e descendo, escondendo e revelando, escurecendo e iluminando as divisões daquela casa de Delft; sobre a sensualidade cromática e textural de beterrabas, couves roxas e ingredientes para as tintas; sobre uma música lindíssima que transporta a narrativa; sobre o que era viver num mundo sem fotografia e muito menos com cinema e poder sentir a revelação da pintura; sobre como é possível tornar a sentir a revelação da pintura. E sobre esse achado ao mesmo tempo irónico e surpreendente que é o plano da Johansson-rapariga-com-brinco-de-pérola ser tanto ou mais belo que a rapariga de Vermeer...

Repousem sobre estas imagens, então:

mva | 00:21|


14.3.04  

Yes!



Primeiro sairam milhões à rua para protestar contra o terrorismo. Estive com eles. Depois sairam milhares para protestarem contra a mentira do governo (embora não concorde com ilações do tipo "isto aconteceu porque fomos para o Iraque", estive com eles).Agora que o PSOE ganhou, estou com eles outra vez! Triplamente espanhol/español/espanyol. Pelo menos acabou o reinado do señorito Aznar, da Opus Dei, dos continuadores do franquismo e dos seguidores de Bush, Rajoy morre na praia e Barroso perde su hermanito. A Esquerra Republicana de Catalunya sobe de 1 para 8 deputados. Só tenho pena da quebra da Izquierda Unida - provavelmente devido ao voto útil - pois seria sem dúvida o meu partido se fosse cidadão do Estado Espanhol.

mva | 21:22|
 

VISTO.



The Missing. Apesar de Cate Blanchett estar muito bem, o filme é empastelado. Prestei atenção, sobretudo, ao "multiculturalismo" do New Mexico já no século dezanove: mexicanos, índios, americanos, trocando símbolos e modos de fazer. Mas sempre - como a personagem de Cate demonstra - com a ressalva da distanciação através do preconceito. Ela, curandeira, nem se apercebe que o curandeirismo dos índios é apenas uma versão do que ela própria faz. Ou que o colar com uma cruz que tem ao pescoço é, para todos os efeitos, a mesma coisa que o colar com um amuleto contra o brujo.

mva | 14:29|
 

LISTO (LIDO & VISTO).



Domesticity isn't pretty, BD da série "Leonard & Larry" de Tim Barela. Ou de como, apesar de excesso de texto, se consegue "falar" com auto-ironia da vida em casal de dois gays. Obrigado pelo empréstimo, MJM.

mva | 14:25|
 

Chimera



No Portugalgay.pt, uma resposta da Fabíola Cardoso a Miguel Sousa Tavares.

PS: Pelo menos em inglês, uma chimera é um animal fantástico, híbrido de animais diferentes. Talvez quando existirem elefocas possamos ver na natureza um macho e uma fêmea monogâmicos, em conjugalidade eterna, criando em conjunto as suas crias...

mva | 13:58|
 

As virgens.

De repente - e algo surpreendentemente - muita gente começou a sair à rua, convocada por SMS, exigindo que Aznar diga o que sabe sobre a autoria dos atentados. As convocatórias por SMS têm algo de anárquico e, paradoxalmente, de democrático: é o "espírito" dos cidadãos a revoltar-se; são os cidadãos convocando-se mutuamente. No momento seguinte ao choque e à dor, os espanhóis tiveram a razoabilidade de desconfiarem da manipulação pré-eleitoral dos atentados.

Para quem insiste sempre em dizer que em momentos da gravidade de um atentado terrorista não se deve discutir política, causas, responsabilidades (coisa que virou praga em Portugal desde o 11 de Setembro), os espanhóis demonstram o contrário. Só um ingénuo, ou alguém que partilhe do populismo anti-Política, pode não ter visto a manipulação que Aznar (e outros, é claro) já estava a fazer no momento seguinte aos atentados. A razão é simples: é que um atentado terrorista é política. Da suja, da pior, da mais nojenta - mas política. Para quem adora moralizar contra quem pensa e se questiona a seguir aos ataques terroristas, sugiro que pense o seguinte: quando um terremoto mata centenas de pessoas, não há grande discussão política. Justamente, porque não é um acontecimento político (a não ser,claro, que se saiba que as construções estavam mal feitas devido à corrupção entre empreiteiros e autarcas...).

