OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.1.04  

Chiiiu...

Devia escrever sobre o "véu islâmico". Pelo menos está aqui anotado, no post-it amarelinho. Se calhar devia também preparar umas aulitas. E acho que é preciso fazer uma ou duas máquinas de roupa. As panquecas não sairam muito bem hoje de manhã. (Manhã? Diria mais, princípio da tarde...). Postei compulsivamente - três seguidas, perdão, seguidos.

Mas o melhor é mesmo parar. Parar um pouquinho. Telefonar a um amigo com quem já não falo há algum tempo. Pegar na página do livro do Zimmler que ficou a ganhar pó. Tomar um duche quente. Relaxar. Quando entro nesta rara mood humanizada, penso sempre em pintura. Ora deixa cá ver o que é que se encontra... Ah, aqui está. Pode ser da Menez. Até já. Chiiiu...

mva | 15:44|
 

VISTO.



O Arquitecto e a Cidade Velha. Não gosto de fingir que sou objectivo: sou amigo da Catarina Alves Costa há muito e bons anos e fã do seu trabalho de cineasta-documentarista, vinda da antropologia. Assisti ao e acompanhei o boom do documentário em Portugal na última década e estou sempre a ser surpreendido. A Catarina já fez uma série de filmes ("Regresso à Terra", "Senhora Aparecida", "Swagatam", "Mais Alma" - e se calhar esqueço algum) mas agora, com este, há uma maturidade que, como todas as maturidades, é feita também de "regressos". A meu ver, o regresso é à linha que presidia a "Senhora Aparecida": a documentação de um conflito cultural, em que várias personagens contribuem para uma narrativa com que nos identificamos (por causa da nossa "cultura" fílmica) mas que nos aproxima ainda mais do "real".

Neste filme, a Catarina aborda o trabalho de Siza Vieira na reconstrução da Cidade Velha em Cabo Verde, e os conflitos em torno de diferentes noções de património, entre os desejos de conforto dos locais e os critérios do antigo, do genuíno. Mas deliciosos são os subtextos: as relações entre a ex-colónia e Portugal; as relações entre este e Espanha; as estratégias políticas locais; e até questões de género e de representações do ex-Império.

E, de vez em quando, o filme como que respira através dos desenhos não-arquitectónicos do Siza (fica aqui a reprodução pirata dum, que não é do filme).

O auditório da Culturgest estava cheio. Cheio de jovens. E de jovens que não reconheço como alunos de antropologia apenas. É sinal de que o documentário está vivo, e de que há uma forma indirecta de produzir reflexão antropológica que tem público, tem pinta, e tem utilidade.

mva | 15:25|
 

Alice.



Justiça seja feita: passo a vida a azucrinar os textos da Helena Matos, mas hoje concordei com tudo o que ela disse. A mulher no tribunal cuja imagem não corresponde à de vítima vê a sua queixa de violência doméstica indeferida. As mulheres cultas e profissionais que pratiquem aborto devem ser punidas (como deu a entender Maria José Nogueira Pinto num debate na TV) ao contrário das pobres e incultas. E por aí fora.

Vivemos numa sociedade cheia de representações falsas. Entre nós isso é ainda mais forte, porque as elites usam os parâmetros internacionais e esquecem-se de tudo o que não aconteceu cá. Por exemplo, o feminismo é feio e coisa ultrapassada, "eu sou feminina mas não feminista" (aargh!). Só que Portugal é um país onde o feminismo praticamente não existiu. Ou: "os direitos das mulheres estão todos adquiridos". Mas a verdade é que a minorização das mulheres acontece constantemente no quotidiano, os salários são (ilegalmente) mais baixos que os dos homens no sector privado, etc. Ou: "não somos racistas", colonizámos mais humanamente e abolimos a escravatura primeiro. Mas a verdade é que o racismo manifesta-se como noutras paragens através da sua forma "subtil", as colonizações representam-se todas como especiais e melhores, e fomos dos primeiros a promover o comércio de escravos e vivemos intensamente dele. Ou: "Qualquer dia temos que lutar pelos direitos dos heterossexuais", os gays e lésbicas não têm razões de queixa, porque isso da orientação sexual é uma coisa privada. Mas a verdade é que a homofobia acontece todos os dias, os direitos não são iguais, e a heterossexualidade não precisa de protecção porque é hegemónica. Ou, por fim: "todos os cidadãos são iguais", quando as diferenças de classe são tão extremas que as chances de defesa em tribunal, de lidar com os especialistas ou a administração ou de conseguir mobilidade social através da educação (também ela diferenciada, em escolas para pobres e pretos, e escolas da opus dei - para usar exemplos extremos), demonstram que a democracia é uma formalidade e que a desigualdade aumenta ao mesmo tempo que o discurso sobre a igualdade se vai tornando numa fórmula vazia.



mva | 15:00|
 

Somos todos filhos de imigrantes.

Como antropólogo, como pessoa, ou seja lá em que modalidade for, vivi ou interessei-me por países (os EUA, o Brasil, Trinidad e Tobago, Cabo Verde) cuja característica comum é serem mistos: multiculturais, multi"raciais" ou crioulizados. Sempre que regressava a Portugal tinha a sensação de estar como que na Sildávia do Tintim: uniforme, obcecado com a História, a genealogia e o "sangue", a língua e o folclore e confundindo uma religião com a religião. Recentemente, Portugal teve a oportunidade de ficar mais cosmopolita, com gente de várias paragens. Por um momento parecia que as coisas iam melhorar - deliciei-me uma vez ao perceber que era o único tuga numa carruagem de metro entre Martim Moniz e Intendente, num fim de tarde. Mas hoje - dia de uma manifestação europeia pela legalização dos imigrantes - fico a saber pelo Público duas coisas: que a legalização dos imigrantes brasileiros acordada ente os dois governos está a ser um fracasso por causa dos entraves administrativos (que é o mesmo que dizer por falta de verdadeira cvontade política) e que os médicos vindos do Leste chumbaram em massa nos exames na Faculdade de Medicina (mesmo aqueles que já exerciam a profissão nos países de origem).

É por estas e por outras que, ao nível do gut feeling, sinto sempre um enorme enjôo em relação a tudo o que seja nacionalismo, patriotismo, saudades do país, elogio da lusofonia, e outras tretas dignas da Sildávia. E ao nível do "impulso de justiça", não compreendo como não é óbvio que quem trabalha num sítio deve ter todos os direitos.

mva | 14:46|


29.1.04  

VISTO.


Bound. Dos realizadores de Matrix. As minhas queridas Thelma e a Louise (se fosse mulher queria ser a Sarandon) não tiveram outra saída que não fosse despenharem-se de carro precipício abaixo (embora alguns e algumas sebastianistas interpretem a cena como um vôo para a liberdade ou outra dimensão...). A Thelma e a Louise seguem mais a linha "amigas" do que a linha "amantes". Mas com as personagens desempenhadas pela Gina Gershon e pela Jennifer Tilly, as amantes tornam-se também amigas e a fuga final é para o over the rainbow com os dois milhões de dólares sacados aos mafiosos. O filme é brilhante - e a Gershon, se não é, devia ser lésbica: fica tão bem! Daí o destaque da foto, a preto e branco, hummm...

mva | 22:49|
 

"Caso Liliana" 2.

Gostei muito daquele comunicado da ex aequo (post abaixo), porque toca no essencial (que, neste caso, coincide com o que acho dever ser de interesse geral para o movimento lgbt) e não segue o caso concreto. Acho que o ataque a - ou a defesa de - casos bem concretos é o tipo de estratégia que compete a um grupo como as Panteras Rosa. Este é um tipo de grupo, da chamada "acção directa", que fazia imensa falta. A outras associações lgbt cabem-lhes outras competências.

