OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


9.3.04  

Sic transit gloria mundi.

Surreal, a noite de ontem. Vi-me em dois programas de TV em simultâneo. O facto é em si mesmo revelador de como os nossos circuitos são estreitos, pequenos (Antropólogo cum activista de serviço precisa-se? OK, chama-se o MVA...). Antes mesmo de o programa da SIC Notícias começar, o pediatra Gomes Pedro e eu conhecemo-nos pela primeira vez. Acontece que ele foi o pediatra da minha irmã, primos e primas e é-o dos meus sobrinhos. Pois foi com ele que acabei por ter, não sem constrangimento, a principal disputa no programa. Por outro lado, o Presidente da República pede-me para dar cumprimentos à minha mãe. A única razão pela qual se conhecem é porque moram no mesmo bairro e frequentam o mesmo café. O que, em si, é o lado bom desta pequenez e estreiteza: a possibilidade de um PR viver numa casa normal, dum bairro normal, frequentando um café (uma vez uns turistas americanos recusaram-se a acreditar no que o empregado do café lhes dizia: que aquele senhor era o PR. Mas pelo sim pelo não lá sacaram das máquinas fotográficas...).

Mas vamos às coisas "sérias". No «Prós e Contras» toda a gente pôde constatar que o papão Villas-Boas é, até certo ponto, um tigre de papel (e que eu nem sempre sou cool e composto, também me passo; mas lá tive o cuidado de dizer que estava no programa como activista e não como antropólogo). As barbaridades que profere, di-las com uma espécie de ingenuidade quase confrangedora. Já o mesmo não se pode dizer da retórica de César das Neves, uma espécie de poética bonacheirona e "simpática" do mais primério arruaceirismo.

No programa do Presidente da República, a coisa só aqueceu com as afirmações essencializantes da feminilidade proferidas por Gomes Pedro e subscritas pelo Presidente. A este respeito, só gostaria de acrescentar o que li hoje, numa entrevista ao cientista Mário de Sousa (creio não me enganar no nome): que 20% da população sexualmente activa é infértil. Quer isto dizer que não só é um estereótipo essencializante falar automaticamente de maternidade quando se fala de mulheres; é mesmo cruel, uma vez que, independentemente de quererem ou não ter filhos, imensas mulheres não podem.

PS: (Graças a d..., lá estava a Gabriela Moita: inteligentíssima, articuladíssima, lindíssima).

PPS: Escrevo este post depois de um dia de aulas em que, por acasos do destino, os alunos discutiram acaloradamente questões de parentesco, consanguinidade, "naturalidade" e não naturalidade destas coisas. As modorrentas discussões clássicas da antropologia tornaram-se, de súbito, urgentemente políticas (ou politicamente urgentes...).

mva | 22:58|