No momento em que somos atacados por quem nega a democracia, como os terroristas, a nossa melhor arma é a razão e a inteligência. Consumado o ataque e a matança, a nossa obrigação é vigiar a política que em torno deles se faz, necessariamente. A razão e o exercício da inteligência não são coisas frias e sem emoção. São a maneira de tornar as nossas emoções em algo que aja, com justiça e justeza, sobre a realidade que nos perturba. Costuma dizer-se que as amizades comprovam-se nos momentos difíceis. Ou que princípios como recusar a pena de morte se verificam quando alguém próximo é assassinado. Pois: é isso mesmo.

(Imaginem a morte de alguém próximo. Um familiar recusa-se a tratar de tudo o que tenha a ver com lidar com a agêcia funerária, discutir preços, ou, depois, falar em heranças. Razão invocada? "Não percebo como é que vocês conseguem falar em coisas tão baixas neste momento". Faz a sua performance de sensível. De moralmente superior. Mas a realidade é que alguém - outro - terá que fazer aquelas coisas. O verdadeiro hipócrita nesta história é o que se julga ser o mais puro.)

mva | 11:49|
 

MEDIAWATCH.
Descoberta uma nova língua.


"Assesinos, las guerras son vossas, los muertos son nostros". Esta frase, apresentada como citação, surge hoje no Público. E na notícia seguinte, o Público oferece-nos esta pérola: "Tudo isso és mierda!". O jornalismo de investigação está cada vez melhor e desta feita descobriu uma nova língua românica, o portunhol-de-jornal-de-referência.

(Não resisto a ir aumentando este post. Na notícia seguinte, mais uma:"Los levo en mi coração".)

mva | 11:08|


13.3.04  

Novos blinks.



Nas secções "BlU.S.A." e "Blutas" acrescentei o site da "Don't Amend", contra as propostas de emenda da constituição americana para definir o casamento como estritamente hetero. O site tem link para n fotos do autêntico movimento de desobediÊncia civil que têm sido os casamentos das últimas semanas. Acrescentei também "Daddy, papa & me", um blog de um casal de homens que adoptou uma miúda, com óptimos links relacionados com "commitment ceremonies", adopção, etc., e "Let him stay", a luta de uma família gay para manter a criança adoptada, contra as leis hommofóbicas da Florida. Quanto às novas adesões à blogayesfera, ainda estou "a analisar as candidaturas"... ;-)

mva | 15:17|
 

MEDIAWATCH.
O macho à espreita.




Há muito tempo que não me magoava tanto um artigo como este de Miguel Sousa Tavares ontem. Atrevo-me a dizer que mais do que os de Luíses Villas-Boas. Porquê? Justamente porque MST não é LVB. Há coisas em MST - e posições que por vezes toma - que me fazem sentir que ele é uma pessoa "do meu mundo", cultural, social e até, às vezes, politicamente. É por isso que magoa o machismo dos comentários sobre Ana Drago;é por isso que magoa o seu desprezo pelo direito das mulheres ao seu corpo; é por isso que magoa vê-lo subscrever teorias naturalizantes sobre os homossexuais e, logicamente, sobre os seres humanos. O machismo não é apenas o folclore da bravata masculina nalguma taberna; o machismo é quando o ser macho (em vez de simplesmente homem) aflora, através do menosprezo pelos outros, como verdadeira identidade de poder que é.

PS: Não sou fã de argumentos sobre a homossexualidade entre os animais, porque acho que ficam prisioneiros da lógica que pretendem atacar - a da naturalização. Mas apetece informar MST que são raríssimas as espécies, sobretudo entre os mamíferos (que "nos" são mais próximos) em que um "casal" (macho e fêmea progenitores) criem os filhotes em conjunto. Mais comum é encontrar-se um dos seguintes arranjos: fêmea sozinha; várias fêmeas com várias crias; grupo e crias.

mva | 14:30|
 

VISTO.



Capturing the Friedmans. Mais do que sobre a pedofilia e/ou o abuso sexual de menores, é sobre a sensação bizarra que nos deixa "a Justiça". Vão ver - perceberão o que quero dizer. Muito pedagógico para o Portugal de hoje.

mva | 14:25|


12.3.04  

Um minuto de silêncio.



Tudo parece indicar que foi a Al-Qaeda. Mas poderia perfeitamente ter sido a ETA. O minuto de silêncio amanhã, às 18h de Portugal, deverá ser um grito contra ambas. Eu pelo menos penso cumpri-lo.

mva | 01:23|


11.3.04  

11 de Março.