Não pertenço às Panteras. Pertenço ao MELGA (Movimento da Esquerda Lésbica e Gay) ou BELGA (Bloco de Esquerda Lésbico e Gay) [não conseguimos decidir o nome e estes são só sugestões, sendo que o segundo é bem capaz de não ser o mais adequado...]. Os dois grupos partilham membros, pois nasceram ambos no BE. Mas é tudo: não são a mesma coisa, pois as suas vocações são diferentes.

O "Caso Liliana" (que vai junto com o surgimento das Panteras) é "bom para pensar". O "Caso Liliana" é, desde logo, um caso de drama pessoal e de drama de um casal. Mas revela, sobretudo, outras coisas: desde logo, como a política de habitação social está cheia de entraves à resolução dos problemas reais e únicos que vão surgindo. É baseada em noções de agregado familiar limitadas e "lava as mãos" de situações de violência doméstica. Esta, a violência, é a segunda coisa: o caso mostra como o fenómeno não se resume às relações entre cônjuges, ou ao abuso de menores. A terceira coisa - e isto aplica-se a algumas reacções camarárias reportadas - é que percebemos como a homofobia nem sempre se revela de forma óbvia, isto é, através do insulto, do ataque físico ou da exclusão na base explícita de atitudes ou palavras homofóbicas. Muitas vezes ela revela-se no ocultamento, no silenciamento, na aceitação tácita de que as regras e as soluções se aplicam a um mundo normativo - um mundo sem homossexuais.

É se calhar por tudo isto que se torna difícil fazer estas lutas concretas com base em exigências do cumprimento da lei e das regras ou com base na denúncia de homofobia explícita. Porque muitas vezes a lei não está lá para nos ajudar, nem a homofobia é ingénua ao ponto de se exprimir sem reservas.

Num mundo ideal, o movimento lgbt teria as associações a defenderem os direitos cívicos e a fornecerem apoio à comunidade lgbt; grupos lgbt dentro dos partidos a fazerem lobby pela inclusão da agenda lgbt na política e nas propostas legislativas; e grupos de acção directa a fazerem denúncia de casos concretos, recorrendo à desobediência civil e à mediatização. Em certos momentos, as três competências podem e devem sobrepor-se, noutros não.

(Não concluo este post porque tudo o que este "caso" dá para pensar está ainda em aberto... Mas desejo, sobretudo, que a Liliana e a companheira vejam a situação resolvida e sirvam de exemplo para casos futuros).

mva | 22:23|
 

"Caso Liliana" 1.

Esta é uma parte (por mim editada) da carta da rede ex aequo à CML a propósito do Caso Liliana:

«Gostaríamos de sensibilizá-lo para o facto de estudos feitos em vários países do mundo mostrarem que jovens lésbicas, gays ou bissexuais têm uma taxa pelo menos 3 vezes superior de ideação e tentativa de suicídio em relação aos seus parceiros heterossexuais devido ao preconceito e à discriminação sofrida devido à sua orientação sexual. Desta taxa perfazem até 40% tentativas de suicídio no caso de consequentes reacções negativas e/ou violentas por parte da família, após conhecimento da orientação sexual do jovem, enquanto os valores tornam-se ainda mais dramáticos no caso de jovens lésbicas, gays e bissexuais sem-abrigo cuja taxa de tentativa de suicídio pode chegar aos 50% de concretização neste grupo específico. (...) Perante o comportamento violento da família da Liliana e da sua companheira o regresso a casa dos respectivos pais não pode ser alguma vez uma opção viável nem sensata. (...) Temos também conhecimento que a Liliana e a sua companheira vivem em união de facto há um ano e meio. Faltando 6 meses para o requisito legal de registo de união de facto apelamos também à compreensão e boa vontade da Câmara Municipal para que reconheça este agregado familiar, tal como ele já é em termos práticos e simbólicos para o casal, visto que as pessoas homossexuais vivem ainda em Portugal (ao contrário de países europeus como a Bélgica e os Países Baixos) a situação discriminatória de não poderem casar-se, tal como qualquer outro cidadão que decida viver em conjunto e constituir-se como uma unidade familiar através desse meio. Não acreditamos ser justo que não podendo ainda a Liliana e a sua companheira casar-se, como poderia qualquer outro casal heterossexual em união de facto, que sejam privadas de um tecto com base no não reconhecimento da sua união como uma unidade familiar (...).»

mva | 22:21|


28.1.04  

Deixem-me falar da morte.

A minha mãe, que tem 70 e tal anos, telefona-me a dizer que está muito baralhada com as notícias da morte do futebolista. Diz-me que se sente apreensiva e nervosa - não só porque o facto a impressionou como por ter alguns problemas cardíacos e recear que lhe aconteça algo de semelhante.

Fiquei imediatamente em estado de ira. Não consigo perceber os argumentos de quem aceita com facilidade a "onda de emoção" que "varre o país". Não duvido por um minuto que é trágico sempre que alguém morre fora de horas. Mas não consigo deixar de ligar o "caso Fehér" a três factos: ter sido transmitido em directo na TV; ter sido aproveitado até à exaustão obscena; e ter a importância que tem por causa da massificação do fenómeno futebol. Até há dias eu nem sequer ouvira falar do nome do malogrado jogador. Mas muita gente parece querer impor-me que não vivo neste mundo, só porque não partilho este "consenso" de que o futebol é importante; ou esta equiparação entre o prazer que, aceito, o trabalho dos jogadores pode dar aos adeptos, e as figuras de heróis, de pessoas que contribuiram com algo para entender melhor o mundo, criticá-lo, representá-lo artisticamente - ou transformá-lo.

Vi o meu pai morrer lentamente de cancro o ano passado. Há anos atrás lidei com a situação de uma criança minha conhecida que morreu num acidente de carro aos 5 anos. A minha infância ficou marcada pela morte de um primo direito aos 12. E estou cheio de casos de conhecidos e próximos que morreram aos vintes, aos trintas, aos quarentas: nas estradas, de cancro, de sida, suicidando-se ou de morte súbita - exactamente como esta. Colocar-me fora da "onda de emoção" não é mostrar insensibilidade perante a morte; nem dizer que os outros só são sensíveis porque a TV e a hegemonia do futebol lhes diz para serem.

É simplesmente distinguir - o primeiro passo de qualquer exercício intelectual/emocional. E o que eu sinto visceralmente é que estão intelectual e emocionalmente a enganar-me (isto é, a impedir as condições para a distinção) com esta operação publicitária.

No meio disto, o episódio com a minha mãe não é um episódio do normal problema de gestão de emoções relacionadas com a morte: é um "problema" induzido pela campanha.

mva | 16:43|
 

Correcção

Afinal foram 121.000 assinaturas. Muitos milhares ficaram de fora, mas deverão contar para o futuro como manifestação da vontade de quem subscreve.

Entretanto, a quem pergunta qual o meu (que não o do movimento todo) argumento de fundo que justifica estar nesta "luta", creio que isso fica claro no artigo que publiquei há dias no Público (link alguns posts abaixo). A coisa resume-se à ideia de liberdade de escolha face ao corpo de cada um, sendo que o embrião e o feto são algo que acontece ao corpo de pessoas existentes e com um estatuto moral e sociológico incomparável ao da pessoa a quem acontece a gravidez.

mva | 16:38|
 

Resmas.

Estejam atent@s: hoje às 14h30 vamos ao Parlamento entregar a petição pelo referendo. Conseguimos 115.000, and counting. Parabéns a tod@s!

mva | 09:45|


26.1.04  

Não tenho culpa se não sabem húngaro.

