OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


24.3.04  

A banalidade do mal.

Encontro uma velha amiga na rua. Diz que vem do advogado. Eu franzo o sobrolho. Ela explica que nunca me tinha contado mas o homem com quem viveu agrediu-a. Ela foi parar ao hospital. Está agora a sofrer a lentidão e o labirinto kafkiano da justiça à portuguesa. Mas sobretudo o pântano das mentalidades. Aparentemente até as médicas que a atenderam quando foi hospitalizada escarneceram com a situação. Convém dizer que o dito homem até tinha um ar "normal" (whatever that means). Infelizmente conheço outros homens com ar normal, que circularam perto de mim, e que vim a saber serem agressores e mesmo suspeitos de tentativas de violação. É assim como as criaturas que vão às TVs defender o que eles chamam a "família tradicional" e que depois - vem-se a saber - se vangloriam da quantidade de "gajas" que "comem". Lisboa estava feia naquela rua onde encontrei a minha amiga. Era a Lisboa real, caótica, leprosa, terceiro-mundista, que prolifera como um fungo para Norte dum restritíssimo círculo de vistas-bonitas-de-miradouros. Mas ela é feia sobretudo por estas histórias, as histórias dos "gajos normais". Só soube dizer à minha amiga que nem por nada pensasse em desistir do processo.

mva | 23:03|