Cheguei a casa depois de uma aula sobre questões de racismo, nacionalismo, etc., dada com a calma modorrenta com que estas coisas são vividas entre nós. Fiquei chocado com as imagens de Madrid. É claro que pensei em como o señorito Aznar pensa já na vitória eleitoral e em como foi ele a convocar as manifestações de amanhã. É claro que pensei em como Barroso convoca o minuto de silêncio de amanhã pensando na capitalização da simpatia. Mas, em última instância, isso pouco importa. Fossem eles governantes socialistas e a sua obrigação seria fazerem exactamente a mesma coisa. Obrigação. Porque o terrorismo nacionalista da ETA - ou o terrorismo fundamentalista da Al-Qaeda, que parece ter sido a responsável - são um dos fascismos de hoje, a par com os neo-fascismos, no sentido estrito, de LePen e quejandos. Os Espanhóis conhecem bem as duas realidades: conhecem o terror fascista da guerra civil, conhecem o terror nacionalista da ETA. A tragédia histórica fá-los agora, talvez, conhecer o terror fundamentalista. A uns dias de eleições legislativas, e com um primeiro-ministro que apoiou totalmente a estratégia de espiral de violência da Bush na sequência do 11 de Setembro.

PS: Para as pessoas da minha idade, 11 de Março queria dizer outra coisa. Agora já não.
PPS: Para quem não saiba, o urso é o símbolo de Madrid.

mva | 21:37|
 

Duas afirmações simples. E uma enorme tristeza...



mva | 20:44|


9.3.04  

Sic transit gloria mundi.

Surreal, a noite de ontem. Vi-me em dois programas de TV em simultâneo. O facto é em si mesmo revelador de como os nossos circuitos são estreitos, pequenos (Antropólogo cum activista de serviço precisa-se? OK, chama-se o MVA...). Antes mesmo de o programa da SIC Notícias começar, o pediatra Gomes Pedro e eu conhecemo-nos pela primeira vez. Acontece que ele foi o pediatra da minha irmã, primos e primas e é-o dos meus sobrinhos. Pois foi com ele que acabei por ter, não sem constrangimento, a principal disputa no programa. Por outro lado, o Presidente da República pede-me para dar cumprimentos à minha mãe. A única razão pela qual se conhecem é porque moram no mesmo bairro e frequentam o mesmo café. O que, em si, é o lado bom desta pequenez e estreiteza: a possibilidade de um PR viver numa casa normal, dum bairro normal, frequentando um café (uma vez uns turistas americanos recusaram-se a acreditar no que o empregado do café lhes dizia: que aquele senhor era o PR. Mas pelo sim pelo não lá sacaram das máquinas fotográficas...).

Mas vamos às coisas "sérias". No «Prós e Contras» toda a gente pôde constatar que o papão Villas-Boas é, até certo ponto, um tigre de papel (e que eu nem sempre sou cool e composto, também me passo; mas lá tive o cuidado de dizer que estava no programa como activista e não como antropólogo). As barbaridades que profere, di-las com uma espécie de ingenuidade quase confrangedora. Já o mesmo não se pode dizer da retórica de César das Neves, uma espécie de poética bonacheirona e "simpática" do mais primério arruaceirismo.

No programa do Presidente da República, a coisa só aqueceu com as afirmações essencializantes da feminilidade proferidas por Gomes Pedro e subscritas pelo Presidente. A este respeito, só gostaria de acrescentar o que li hoje, numa entrevista ao cientista Mário de Sousa (creio não me enganar no nome): que 20% da população sexualmente activa é infértil. Quer isto dizer que não só é um estereótipo essencializante falar automaticamente de maternidade quando se fala de mulheres; é mesmo cruel, uma vez que, independentemente de quererem ou não ter filhos, imensas mulheres não podem.

PS: (Graças a d..., lá estava a Gabriela Moita: inteligentíssima, articuladíssima, lindíssima).

PPS: Escrevo este post depois de um dia de aulas em que, por acasos do destino, os alunos discutiram acaloradamente questões de parentesco, consanguinidade, "naturalidade" e não naturalidade destas coisas. As modorrentas discussões clássicas da antropologia tornaram-se, de súbito, urgentemente políticas (ou politicamente urgentes...).

mva | 22:58|


8.3.04  

8 de Março.