Megmagyarázhatatlan tragédia az, ami történt. Egy, mindössze 24 éves fiatalember halála mindig megrázó, és megérthetetlen. Fehér Miklóst most két nemzet gyászolja, aki ugyan még csak 24 éves volt, de tehetségével, akaraterejével, szemléletével és góljaival két nemzet szeretetét vívta ki. Mikire csak jó szívvel emlékezhetünk, hiszen a magyar labdarúgásról kevés jó dolog mondható el, de a kevés jó dolog egyike maga Fehér Miklós volt…

mva | 19:59|
 

Morte em campo e pornografia.

Ontem estava o P a comprar comida lá em baixo para a nossa ceia OT (a propos: ainda bem que ganhou a Sofia, contra os muxaxos (é a grafia que eles usavam!) macholas da betolândia) quando um jogador de futebol morreu em directo na TV. Toda a gente no comércio deixou de atender clientes porque aquilo era de importância nacional... As TVs passaram a interromper as emissões com o assunto. E a imagem do desfalecimento do jogador foi obscenamente repetida (e depois falam da pornografia...). Ou estou velho ou não percebo nada. Quem goza com os ridículos entusiasmos com a política nos idos de setenta, não vê o que está agora a acontecer com a histeria do futebol? Se não tem graça nenhuma morrer aos 24 com um ataque, muito menos graça tem mostrar a imagem do acontecimento à exaustão e transformá-lo num acontecimento de consternação e luto nacionais.

PS, a propósito de pornografia: imaginem que "O Homossexual" tinha sido censurado por ser "pornográfico". Ao mesmo tempo, "O Meu Pipi" não só é celebrado pela inteligentsia machola-nacional, como tem direito a ser livro. A conclusão óbvia seria que a pornografia gay é vista como mais chocante que a pornografia hetero. É assim como achar que "actos homossexuais" com adolescentes são mais gravosos que "actos heterossexuais" (ah, é verdade, a lei não fala em "actos heterossexuais...").

mva | 15:57|


25.1.04  

Amanhã é segunda-feira...


(rabisco no meu Palm durante reunião dominical)

mva | 22:12|
 

Ainda o aborto.

Na quinta-feira passada saiu um artigo meu sobre aborto no Público. Entretanto, a recolha de assinaturas tem sido um sucesso estrondoso - e não nos admiraríamos se recolhessemos 100.000! Entretanto, sectores anti-escolha querem imitar o gesto, mas com o sinal contrário. Ainda bem, no fundo: talvez isso ajude os nossos decisores políticos a perceberem que o assunto do aborto é mesmo um assunto que não ficou resolvido naquele pífio referendo abstencionista. E que é mesmo uma questão civilizacional. E que os decisores políticos não são os únicos decisores políticos.

mva | 21:56|
 

VISTO.



Angels in America. Isto sim, é um produto de televisão como deve ser. A famosa peça (que vi há anos no D. Maria) virou filme para televisão em vários episódios. Passa nos EUA na HBO. Com grandes como Al Pacino, Meryl Streep, ou Emma Thompson. Se não se lembram, Angels é um retrato da América de fim de milénio através do olhar de várias pessoas envolvidas umas com as outras por via do coming out, da sida, da repressão religiosa e política e das pequenas resistências quotidianas. Hesitantes, humanamente cobardes, gente normal, caminham para uma qualquer redenção, que passa necessariamente pela sexualidade (no sentido estrito e no político).

Dia sim dia não protesto com a TV Cabo. Já nem falo do serviço, invejável apenas para os padrões do Burkina Faso. Já nem falo do escândalo de ser, para todos os efeitos, um monopólio. Já nem falo de ter canais de propaganda religiosa fundamentalista, n canais de teleshopping, ou de ser subserviente ao império SIC que impediu a RTP Internacional de passar. Falo de como 83% dos canais são indigentes, de má qualidade, com TV dos anos sessenta. Para mais, paga-se para ter canais de cinema, com reprises infinitas. Porque não podemos, já que pagamos, escolher mesmo o que queremos ver? A partir de um leque de ofertas maior? E, já agora - para este post fazer algum sentido - porque não ter o HBO-Portugal, e poder ver Angels? (sei porquê: porque assim gastámos um dinheirão a fazer o download da net. OK, prendam-nos).

mva | 21:18|
 

VISTO.



Bully. OK, cá vou eu ser chato outra vez: quando é que aparecem filmes verdadeiramente novos e interessantes no universo dito independente no cinema estadounidense? É que este quer sê-lo, mas é uma porcariazinha pegada. E - como me chamou a atenção o P cá em casa - reaccionário. A estratégia de "mostrar cruamente tel-quel a vida aborrecida e sem rumo com consequências trágicas dos adolescentes de classe média suburbana" é uma estopada já feita mil vezes, pelo menos desde que me lembro de ir ao cinema (and it's been quite some time, baby). Não vale a pena. Isto é, não vale 5 euros. Os meninos que se portam mal e não têm valores fazem asneiras e vão parar à prisão. Oh, please, spare me the nasty details...

mva | 21:03|
 

Ana Sá Lopes redux.

Juro que não conheço a Ana. Isto é, juro que não me lembro se conheço, já que sou um conhecido desmemoriado para nomes e caras, e respectiva correspondência. Mas gosto cada vez mais do que ela escreve. Hoje, no Público, uma pérola. Jacobinos republicanos como eu tãopouco resistem ao Filipinho. E iberistas como eu aplaudem a iniciativa. Vaya, Felipe, no sólo en España hay periodistas guapas esperando matrimonio...

mva | 20:55|
 

Novos Blinks.

Em primeiro lugar, retirei o "Homossexual": enquanto a Sapo, o novo ocupante do endereço ou o próprio "Homossexual" não explicarem o que aconteceu, o link não regressa. (E o pôr-do-sol, meu deus, o pôr-do sol...). E acrescentei à blogayesfera o "Tu, eu e o cão".

Em segundo lugar, e como gosto de colocar apenas links para sítios de que gosto (sem tentar ser exaustivo), acrescentei alguns: o da Revista Manifesto (onde colaboro), o Glória Fácil, onde a Ana Sá Lopes escreve. E um que me chegou por causa de um mail da autora: O Mundo de Cláudia. Ligo muito ao grafismo e organização e gosto de pressentir na leitura uma pessoa inteligente. É o caso. Não faço a mínima quem é a Cláudia, mas esse é um dos encantos do ciberespaço.

Por fim, acrescentei o "Lgbt legal", o site da "Campanha da União Europeia contra a Discriminação", o da "Amnistia Internacional" (essa bela organização fundada por causa de um português (um que sofreu repressão, não um que fez alguma coisa nobre...)), e um de recursos de ateísmo, secularismo e laicidade na net.

mva | 20:50|


24.1.04  

Alguém engoliu um sapo?

OK: could someone please tell me o que é que aconteceu ao "homossexual"? O link para ele vai agora dar a uma página "Ser gay" e I'm not quite sure I like the sunset theme...

mva | 11:26|


22.1.04  

Colecção de livros lgbt/queer.

Fui convidado para dirigir uma colecção de temática lgbt/queer numa editora estabelecida. Estou agora a elaborar a lista de títulos a propor e gostaria de contar com a ajuda de tod@s - é importante, nestas coisas, a experiência d@s outr@s.

Lembra-se de dois ou três títulos que @ tenham impressionado e que gostasse de ver traduzidos? Então, gaste um minuto e mande-me a referência - nos comentários ou no "Penso blogo existo" ao lado.

A colecção NÃO vai ser de literatura e poesia, mas sim de ensaio. Já estou bem abastecido de coisas de ciências sociais (mas as sugestões são bem-vindas). Faltam-me as de estudos culturais, estudos dos media, arte e cinema e, sobretudo, da área da biografia, memória, ajuda e divulgação (desde que não sejam demasiado "livro de livraria de aeroporto"...)

Cá espero, e obrigado!

mva | 22:26|
 

Representações.



