OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


14.3.04  

As virgens.

De repente - e algo surpreendentemente - muita gente começou a sair à rua, convocada por SMS, exigindo que Aznar diga o que sabe sobre a autoria dos atentados. As convocatórias por SMS têm algo de anárquico e, paradoxalmente, de democrático: é o "espírito" dos cidadãos a revoltar-se; são os cidadãos convocando-se mutuamente. No momento seguinte ao choque e à dor, os espanhóis tiveram a razoabilidade de desconfiarem da manipulação pré-eleitoral dos atentados.

Para quem insiste sempre em dizer que em momentos da gravidade de um atentado terrorista não se deve discutir política, causas, responsabilidades (coisa que virou praga em Portugal desde o 11 de Setembro), os espanhóis demonstram o contrário. Só um ingénuo, ou alguém que partilhe do populismo anti-Política, pode não ter visto a manipulação que Aznar (e outros, é claro) já estava a fazer no momento seguinte aos atentados. A razão é simples: é que um atentado terrorista é política. Da suja, da pior, da mais nojenta - mas política. Para quem adora moralizar contra quem pensa e se questiona a seguir aos ataques terroristas, sugiro que pense o seguinte: quando um terremoto mata centenas de pessoas, não há grande discussão política. Justamente, porque não é um acontecimento político (a não ser,claro, que se saiba que as construções estavam mal feitas devido à corrupção entre empreiteiros e autarcas...).

No momento em que somos atacados por quem nega a democracia, como os terroristas, a nossa melhor arma é a razão e a inteligência. Consumado o ataque e a matança, a nossa obrigação é vigiar a política que em torno deles se faz, necessariamente. A razão e o exercício da inteligência não são coisas frias e sem emoção. São a maneira de tornar as nossas emoções em algo que aja, com justiça e justeza, sobre a realidade que nos perturba. Costuma dizer-se que as amizades comprovam-se nos momentos difíceis. Ou que princípios como recusar a pena de morte se verificam quando alguém próximo é assassinado. Pois: é isso mesmo.

(Imaginem a morte de alguém próximo. Um familiar recusa-se a tratar de tudo o que tenha a ver com lidar com a agêcia funerária, discutir preços, ou, depois, falar em heranças. Razão invocada? "Não percebo como é que vocês conseguem falar em coisas tão baixas neste momento". Faz a sua performance de sensível. De moralmente superior. Mas a realidade é que alguém - outro - terá que fazer aquelas coisas. O verdadeiro hipócrita nesta história é o que se julga ser o mais puro.)

mva | 11:49|