Se fosse mulher, hoje não queria que me dessem uma flor.

mva | 14:04|


7.3.04  

mva | 19:28|
 

VISTO.

Anything Else. Cresci com o Woody Allen, gostei muito de alguns dos seus filmes (e gostei mais ainda de ler os guiões). Mas às vezes é como visitar um tio chato que fala sempre das mesmas coisas. Este filme é cute? É. É urbano? É. É sobre um rapaz auto-diminuído fascinado por uma rapariga cruel e pouco inteligente? É. É booooriiiiing? Ééééééé. (Nem me apeteceu incluir uma imagem: fui procurá-las e são todas... booooriiiiing)

mva | 11:55|
 

MEDIAWATCH
Público: adopções por homossexuais.


O "legalismo" é quando, como no caso de Rita Lobo Xavier, se pretende mostrar que as coisas não podem mudar ou devem ser como são porque está escrito na lei - ainda por cima cometendo erros de palmatória, como a ignorância de que as adopções monoparentais existem na nossa lei. O "cientifismo" é quando, como no caso de Carlos Amaral Dias, se pretende equidistância com as posições ideológicas e se procura na ciência a resposta para os dilemas sociais.

São posturas diferentes: a primeira mascara ideologia com técnica, a segunda pretende-se "neutra". Mas ambas participam de uma espécie de menorização dos activismos, das pessoas que se engajam em causas, ou de toda e qualquer manifestação identitária. Ideologia, valores, etc, são tendencialmente vistos como irracionalidades ou demagogias. Daí que os "especialistas" raramente afirmem de que lado das questões se posicionam como cidadãos. Se o fizessem, tudo seria mais claro. E relativizaríamos a suposta neutralidade da ciência, dignificando ao mesmo tempo a cidadania dos activismos e da própria política.

mva | 11:34|


6.3.04  

MEDIAWATCH.
Os cérebros que fogem.

O director do Público anda preocupado com a fuga de cérebros. Hummm...

mva | 10:11|


5.3.04  

VISTO.


Under the Tuscan Sun. Um casal de lésbicas, uma das quais grávida, oferece à heroína recém-divorciada uma viagem a Itália. Brincando com a amiga, dizem-lhe que não vai ter que se chatear com homens pois trata-se de uma excursão gay. Para mais, uma excursão com muitos casais. Pois não é que @ tradutor/a coloca nas legendas couples, em vez de "casais"? Deve ter-lhe feito tanta confusão ouvir "casais" por referência a pessoas do mesmo sexo que deve ter achado tratar-se de uma palavra de código gay, intraduzível. Ou então achou mesmo que era impossível usar tal expressão. Santíssima Trindade! (Por acaso, um arranjo ainda mais esquisito, em que pai e filho são a mesma coisa...).

Além da mãe lésbica, o filme narra com muita poesia a relação de amizade entre a americana em Itália e os imigrantes polacos que trabalham na reconstrução da sua casa - enquanto atura homens que parece impossível existirem mas existem mesmo. Para mainstream, é muito educativo. Mas, é claro, é tudo americanices...

mva | 23:55|
 

PIDE.

Ficamos a saber a lista dos nomes e fotos mostrados às "testemunhas" do caso Casa Pia. É escandaloso e assustador. Que critérios presidem à escolha? Para quê a escolha, de qualquer modo? Os investigadores não fizeram nenhuma introdução à Psicologia? Ou será que, pelo contrário, sabem-na toda, como nos tempos da PIDE? Se isto ficar impune, acabou a democracia. E não estou a exagerar. (A única coisa que me espanta é não estar na lista. deve ser porque não conto para grande coisa...)

Help Portugal!

If you live somewhere other than Portugal, please let your media and your representatives know about this. We in Portugal need all the help we can get to save our 30-year old democracy. Please help: fundamentalism, totalitarianism, manipulation and political persecution do not exist only in the "Greater Middle East". Portugal was under a dictatorship for 48 years and the same dictatorial procedures and mentalities are still at work in significant parts of our judicial and police systems. All citizens in Portugal are under suspicion and considered guilty until proven innocent. We are being persecuted by a covert political police!

mva | 18:58|
 

Este post é fundamental.