A foto não dá para ver. Mas quando entro na minha faculdade, emergindo da cave do estacionamento, a primeira coisa que vejo é este cartaz com uma citação do psicólogo social Serge Moscovici: «We are never provided with any information which has not been distorted by representations "superimposed" on objects and on persons». Este reminder é no mínimo irónico numa faculdade de ciências sociais. Em grande medida, essas representações são o nosso objecto de estudo; mas temos que nos lembrar que as abordamos com outras tantas representações "superimposed". É de tirar a vontade de trabalhar logo de manhã...

mva | 12:07|
 

Ainda o regresso à superfície.

Ainda bem que há gente como a Sara: usou logo o novo "serviço" de sugestões para temas de posts e perguntas. É mais privado que um comentário e, pelos vistos, pode resultar. Tinha-me distraído e esquecido a campanha digital contra o preconceito, lançada pela rede ex aequo...

Entretanto, na histeria de uma nova organização do blog, achei por bem dignificar a minha ligação aos EUA como "segunda pátria" com uma secção de links própria. Em breve vou começar uma secção para a minha "segunda pátria ex aequo" (onde também morei): o Brasil.

mva | 11:32|
 

É só um bocadinho, fachefavor...

Esmagado com trabalho, chateado com o ennetation, agradavelmente surpreendido com o haloscan, tontinho a mexer nos blinks (e o blogger pro mudou o aspecto da página de edição...) e com saudades de rebolar numa praia... Prometo que volto a postar qualquer coisinha que interesse remotamente a alguém dentro de algumas horas. Amanhã, quem sabe. Obrigados.

mva | 00:39|


19.1.04  

Voto americano.

Como muita gente, acho que deveríamos poder votar nas eleições americanas. Se pudesse fazê-lo apoiava o Howard Dean para candidato do Partido Democrático.



Além do site da sua campanha, vale mesmo a pena visitar a MoveOn - sobretudo para ver os anúncios de TV anti-Bush.

mva | 10:19|
 

Petição aborto.

A tod@as @s que tenham folhas da petição: está na hora de as entregarem, de modo a se proceder à contagem final. As folhas não têm que estar completamente preenchidas. Podem ser enviadas para a sede da campanha: Rua Augusta, 246, 2º, 1100-056 LISBOA, tel 969457724. No próximo fim de semana ainda haverá uma mobilização com dezenas de bancas pelo país inteiro, de modo a ultrapassar-se a barreira das 75.000.. Podem consultar os locais no site da campanha (link ao lado).

mva | 10:14|


18.1.04  

Desabafo blógico.



[Porque perco tanto tempo a escrever estas tontices sobre tontos, quando o mais importante da vida é mesmo o prazer de estar com pessoas de quem se gosta, fazendo trabalho prazenteiro e criativo, ou vendo um bom filme/Lendo um bom livro/Olhando um bom quadro, com whisky e snacks ao lado? Porque será que as coisas boas são difícieis de (d)escrever?]

mva | 19:48|
 

Os presidentes querem-se cultos.

Santana Lopes lança um livro de "coltura". É que é preciso mostrar que, para ser Presidente da República, não basta ser charmoso (vómito) ou mandar nas empreitadas - é preciso ter a patine da "coltura". Tanto violino de Chopin que se vai ouvir em Belém daqui a uns anos! Prostitutos e pedófilos não vão poder engatar à vontade na zona com a estridência dessa música improvável. E a nata dos pastéis vai talhar.

mva | 19:41|
 

Quirida, mi siduza com o erotismo de seu corrrpo...

Quando referi a tal tese de mestrado sobre "ampulhetas", aquilo tinha a ver com um congresso sobre sexualidade. Algumas TVs deram-lhe imenso destaque. Porquê? Porque titila, é claro. Os âncoras adoram falar numa linguagem supostamente muito alegre e aberta sobre os prazeres do sexo. País contraditório, este: o aborto é crime, temos mais casos de sida em percentagem da população do que o resto da Europa, mas apela-se à liberdade dos prazeres da carne. A questão que quero levantar não é que o discurso sobre o sexo deva ser moderado ou censurado (Vénus me livre!). Quero apenas reiterar a máxima do Foucault, mas com um twist meu: falar muito sobre sexo é mais sinal de repressão do que de liberdade. Nota-se isto, por exemplo, no facto de, nas mesmas reportagens, o elogio do sexo ser feito de forma envergonhada e eufemística: é ouvi-los a falar de "sedução", "erotismo", "beleza do corpo", etc., quando entrevistam uma stripper (e o discurso é igual no jornalista e na stripper...). Ora, se fossem mesmo libertados assumiriam que o que a stripper é suposta fazer é provocar tesão e o que o cliente é suposto fazer é ter tesão - quais "erotismos sedutores em torno da beleza do corpo", qual carapuça....

mva | 19:36|
 

Quem é o deficiente?

Reportagem de noticiário numa TV. Foi dado um prémio a uma empresa (a do grande centro comercial em Almada) por dar emprego a uma série de deficientes. Grandes elogios dos noticiaristas, grande orgulho dos empresários. Mas na reportagem percebemos que um dos deficientes tem um curso de artes gráficas; o outro é simplesmente surdo. E que emprego maravilhoso lhes deu a empresa? Pois bem, limpam o chão e os cinzeiros entre a meia-noite e as oito da manhã. De permeio, a empresa ainda tem benefícios fiscais e pecuniários.

O assunto não é fácil de discutir, pois há que reconhecer a necessidade e dignidade dos trabalhos de limpeza. Mas... não se tratará, com os dados que se nos apresentam, de pura exploração? E o prazer auto-satisfeito de jornalistas e empresários neste caso, não será mais do mesmo: o prazer da caridade?

mva | 19:29|
 

VISTO.


Thirteen. Este filme é mentiroso. Primeiro porque é coisa velha a passar por nova. Não há nada de novo na forma como aborda a crise da adolescência e já todos vimos centenas de filmes sobre isso. Segundo, porque usa uma estética que leva o espectador a pensar estar perante um filme intenso e inovador, quando o argumento é perfeitamente banal. Terceiro, porque usa o vídeo digital como indício de "veracidade" quase-documental, mas para fazer um telefilme como tantos outros. A única coisa um pouco diferente é que percebe-se que é feito por uma mulher no facto de a experiência feminina ser retratada com alguma carnalidade e crueza - isto é, como a experiência de todos os humanos - e não como um "mistério" ou uma coisa "diáfana", como quando as mulheres são retratadas pelos homens, na maior parte dos casos.

PS: Mas por que carga de água há-de alguém achar um piercing na língua chocante, ou uma adolescente achar que isso é um grande gesto de rebeldia? Pierciai-vos à vontade!

mva | 19:25|


17.1.04  

Mãos ao ar.

Muitos europeus estão contra a sugestão americana de ter polícias armados a bordo dos aviões comerciais. Para muitos europeus é um duplo absurdo: aumenta o clima de terror e o perigo a bordo; e estimula a cultura das armas e do policiamento armado. Gosto muito desta diferença, que ainda vai subsistindo, entre os EUA e a Europa, e que tem como sinais diacríticos as armas e a pena de morte. E ainda bem que os portugueses também torceram o nariz ao pedido americano. No outro lado do mar - mas na parte de "baixo" - os brasileiros resolveram retaliar. Agora os cidadãos americanos têm que ser fotografados e deixar as impressões digitais nos aeroportos do Brasil. "Nós" não podemos fazer isso porque não temos que ser fotografados ao entrar nos EUA. Mas, se fossemos, imaginam o Durão a retaliar? (Entretanto, um piloto da American Airlines fez um gesto obsceno quando o fotografaram à chegada ao Brasil e foi preso. É assim mesmo, péssoau! E a multa reverteu para uma instituição de solidariedade social...).

mva | 12:27|
 

Pedro Magalhães.

