OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


15.1.04  

VISTO.


(picado de Cacaoccino)

Calendar Girls. Simpatizo muito com a tradição do cinema inglês: tem qualquer coisa de realismo labour (!), de cultural studies e, sobretudo, tem actores e actrizes com uma (boa) tradição de teatro. Este filme faz uma série de concessões americanas, perdendo-se em mil pequenos episódios em vez de aprofundar as personagens. Neste sentido, é um pouco menos "realismo britânico" (mesmo que com humor) do que Full Monty.

Mas o que me interessa mais nos filmes é o que despoletam na cabeça-coração-pénis-estômago (não sei como explicar isto - não sou cinéfilo, é o que é). E aos 43 anos qualquer um seria um idiota se não perdesse 5 minutos por dia a pensar na inexorável "decadência" do corpo. Ponho entre aspas porque é isso que as calendar girls fazem, e bem. Primeiro, através do humor acerca de si mesmas; depois, através do frisson da quebra das convenções; e, por fim, como real descoberta do gosto por si próprias.

É mesmo verdade que há, na maturidade, um lado muito agradável do ponto de vista físico e sensual, ancorado, afinal de contas, na mentalidade: é a sensação de se estar à-vontade. E se se partilhar a vida com alguém, podemos ver o envelhecimento mútuo como um contínuo, feito de pequeninas modificações e sempre com a capacidade de identificar no corpo do outro a recordação daquilo que ele foi ao longo da história em comum.

Esta espécie de optimismo - que não afasta, é claro, o espectro das doenças e da morte (com as quais, de qualquer modo, se vai aprendendo a lidar, limitando as expectativas sobre quanto e o que se pode fazer) - é completamente descabido noutras formas e variedades de vida. Por isso quando contemplamos a beleza abstracta, de anónimos ou imagens, nos viramos para modelos mais jovens (isto tem a ver com alguma discussão na blogayesfera sobre as imagens de belos moços que alguns de nós vão postando...). O anonimato não permite a relação, logo não permite o acompanhamento das mudanças dos corpos.

A não ser que... A não ser que as pessoas com olho e sensibilidade saibam criar representações da beleza do tempo no corpo. Como a foto acima, das mulheres reais em cuja história se baseia o filme.

mva | 16:59|