Ainda há (ou já há?) quem pense como deve ser. Não há coisa que mais me irrite que a pessoa que diz, como desculpa para racismos de baixa intensidade, que também os pretos são racistas com os brancos ou que os heteros não manifestam a sua identidade tanto quanto os gays... Copio apenas a parte que me interessou mais:

«Palestina e o mito da simetria
Na sequência das trocas de argumentos entre Daniel Oliveira, Alberto Gonçalves e Francisco José Viegas acerca da polémica da Palestina (e das aspas), Vital Moreira toca num ponto que creio ser fulcral. Com simplicidade e maestria ele desfaz o ardiloso argumento da simetria, das ambições dos projectos expansionistas de Israel e a Palestina, para notar que há um elemento que faz toda a diferença, isto é, a assombrosa desproporção nas relações de poder. De facto existe uma tendência para se sustentarem leituras simétricas, aparentemente ingénuas, que frequentes vezes se mostram deliberadamente incapazes de captar como determinados discursos operam, em determinados momentos, ou como assunções de superioridade que têm o poder e as condições de possibilidade para reduzir o outro, ou como discursos afirmativos que mais não são do que resistências, lutas pela sobrevivêncoa de um povo. Incomoda-me essa estratégia insidiosa por via da qual os discursos dos grupos oprimidos são chamados para o mito da simetria: "eu chamo-lhe preto, mas ele pode-me chamar branco", "há o dia da mulher e não o do homem porquê?", "há bares gays, porque é que não há bares hetero?". »

mva | 18:53|
 

Eu até conseguiria gostar de futebol...



Esta é para o Daniel Oliveira, que acha que eu devia gostar de futebol para não ser tão "coerente" :). O melhor do futebol são os instantâneos fotográficos.

mva | 17:19|
 

Da importância do casamento entre PESSOAS do mesmo sexo.

O que está a acontecer nos EUA com os casamentos gay e lésbicos é dos acontecimentos mais importantes do século XXI (bem sei que ainda agora começou. Por isso mesmo.). Ao contrário do que dizem os tais arautos ansiosos do "bom senso" e "moderação", não é um epifenómeno, uma americanice, ou qualquer coisa de que se possa desviar o olhar (como com o aborto, quando se recusam a fazer a contabilidade dos países onde o aborto é legal, e a correlacionar esse facto com o grau de desenvolvimento humano daqueles...). Não é, tão-pouco, uma mera "guerra cultural", como diria José Manuel Fernandes, que ainda não percebeu que as ditas guerras culturais (a política da identidade) vão ser o assunto marcante do reordenamento social e político dos nossos tempos (e vão ser globais). O que está a acontecer nos EUA é o começo do reordenamento da (i)lógica da organização da sociedade com base na assimetria de género, na regulação da sexualidade e da sua falsa e não necessária associação com as formas de família, parentesco e parentalidade.

Quando os gays e lésbicas puderem casar-se, os heteros poderão continuar a fazê-lo também, como é óbvio. Porque é tão assustador, então, para os mais conservadores de entre eles (e para muitos lgbts também...) o casamento gay e lésbico? Porque toca no cerne da sua não-identidade, que se constroi em torno de símbolos que para existirem precisam do seu contrário semântico - o universo de relações não abrangíveis pelo casamento. Uma das grandes ansiedades modernas é a que muitos heterossexuais sentem: a de que estão a deixar de ser apenas a norma, aquilo que não se pensa ou questiona, aquilo que representa o centro neutro da humanidade, e estão a ser confrontados com a necessidade de se pensarem identitariamente. Historicamente, os gays e as lésbicas vão ser @s responsáveis por isso, como as mulheres o são em relação aos homens e à masculinidade.

As dúvidas de alguns quanto ao casamento gay e lésbico - os que, "à esquerda", dizem que se trata de reproduzir uma instituição ligada ao patriarcado e inerentemente conservadora - são erradas. O casamento já passou por uma mudança importantíssima, quando deixou de ser apenas religioso e passou a ser também civil; ou quando as leis sobre os direitos de cada cônjuge foram alteradas no sentido da igualdade absoluta. As mudanças sociais fazem-se por canibalização de formas anteriores, não pela sua abolição total ou pela invenção do novo absoluto.

(Quem me dera estar na manifestação de Nova Iorque hoje, em vez de estar para aqui a remoer o aborto...)

mva | 16:42|
 

Bom senso e radicalismo.