O artigo de Pedro Magalhães no Público de hoje é excelente. Opõe-se directamente a um artigo recente de José Cutileiro. Cutileiro foi antropólogo, tendo escrito uma obra de referência chamada "Ricos e Pobres no Alentejo" que usei durante muitos anos nas minhas aulas. Largou a academia e tornou-se diplomata. Fez um trabalho meritório na ex-Jugoslávia. Mas escreve sobre Portugal com o mesmo tipo de "desprezo" elitista que se nota nas crónicas de Vasco Pulido Valente ou de Filomena Mónica. Pedro Magalhães responde no tom certo: é muito mais plausível que os problemas da nossa democracia se devam a razões estruturais e ao comportamento de governos específicos do que a qualquer fantasiosa característica das gentes cá do canto (é que este é justamente o tipo de "explicação" que um antropólogo não deve dar).

mva | 12:07|


16.1.04  

VISTO.


Mona Lisa Smile. Depois do Clube dos Poetas Mortos, da poesia e dos rapazes, é a vez da arte e das raparigas. Já devia haver um nome para este género de filme. Há uma longa tradição de filmes de professores-que-fazem-a-diferença junto de alunos por definição problemáticos. Mas estes dois filmes são a sub-espécie como-tornar-as-elites-mais-sensíveis. Mais derrotista (ou realista...) do que os Poetas Mortos, é também mais concentrado no género - assusta pensar como o mundo era para as mulheres há uns meros 50 anos.

Péssima tradução, onde licenciados passam a doutorados e quarteirões passam a prédios, entre outras pérolas. Outra característica é que Julia Roberts não dá lá muito bem conta do recado. Quem se destaca mesmo é aquela moça ao fundo à direita, a Maggie Gyllenhaal.

mva | 18:00|
 

Resolução brasileira.

Vamos apoiar a resolução brasileira.

mva | 00:26|


15.1.04  

Site da petição pelo referendo do aborto.

Já há uma página do movimento da petição pelo novo referendo do aborto. Fica nos blinks ao lado até termos as 75000 assinaturas.

mva | 17:48|
 

A quarta via.

Em tempos de crise política e de crise da política, muita gente desespera. Quais as formas mais comuns de atenuar o desespero face à aparente dificuldade de transformação social ou face ao aparente retrocesso de conquistas? Uma delas, à esquerda, é exacerbar o espírito revolucionário, de cariz milenarista, desejoso de transformar tudo num só dia, por decreto e com base em dogmas. Uma das suas variantes é a acção violenta, vulgo terrorismo. Outra, nem à direita nem à esquerda, é refugiar-se em zonas de identificação "provadas" no passado: a religião (assim tornada em fundamentalismo), a etnicidade (tornada em nacionalismo ou racismo), etc. Outra ainda, à direita, é entrar numa espécie de derrotismo conservador e cínico: se nada muda, é porque as coisas sempre foram assim e o melhor é obedecer e, de caminho, tirar proveito.

Há quem diga que não é preciso ficar prisioneiro da escolha entre a acção desesperada (de revolucionários e fundamentalistas, à esquerda ou à direita) e a desistência. Essa terceira via ficou conhecida como "reformista": paulatinas mudanças, passo a passo, melhorariam a sociedade. Mas, parte da nossa crise actual advém do facto de as "terceiras vias" terem falhado: ou porque foram massacradas, como no caso do estado providência, ou porque eram "só paleio", como no caso dos PSs e partidos social-democratas europeus em geral.

Talvez haja uma quarta via ou quadratura do círculo: quando a pulsão revolucionária é domesticada e orientada para a acção reformista mas com a consciência de que o que é necessário é criar novas hegemonias, e não apenas legislar. Isto é, tornar evidentes e de senso comum para números maiores de pessoas que certas coisas são inalienáveis, que certas conquistas não podem ser deitadas fora, que certas coisas novas são absolutamente equivalentes a mais progresso e bem-estar para mais gente. Na política, o Bloco faz um bocadinho disto; o PS deveria fazer muito mais; talvez os renovadores comunistas venham a fazer. Mas é aos movimentos sociais e à produção cultural e mediática que compete a tarefa maior: contaminar as vontades e as mentes.

mva | 17:26|
 

Ampulhetas?

O Público de hoje refere duas teses de mestrado sobre questões de sexologia e evolução. Numa delas, repetem-se os disparates do costume: que os corpos femininos em forma de ampulheta (sic!) continuam a atrair mais os homens e que os corpos masculinos que denotem força continuam a atrair mais as mulheres. Porquê? Porque os primeiros indiciam fertilidade e os segundos capacidade de protecção e jeito para a caça.

Isto não é ciência, é ideologia (a Natureza é uma política - basta ver o canal da National Geographic e ouvir descrições de animais como "mães", "famílias" e disparates do género). O desespero com a fragilidade das construções de género e sexualidade leva a isto - o desejo obsessivo por provar que somos animais, que pouca coisa muda com a História e a cultura. Os jornais pegam facilmente nisto (quantas teses de mestrado se fazem neste país por dia? Dezenas!) porque sabem que o público quer respostas para a sua ansiedade: a ansiedade de ninguém se sentir totalmente encaixado nos padrões de género e de sexualidade.

Mas além de ideologia é má ciência. O pressuposto de que, por razões naturais, as mulheres se definem em torno da reprodução e os homens em torno da produção (como no caso da caça entre os primeiros seres humanos) é contestadíssimo. Muito mais provavelmente trata-se de um anacronismo. Esta visão da evolução humana teve início no período de industrialização na Europa, em que a família nuclear com a divisão público/doméstico foi exacerbada. Período esse que coincidiu com o surto das disciplinas preocupadas em descobrir os primórdios da humanidade, com um modelo positivista que procura causas últimas (leia-se "naturais") para fenómenos sociais bem mais complexos e sujeitos à vontade e invenção humanas.

Entre a escrita deste tipo de dislates (e sua divulgação) e aparecer na TV um dia a fazer a maioria dos homens e mulheres, (hetero e homossexuais, com sexo de origem ou transexuais) sentirem-se anormais, vai um passo.

mva | 17:14|
 

VISTO.


(picado de Cacaoccino)

Calendar Girls. Simpatizo muito com a tradição do cinema inglês: tem qualquer coisa de realismo labour (!), de cultural studies e, sobretudo, tem actores e actrizes com uma (boa) tradição de teatro. Este filme faz uma série de concessões americanas, perdendo-se em mil pequenos episódios em vez de aprofundar as personagens. Neste sentido, é um pouco menos "realismo britânico" (mesmo que com humor) do que Full Monty.

Mas o que me interessa mais nos filmes é o que despoletam na cabeça-coração-pénis-estômago (não sei como explicar isto - não sou cinéfilo, é o que é). E aos 43 anos qualquer um seria um idiota se não perdesse 5 minutos por dia a pensar na inexorável "decadência" do corpo. Ponho entre aspas porque é isso que as calendar girls fazem, e bem. Primeiro, através do humor acerca de si mesmas; depois, através do frisson da quebra das convenções; e, por fim, como real descoberta do gosto por si próprias.

É mesmo verdade que há, na maturidade, um lado muito agradável do ponto de vista físico e sensual, ancorado, afinal de contas, na mentalidade: é a sensação de se estar à-vontade. E se se partilhar a vida com alguém, podemos ver o envelhecimento mútuo como um contínuo, feito de pequeninas modificações e sempre com a capacidade de identificar no corpo do outro a recordação daquilo que ele foi ao longo da história em comum.

