OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.1.04  

Somos todos filhos de imigrantes.

Como antropólogo, como pessoa, ou seja lá em que modalidade for, vivi ou interessei-me por países (os EUA, o Brasil, Trinidad e Tobago, Cabo Verde) cuja característica comum é serem mistos: multiculturais, multi"raciais" ou crioulizados. Sempre que regressava a Portugal tinha a sensação de estar como que na Sildávia do Tintim: uniforme, obcecado com a História, a genealogia e o "sangue", a língua e o folclore e confundindo uma religião com a religião. Recentemente, Portugal teve a oportunidade de ficar mais cosmopolita, com gente de várias paragens. Por um momento parecia que as coisas iam melhorar - deliciei-me uma vez ao perceber que era o único tuga numa carruagem de metro entre Martim Moniz e Intendente, num fim de tarde. Mas hoje - dia de uma manifestação europeia pela legalização dos imigrantes - fico a saber pelo Público duas coisas: que a legalização dos imigrantes brasileiros acordada ente os dois governos está a ser um fracasso por causa dos entraves administrativos (que é o mesmo que dizer por falta de verdadeira cvontade política) e que os médicos vindos do Leste chumbaram em massa nos exames na Faculdade de Medicina (mesmo aqueles que já exerciam a profissão nos países de origem).

É por estas e por outras que, ao nível do gut feeling, sinto sempre um enorme enjôo em relação a tudo o que seja nacionalismo, patriotismo, saudades do país, elogio da lusofonia, e outras tretas dignas da Sildávia. E ao nível do "impulso de justiça", não compreendo como não é óbvio que quem trabalha num sítio deve ter todos os direitos.

mva | 14:46|