Nota-se imenso, ultimamente, uma retórica do empastelanço: do director do Público aos moderadores e comentadores televisivos, passando pelos políticos da maioria e opinadores, não cessam os apelos ao "bom senso", à "razoabilidade", à "moderação", e as críticas ao "radicalismo", ao "exagero". Isto chega ao ponto de classificar como pecaminosa qualquer coisa que cheire a "partidarização", quando não mesmo "politização". Invariavelmente, quem faz o apelo situa-se num dos lados dos argumentos, por acção ou omissão (seja o assunto o aborto, a adopção por homossexuais ou qualquer outro do domínio da "moral"). Como a maior parte das pessoas é bombardeada pela demagogia tablóide dos jornalecos-que-mais-vendem ou da TVI e SIC, o apelo é bem recebido. Só que os tablóides, a TVI e a SIC estão claramente do mesmo lado ideológico que as pessoas que apelam à dita moderação. Cumprem a tarefa do terrorismo informativo que depois justifica os apelos contra o "radicalismo" - o qual não está no universo informacional, mas sim no pensamento livre e crítico e nos comportamentos concretos das pessoas que não querem seguir falsos moralismos.

Sempre que um reaccionário, um conservador ou, como agora também acontece, um liberal, apelam ao "bom senso", tremo. Em Portugal temos um óbvio problema de geração: os directores de informação e os políticos viveram o 25 de Abril e o PREC e pensam sempre em termos de quem conseguiu ou não ultrapassar as divisões radicais desses tempos. Repare-se como as acusações mútuas vão sempre dar à questão "onde estava no 25 (e no 26...) de Abril?". O Bloco desencanta uns artigos do Paulo Portas a favor do aborto, e o CDS sai-se com o antigo maoísmo e trostskismo dos seus dirigentes. O "bom senso" é o desejo atávico de eliminar da memória as radicalizações da juventude.

Ainda vamos levar algum tempo até que esse "trauma" desapareça. Espero por uma geração para quem o "bom senso" não seja um eufemismo para conservadorismo e "radicalismo" não seja visto como "revolucionarismo" mas sim como capacidade de "ir à raiz das coisas".

mva | 16:25|
 

O PS e o aborto.

O PS participou na campanha da petição por um novo referendo. Se participou muito, com empenho e recolhendo muitas assinaturas, isso já será matéria para (vasta) discussão. Mas anteontem no Parlamento o espectáculo foi patético. Reconheço valor nesta causa a Sónia Fertuzinhos e a Jamila Madeira. Mas em termos de semiótica política não se pode dizer que sejam figuras da linha da frente do PS. Além delas, falou Rosário Carneiro, alguém que com certeza se enganou de partido: se o que o PS queria era demonstrar a liberdade de consciência, conseguiu-o. Mas não era mais importante, na quarta-feira, a liberdade pura e simples, isto é, os direitos das mulheres? O líder parlamentar do PS calou-se; o secretário-geral do PS calou-se. O PS calou-se. Valha-nos Helena Roseta, cuja pequena intervenção a partir da bancada foi, justamente, a escolhida para emissão no Euronews. Shame on you, PS.

mva | 16:18|
 

MEDIAWATCH.
Mutilação genital feminina.

Público, e Público "última hora". A mutilação genital feminina é provavelmente o melhor exemplo dos dilemas entre relativismo cultural, por um lado, e direitos humanos universais, por outro. A maior parte dos antropólogos treme quando se lhes pede para falarem sobre o assunto. Na realidade, nem percebo bem porquê. São infelizmente muitas as sociedades onde as mulheres são subalternizadas. Em todas elas, as próprias vítimas tendem a interiorizar a hegemonia e a acharem que o que lhes acontece é não só merecido como é constitutivo das suas identidades. Mas também há duas outras verdades: que as sociedades e culturas mudam e que nunca existe consenso pleno. Em todo o lado, a informação e modelos disponíveis não são apenas os locais, pelo que é legítimo falar de uma tensão criativa entre particularismo e universalismo; por outro lado, em todo o lado existem pessoas que, devido à multiplicidade de percursos biográficos e ao facto de todos termos muitas identidades nem sempre consonantes, resistem, não gostam e não aceitam o que lhes é imposto. Em todas as sociedades se disputam poderes e autonomias - é isso a política.