Esta espécie de optimismo - que não afasta, é claro, o espectro das doenças e da morte (com as quais, de qualquer modo, se vai aprendendo a lidar, limitando as expectativas sobre quanto e o que se pode fazer) - é completamente descabido noutras formas e variedades de vida. Por isso quando contemplamos a beleza abstracta, de anónimos ou imagens, nos viramos para modelos mais jovens (isto tem a ver com alguma discussão na blogayesfera sobre as imagens de belos moços que alguns de nós vão postando...). O anonimato não permite a relação, logo não permite o acompanhamento das mudanças dos corpos.

A não ser que... A não ser que as pessoas com olho e sensibilidade saibam criar representações da beleza do tempo no corpo. Como a foto acima, das mulheres reais em cuja história se baseia o filme.

mva | 16:59|


13.1.04  

Sobre dildos e filhos

Este texto da Fabíola Cardoso é muito eficaz e muito divertido também. Exactamente como se quer a intervenção.

mva | 19:55|
 

Modernidade conservadora?

Há tempos o Francisco Louçã cunhou a expressão "modernidade conservadora" para descrever a situação portuguesa contemporânea. Queria com isso dar nome àquela situação em que o país com mais alta taxa de penetração de telemóveis é também um dos poucos países da Europa onde se criminaliza as mulheres que abortam. Modernizamo-nos nas mercadorias e serviços, mas continuamos conservadores na visão da cidadania, das liberdades, dos direitos e da democracia. Not so different from an African capital city, really.

Mas a recente vaga de escândalos parece indicar mais do que isso. Não se trata apenas da Casa Pia, mas também da denúncia quase diária de tudo o que está intoleravelmente mau: lares de terceira idade, escolas, centros de saúde, lixo e ambiente, trânsito, etc. Trata-se de uma nova consciência do atraso, que agora é visto não como irremediável e fatal, mas como intolerável. Em suma, a bitola subiu. Isto, no fundo, é bom: significa desejo de modernidade a sério. E significa que já tivemos a oportunidade de a obter, com os fundos europeus, com a democracia que este ano fará 30 anos, com o começo de uma sociedade multicultural com a imigração. E quanto mais nos apercebemos da promessa de modernidade, mais nos apercebemos que morremos na praia. Modernidade conservadora, sim. Mas também ansiedade moderna - ou síndrome de fadiga pré-moderna.

Se calhar é por isso que, face à frustração com uma modernidade que não acontece, tanta gente se torna anti-moderna, recorrendo (com matizes ideológicos muito diversos) à religião, ao new age, ao futebol, ao neo-liberalismo, ao cinismo, ao neo-fascismo, ao nacionalismo, ao racismo, à homofobia, aos movimentos "pró-vida", aos programas de anedotas na SIC, à concentração obsessiva nos filhos, ao....

mva | 19:39|
 

Mourinho, o melhor não-sei-quê.

As TVs vêm-se: Mourinho é o melhor treinador europeu. E um outro moço é o melhor ponta-de-lança-direito-recuado-lateral. Acho bem. Dignifica-se a nação. E as profissões nobres. Mas, e então as menos nobres? Para quando o prémio europeu para a melhor operadora de caixa de supermercado de subúrbio? Para o melhor colocador de ladrilhos em superfícies rectangulares? Para o melhor jornalista de escândalos de um jornal de uma região ultra-periférica insular? E, sim, para o melhor antropólogo?

mva | 19:28|
 

VISTO.


Duas representações da América no cinema. Ambas amigas do "realismo". A primeira procura ora elogiar o sistema ora denunciá-lo. Em ambos os casos, é reforçada a imagética da Americana. Dos velhinhos westerns até ao Mystic River, por muito que este julgue situar-se nos antípodas. A América surge quase sempre como um local fascinante: ou muito alegre e speedado, ou muito violento e criminoso - mas sempre marcado pela ideia de energia.

A segunda procura desconstruir essa imagética. É mais comum no cinema independente (ou no que dele se reclama). Caracteriza-se por mostrar uma América não enérgica: pouca ou nenhuma música (e se alguma, suave), imagens lentas à europeia, contemplação. Mas sobretudo o passar da sensação de se estar num país de zombies, ou numa enorme pizza fria na manhã seguinte à festa. Subúrbios repetitivos e pequeno-burgueses. Centros comerciais com música de anestesia. Escolas secundárias concentracionárias e lavadas com lixívia. Barrigas que crescem ao ritmo da televisão.

Elephant cabe nesta segunda categoria. Inteligente, subtil, amoral: fez-me lembrar os (frequentes) dias de depressão quando vivi na América como adolescente (mas também mais tarde) e, confesso, algumas das fantasias negativas que acarinhei...

mva | 19:25|
 

Vírus voluntário.

Recebo muitos comentários dizendo que exagero nesse aspecto da minha identidade e preocupações que é a homossexualidade. Confesso que por um instante ainda pensei que teriam razão, e que poderia, por exemplo, fazer um blog só para "esses assuntos". Mas o bom senso impôs-se: é que é justamente necessário que "esses assuntos" estejam presentes lado a lado com os "outros assuntos". Não só porque a vida é assim mesmo, feita de várias "agendas", mas porque há necessidade explícita de isso ser demonstrado entre nós.

Qualquer pessoa é um feixe de várias cenas, ondas, meios, interesses - em suma, identificações. Da casa ao trabalho, da família à política. No meu caso bloguístico, há a antropologia, há as coisas do género em geral, há a política à esquerda, há a causa lgbt. Mas cada uma delas tende a ter "clientelas" diferentes e separadas. Ora, o que eu gostaria era que elas começassem a contaminar-se. I'll be the virus.

mva | 19:14|
 

Nasce uma organização.

Nasceram as Panteras Rosas. Aqui está o seu primeiro comunicado. Já fazia falta um pouco de "terrorismo"...


Onde a homofobia estiver, estaremos lá.

Comunicado de imprensa 12-01-2004

Discriminação nos realojamentos. Desumanidade e indiferença, rostos da política "social" da C.M.L.

As "Panteras Rosas" Associação de Combate à Homofobia - denunciam a complacência da Câmara Municipal de Lisboa face a uma situação de discriminação com base na orientação sexual que, por acção da autarquia, está prestes a culminar com o desalojamento de um agregado familiar sem condições de fugir à situação de "sem-abrigo".

A CML concluiu este ano o realojamento do bairro da Cruz Vermelha do Lumiar. Liliana Galinha é uma das poucas moradoras deste meio social degradado a não ter sido realojada. O motivo é que é menos comum: foi deixada para trás pelos seus pais na hora de mudar para a casa nova. A não aceitação da sua orientação sexual, já pretexto de maus tratos anteriores, levou a família a ilegitimamente recusar-lhe o direito de realojamento.

Em 2002, os pais de Liliana deixaram em segredo a casa degradada onde residia a família na Estrada da Torre, Quinta de Santo António, nº 1, junto à Escola C+S D. José I e que esta continua a ocupar, como desde que nasceu, embora hoje com a sua companheira. Voltar a viver com a sua família nestas circunstâncias não é uma hipótese viável. Mas com empregos precários e salários que rondam os 300 euros (60 mil escudos) mensais, também não é verosímil para o casal procurar um espaço para alugar.

A gravidade actual deste caso deve-se à CML, que pretende demolir o edifício com carácter de urgência. A demolição já antes foi adiada, mas desta vez, segundo o município, o tempo esgotou-se. O terreno foi alvo de uma expropriação amigável pela CML a um proprietário privado, com a condição expressa do realojamento das pessoas que ali habitavam, mas a autarquia não pretende oferecer ou sequer apoiar qualquer tipo de solução para o casal, que nem considera um agregado familiar. Ignorando a situação de violência e discriminação, a melhor sugestão do gabinete da vereadora da Habitação foi que apresentasse queixa-crime contra o seu pai para que este fosse forçado a aceitá-la de volta em casa da família (sem a companheira, claro). Para a CML, trata-se de demolir e fingir que não há vidas em jogo.