Em antropologia não se confunde já relativismo cultural com relativismo moral. Da mesma maneira que não se dicotomiza tradição e modernidade, nem se faz o panegírico de uma ou outra. Tão-pouco se aceita sem mais nem menos que o universalismo seja necessariamente de raíz ocidental - aliás, ele só será universalista se for feito na base de consensos mínimos entre tradições (no sentido histórico) diferentes, e que são muito mais parecidas do que os fundamentalistas e os particularistas querem fazer crer.

Certos desejos de justiça podem esconder formas de exclusão. Ainda bem que o CDS não conseguiu tornar específico o crime de MGF - que continua a caber na categoria de ofensas corporais. Mas ainda bem que há mulheres que resistem à MGF e promovem mudanças culturais nos contextos onde ela se pratica: porque não acham normal serem mutiladas, porque acham mal serem mutiladas - como, no Ocidente de há 100 anos, as mulheres que saiam à rua para exigirem o direito de voto. Dessas mudanças não sairá necessariamente a ocidentalização, mas sim uma nova formação cultural, votada, por sua vez, à transmutação noutra coisa qualquer.

mva | 16:02|
 

MEDIAWATCH.
Obra feita.


Miguel Sousa Tavares "adiantou-se" e escreveu hoje sobre algo que me tinha vindo à cabeça para um post, depois de ter visto as imagens de Avelino ferreira Torres passando-se (ou fingindo que se passava, o que é mais comuns nas manifestações macholas...). De facto, faz impressão ouvir dizer, em relação a capangas autárquicos e outros, "mas lá que ele tem obra feita, tem". A pergunta que se impõe é: mas não é essa a obrigação de todo e qualquer ocupante de um lugar público, sobretudo de administração local?

Em sociedades pequenas, muito hierarquizadas e desiguais, como por exemplo as clássicas vilas e aldeias da bacia do Mediterrâneo estudadas pela antropologia dos anos 50, 60 e 70, era (pelos vistos, é) comum encontar a figura do patrono: um homem poderoso que conquista o apoio daqueles que explora fornecendo-lhes serviços e benesses que deveria ser o Estado a fornecer e aos quais os explorados - designados como clientes - teriam simplesmente direito. É esta a diferença entre o patrocinato de Antigo Regime e a cidadania moderna.

Só que agora já não se trata de pequenos latifundiários (?) locais. Agora estes patronos têm clubes de futebol, dão dinheiro para partidos, fazem-se eleger deputados e sabe-se lá que mais.

mva | 15:53|


3.3.04  

Triste fado.

E assim acabou... A lei anti-aborto permanece; Leonor Beleza inventa uma patacoada sobre educação sexual; o PSD define (a partir de que raciocínio/lei/precedente?!) que são precisas duas legislaturas para se repetir um referendo; o PS continua a ter deputados a quem se devia gritar "Shame on You, Mr/Ms ___";e com tantos jogos sobre a "consciência" quem continua a pagar são os corpos das pessoas, que "por acaso" até são mulheres. OK. Tudo bem. Hã, hã. Vou ali e não venho.

mva | 21:04|
 

Country Quiz.

Fui fazer o mesmo teste que os Renas. Juro que não manipulei: não é que me deu isto?



«You're Palestine! There's a lot of debate among those who know you about whether you deserve anything at all... a place to live, rights, shelter, a job, or anything. That fact has really made you upset over the years, and this has led you to resort to just about any means you can to get the word out that you exist. Hard to say whether all that anger is going to work out, but in the meantime, you've gotten peoples' attention. The cycle of abuse in your life looks ugly and doesn't show much signs of stopping... many people now even more firmly believe that you don't deserve anything because of what you've done.»

mva | 16:28|
 

Visitas Formosas.



O Nedstat indica-me que em quarta posição nas origens nacionais das visitas ao meu blog está Taiwan. É constante, sistemático, sólido. Um verdadeiro trend. Morro de curiosidade em saber quem é / quem são. De Taiwan só me lembro do meu roommate Cyrus, nos idos dos anos oitenta, que fazia música com as suas havaianas flipflopando pelo corredor do apartamento e cortava costeletas de porco às três da manhã com um cutelo gigantesco chop, cataclong, chop, cataclong. Gostava de saber mais sobre a Formosa.

mva | 16:10|
 

Senhor, eles são tantos!

Parece que, em frente à Basílica da Estrela, eram para aí uns 100 (cem). E que uma hora depois já não havia nada pelos lados de São Bento. Hummm... onde será que aquelas 200 mil assinaturas foram recolhidas? À porta das igrejas de Braga e Viseu? Nããão.

mva | 16:07|


2.3.04  

VISTO.



História de um segredo. Mariana Otero revela o segredo da morte da sua mãe em 1968: consequências de um aborto clandestino, antes da mudança da lei em França nos anos setenta. O documentário narra a pesquisa familiar da Mariana, os diálogos difíceis com quem guardou o segredo - os tios, o pai, os amigos da mãe. Mas o drama íntimo transporta-nos a tod@s para o drama colectivo - e sobretudo para o nosso atraso, pois aquele passado francês que ali se narra é o nosso presente. No fim da sessão, a Mariana disse que o pai não contava a vida da mãe (nomeadamente não mostrava o seu trabalho de pintora) porque não contava a sua morte. Fechados num armário, os quadros eram o retrato do silêncio.

Na quarta-feira, dia 3 de Março de 2004, o Parlamento Português torna a "discutir" a questão da lei do aborto.

mva | 00:55|
 

VISTOS.

No dia dos Oscars fomos ver dois filmes, para estarmos a par. Primeiro, Cold Mountain, depois Monster.



Surpreendentemente, gostei muito do primeiro, pelo repegar do filme "clássico" mas com nuances modernas, sem ser a simples citação-brincalhona-de-géneros, como em Kill Bill e tantos outros. E surpreendeu-me sobretudo Jude Law, que tinha por surfista-type (vá-se lá saber porquê) e aqui me pareceu mais maduro como actor - e bonito. Zellweger, embora com piada quando a sua personagem alivia a tensão do filme ao aparecer, fica histriónica demais. E para a Kidman confesso que não tenho grande inclinação.



Monster assustou-me. Não fui à bola com a transformação da sul-africana: achei despropositada, freaky, como que a querer dizer que a actriz é tão bela que tem de fingir ser feia para ser credível (o que é uma forma de se reafirmar bela...). Pareceu-me, no fundo, um truque comercial para ganhar Oscar (e assim foi...). Mas que a história é forte é, não moralista e crua.



À noite, ainda bem que não passei das três da manhã a ver os Oscars: é que as 11 nomeações e respectivos 11 prémios para o Senhor dos Anéis são mesmo o cúmulo, o triunfo dos geeks e do grau zero da imaginação. Para mais, quando o P me disse que a transmissão foi feita com 5 segundos de delay, por causa da mama da Jackson (instituindo assim a censura prévia) fiquei em transe. E para o ano vamos ter que aturar o neo-fundamentalismo do Mel Gibson e do seu Cristo branquinho de olho azul...

mva | 00:34|
 

O seu a seu dono.

«COMUNICADO DE IMPRENSA.DECLARAÇÕES INACEITÁVEIS DO PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO DA LEI DA ADOPÇÃO.
Luís Villas-Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei de Adopção Portuguesa, revelou hoje, em declarações ao Público, a sua frontal oposição à adopção por casais homossexuais. Está no seu direito, uma vez que até é essa a posição da lei portuguesa. O Bloco de Esquerda não deixa, contudo, de manifestar a mais profunda indignação e estupefacção perante as expressões serôdias utilizadas por este responsável técnico nomeado pelo Governo.

Defender que as crianças devem passar a sua vida toda, se necessário, em instituições em vez de ter a “infelicidade” de ser adoptado por homossexuais é um insulto a todos quantos, estando nessa situação, desejam naturalmente um casal que os adopte. O que defende Luís Villas-Boas, então, que se faça em relação aos casais homossexuais que educam crianças que não são adoptadas? Que sejam retiradas pelo Estado aos seus pais?

Defendendo uma “sexualidade original”, naturalmente heterossexual, Luís Villas-Boas chega ao ponto de afirmar que “ser lésbica não é ser mulher na plenitude natural do termo, porque se assim fosse não haveria o problema da procriação natural". Estas afirmações são ainda mais graves porque, proferidas por um responsável técnico nomeado pelo Governo, revelam a ignorância de quem ainda não se apercebeu da contradição entre o seu pensamento e as posições da Organização Mundial de Saúde ou da Associação Americana de Psiquiatria.

Bloco de Esquerda»

mva | 00:31|