Desde Outubro de 2002 Liliana tentou fazer valer, junto da Câmara, o seu direito ao realojamento. Hoje, só pede que a casa onde reside possa ficar de pé por mais um período que lhe permita refazer a sua vida. Sem nunca ter recebido Liliana ou ter tido conhecimento dos seus rendimentos, a assistente social do Departamento de Gestão Social do Parque Habitacional da CML argumenta que recebe centenas de pedidos de casa diários e que esta não é das situações sociais mais graves. Argumenta ainda não ter responsabilidade sobre um caso de "desentendimento familiar", sem atender à discriminação que está na sua base.

Precisamente, a autarquia argumenta - por não ter sido esta a exercê-la directamente mas sim os pais de Liliana - que este não é um caso de homofobia. Para as Panteras Rosas", a atitude da CML é, na verdade, uma discriminação indirecta, em consonância com a recusa geral dos poderes públicos portugueses, ainda hoje, em admitir a sua responsabilidade na prevenção e combate à homofobia, como com outras discriminações. E explica porque temos tido conhecimento de um número significativo de queixas de casais homossexuais prejudicados nos processos de realojamento.

Não à demolição! Cumpra-se o direito constitucional à Habitação! Não à homofobia institucional!

Caso se mantenha a intenção da CML e se mantenha a data prevista para o avanço dos 'buldozers', faremos uma acção pública de resistência pacífica à demolição da casa onde reside esta família durante a manhã de quinta feira, dia 22, encontro às 8:45h frente à Junta de Freguesia do Lumiar.

mva | 19:06|
 

E agora a tradução da Susana Marinho, responsável por este regresso da Bishop...

Uma arte - Elizabeth Bishop

A arte da perda não é difícil de dominar;
tantas coisas parecem destinadas
a ser perdidas que a sua perda não é um desastre.

Perde algo todos os dias. Aceita a contrariedade
das chaves de casa perdidas, da hora mal passada.
A arte da perda não é difícil de dominar.

Então pratica perder mais ainda, perder mais rápido:
lugares, e nomes, e para onde querias
viajar. Nenhuma dessas perdas conduzirá a um desastre.

Perdi o relógio da minha mãe. E olha! Perdi a última, ou
penúltima, das minhas três casas bem-amadas.
A arte da perda não é difícil de dominar.

Perdi duas cidades fascinantes. E, perdi muito mais,
alguns reinos que possuía, dois rios, um continente.
Sinto a sua falta, mas não foi um desastre.

- Mesmo perdendo-te (a voz brincalhona, os gestos
que amo) nao terei mentido. É evidente que
a arte da perda não é muito difícil de dominar
embora a perda possa parecer (Escreve-o!) um desastre.

mva | 19:00|


12.1.04  

Duas traduções bem diferentes do poema abaixo.


Uma Arte
(Tradução de Paulo Henriques Britto)

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

- Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.


Uma arte
(Tradução de Horácio Costa)

A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.

mva | 19:25|
 

Ou de como quem não aprecia muito poesia passa a apreciá-la quando uma amiga envia um bom poema duma autora que em tempos já tinha ajudado a passar a apreciar poesia quem não a apreciava muito.

One Art
by Elizabeth Bishop

The art of losing isn’t hard to master
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! My last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look (Write it!) like disaster.

mva | 19:12|


10.1.04  

IVG (Intervenção Voluntária Geral)

Este é um dos fins de semana de Janeiro que esolhemos para dar o empurrão final na recolha de assinaturas para a Petição para um Novo Referendo sobre o Aborto. Como o Barnabé fez o serviço, o mais fácil é irem lá: para saberem onde são as bancas ou para fazerem download de mais folhas de assinaturas.

PS: Já agora, não se esqueçam de inundar o "Diário dos Açores" com comentários contra a homofobia descarada da sua capa (e do artigo de um jornalista) associando homossexualidade e pedofilia.

mva | 11:22|


9.1.04  

Ponto prévio: demita-se Souto Moura.

Jorge Sampaio faz veementes apelos à contenção. No dia seguinte uma série de jornais reportam mais nomes investigados no processo Casa Pia. No mesmo dia, alguns sectores políticos, à direita, propõem legislação para conter a publicação de certas notícias, nomeadamente as que têm origem na quebra do segredo judicial. No mesmo dia, ou noutro qualquer, toda a gente parece ter a opinião consensual de que não se deve "legislar a quente" apenas por causa do caso Casa Pia (causa, caso, casa...!). Paralelamente, cada vez mais gente, sobretudo na área do governo, elabora a teoria da contra-cabala: em vez da cabala invocada pelo PS, diz-se agora que são os suspeitos a "cabalarem" para que o processo não tenha credibilidade. Cá para mim, cabala e contra-cabala são parceiras de cama e ou ambas são verdadeiras ou ambas são falsas. As vítimas (recuso-me a dizer "as crianças") é como se não existissem. E os cidadãos - nós, os que gostaríamos (e temos o direito) de acreditar nas instituições - vêem-se roubados da dignidade e confiança da e na justiça. Alguém já chamou a atenção para o facto de que o clima que precedeu o fim da Primeira República e o início da ditadura ter tido por pano de fundo escândalos como o processo Alves dos Reis. Por estas e por outras, parece-me que a estabilidade das instituições está mesmo em perigo (basta, aliás, ver o ar escandalosamente despreocupado com que Portas e Barroso encaram este caos), e que Sampaio deveria ter dito mais. Sobretudo, deveria ter feito mais. E o ponto por onde começar não é, certamente, legislar sobre a comunicação social (embora eu ache que esta não é o simples mensageiro, mas um verdadeiro poder que cria realidade), mas, por exemplo, demitir Souto Moura: é ou não ele o responsável máximo pelas fugas de informação?

Entretanto, tudo se esquece: onde está Teresa Costa Macedo? Onde está Eanes? Onde estão os responsáveis políticos por vários governos que viraram as costas à Casa Pia? Onde estão todas as outras pessoas - de vários quadrantes políticos e anónimas, sem protagonismo, que com certeza (apenas porque é lógico que assim seja, não por eu seguir boatos de tablóides) usufruiram da prostituição casapiense? Estão todos bem e recomendam-se (salvo seja): entretêm-se a ler tablóides e a ver a TVI.

mva | 18:34|


7.1.04  

Transtornados

Esta notícia no Público de hoje é um verdadeiro estudo de caso. O Comité Olímpico Internacional decidiu que @s transexuais poderão participar nos Jogos Olímpicos de Atenas. O médico do COI apenas é citado como dizendo, de forma meramente informativa, que tal acontecerá. Mas quando o Público contacta José Espírito Santo, médico da equipa portuguesa, passamos da Luz para as Trevas. Embora aceite que @s transexuais participem, e ache bem o seu reconhecimento social, para ele, "um transexual não tem estabilidade psicológica para participar em alta competição" e os homens que fazem estas operações são "muito femininos e, por isso mesmo, não se interessam pelas competições desportivas". Este é um exemplo do fosso que ainda separa a chamada tolerância/aceitação, de uma verdadeira compreensão dos mecanismos do género e da orientação sexual. "Estabilidade psicológica" e associação entre feminilidade e certos gostos e interesses: eis dois estereótipos usados para medicalizar os "desvios" e para reproduzir o género.

Ficamos, pelo menos, a saber duas coisas, implícitas naquelas afirmações: que o médico e os atletas da equipa portuguesa são psicologicamente estáveis e que são muito masculinos porque gostam de desporto e gostam de desporto porque são muito masculinos. O que, obviamente, cria um enorme berbicacho às atletas portuguesas...

Já agora, novo link, para a @t

mva | 12:53|


5.1.04  

Um pouco de teoria selvagem.

O post anterior corre o risco de parecer minorizar aqueles episódios apelidados de "homofobiazinhas". Na realidade, é de muitos e pequenos episódios deste tipo que se faz a repressão (e a auto-repressão). Talvez fosse bom estabelecer categorias de homofobia.

Assim, a primeira seria a Homofobia Institucionalizada, isto é, quando o direito e a política agem directamente no sentido de perseguir os lgbts: seria o caso do Holocausto Nazi, e de toda a espécie de leis (e a sua aplicação) homofóbicas - do encarceramento em Cuba, à lapidação e morte em muitos regimes fundamentalistas. Embora as diferenças de grau sejam importantes, o artigo do nosso Código Penal que fala em actos homossexuais com adolescentes deveria ser incluido aqui. Fazem parte desta categoria (na realidade uma sub-categoria, a que se poderia chamar Homofobia do Conhecimento Institucionalizado) os conhecimentos especializados que gerem os corpos e as vidas e que legitimam as decisões políticas e jurídicas: da medicina à criminologia, passando pela religião, encontramos pressupostos, ocultações, silenciamentos e/ou excessos de definição sobre as existências lgbt.

A segunda seria a Homofobia Social, isto é, os actos homofóbicos activos cometidos pelas pessoas nas suas relações em sociedade. Também aqui o grau varia: de assassinatos-performance como o de Matthew Shepard nos EUA, até aos micro-episódios que relatei, passando pelas expulsões de jovens lgbts de casa dos pais e actos semelhantes. Esta categoria tem como espaços-tempos não as grandes instituições e arenas, mas aquelas, mais imediatas, onde vivemos o quotidiano: a família e a casa, o local de trabalho e a rua (mostrando, aliás, como para muitos lgbts - assim como para as mulheres - a distinção entre público e privado é pouquíssimo real).

A terceira seria a Homofobia Latente, isto é, todos os mecanismos e dispositivos que servem, de forma pouco articulada e consciente (quer para quem exerce a homofobia, quer para quem dela é alvo) para reproduzir a ordem heterossexista necessariamente excludente dos lgbts. Aqui incluir-se-iam coisas tão diversas como as posturas corporais, a roupa, a linguagem, os role models, a publicidade, etc. A coincidência com a ordem de género (isto é, com uma determinada ordenação das relações e identidades de género cultural e historicamernte específica, e a própria existência do género como ordenador social), é flagrante.

Por fim, a quarta seria a Homofobia Interiorizada, aquela que as próprias vítimas da homofobia (se não incluirmos na categoria de vítimas os próprios homófobos...) transportam dentro de si como mecanismo de contenção, autocensura, ressalva, medo, etc., gerando a "esquizofrenia" que tão bem conhecemos (e que, como todas as esquizofrenias com aspas, pode ser "resolvida" rendendo-se a ela, ou usando-a criativamente como forma de libertação: expondo-a, demostrando as suas contradições, gozando com ela e, por fim, deitando-a fora).

Como categorias, servem apenas para organizar o pensamento e ajudar a mudar a realidade. Em boa verdade, as quatro interpenetram-se e, sobretudo, apoiam-se mutuamente. É esta confusão, aliás, que permite que se torne difícil à maior parte de nós decidir onde e quando agir.

A cada uma destas categorias de homofobia deveria corresponder uma forma de contra-homofobia. À primeira corresponde o movimento pelos direitos lgbt, travado no campo da política e da legislação, assim como no campo do pensamento crítico, sobretudo nas ciências sociais e nas humanidades. À segunda, correspondem as redes de solidariedade, comunidade e apoio. À terceira corresponde a comunidade enquanto lugar de criação cultural, isto é, enquanto lugar de experimentação de formas alternativas de vida e relação e enquanto lugar de criação de representações (de revolta, de humor, de provocação). Neste último caso, o mercado não pode ser esquecido como instituição bem mais complexa e criativa do que algum esquerdismo mais básico normalmente pensa. À quarta corresponde o efeito individual do somatório e intersecção das outras três. Nâo é por acaso que é o mais difícil de fazer e onde os resultados são mais difíceis de obter.

Tal como no caso das categorias, também as formas de contra-homofobia (que é como quem diz, de contra-hegemonia, já que a homofobia é parte integrante da ordem de género) se intersectam. De facto, ganham sinergia (essa palavra medonha...) quando feitas em conjunto.

Prontos, já chega.

mva | 17:42|


4.1.04  

Homofobiazinhas.

Na noite de passagem de ano, à porta do Centro Comunitário Gay e Lésbico de Lisboa, um grupo de jovens passa. Um deles, com sotaque brasileiro, começa a fazer uma pequena performance, imitando estereótipos de gays efeminados. Pergunto-lhe, gritando do outro lado da rua, se ele tem algum problema. Não responde e o grupinho segue. Arrependi-me de não lhe ter dito que ele - e não eu, por mero acaso e falta de treino - tem imenso jeito para ser efeminado...

Mais tarde, e no mesmo sítio, um negro com sotaque africano, e já bêbedo, quer entrar na festa. É-lhe dito que era privada (e era). Ele pergunta "é só pra paneleiros"?. So much for intra-minority solidarity, right?

No dia de Ano Novo, num restaurante, alguém na mesa ao lado diz, já não sei a propósito de quê, "Príncipe Real é pior que mudar de sexo!". O P irrita-se e responde. Uma das pessoas da mesa diz que se trata "de opiniões". O P ainda pede desculpe por estar a "meter-se" na conversa. Deixemos de lado o facto de muitos restaurantes lisboetas terem o péssimo hábito de juntar diferentes grupos de convivas praticamente na mesma mesa (mesas compridas com simbólicas fronteiras de 10 cm entre si): o problema é que as opiniões, mesmo quando emitidas na suposta "privacidade" duma mesa de restaurante, afectam os outros. Afinal, o Hitler também era da opinião que os judeus eram uma raça inferior.

Em dois dias, três episodiozinhos. Já para não falar do efeito "pedagógico" que deve ter o facto de as TVs noticiarem ad nauseam que o Herman José está acusado de actos homossexuais com adolescente...

Ai, eu emigro, emigro...

mva | 19:00|
 

VISTO.

In America, de Jim Sheridan. Até pouco antes do intervalo (os cinemas por baixo de nossa casa fazem intervalo, uma instituição que reaprendi a apreciar) estava a adorar o filme. Subitamente, a narrativa deixa de ter a subjectividade de uma das personagens infantis e passa para o pai. A coisa fica um bocado torta, então. Mais tarde, o filme consegue mesmo ficar um tanto sentimental, embora tente salvar-se com uma narrativa do milagroso, concebível apenas na mente de uma criança (?). Mas Sheridan fica aquém do fabuloso In the name of the father. Seja como for, something ticks - na estética, na montagem, no clima, na banalidade enternecedora das personagens e no visual dos actores e actrizes. E esse something é o carácter irlandês/europeu do filme - tanto mais forte quanto ele se passa... in America.

mva | 18:50|
 

Creepy!

Estive mais de 24 horas sem conseguir ver o meu blog. Fazer posts novos seria como falar para um voice mail, sem poder ouvir a minha própria mensagem. Não conseguia entrar em nenhum blog alojado pela Blogspot, mas conseguia fazê-lo, por exemplo, no Barnabé, que é Weblog. Resolvi contactar com a Netcabo e pude "chatar" com uma simpática funcionária (sim, desta vez não me chateei...). O processo de resolução do problema implicou ela tomar conta do meu computador. Elegantemente, perguntaram-me se podiam tomar conta do meu computador. Eu lá disse que sim, titubeante qual virgem. A vertigem foi boa, e o problema lá se resolveu.

PS: Quantidade de estrangeirismos (historicamente recentes) neste post (incluindo este): 8

mva | 18:44|