OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.1.04  

Modernidade conservadora?

Há tempos o Francisco Louçã cunhou a expressão "modernidade conservadora" para descrever a situação portuguesa contemporânea. Queria com isso dar nome àquela situação em que o país com mais alta taxa de penetração de telemóveis é também um dos poucos países da Europa onde se criminaliza as mulheres que abortam. Modernizamo-nos nas mercadorias e serviços, mas continuamos conservadores na visão da cidadania, das liberdades, dos direitos e da democracia. Not so different from an African capital city, really.

Mas a recente vaga de escândalos parece indicar mais do que isso. Não se trata apenas da Casa Pia, mas também da denúncia quase diária de tudo o que está intoleravelmente mau: lares de terceira idade, escolas, centros de saúde, lixo e ambiente, trânsito, etc. Trata-se de uma nova consciência do atraso, que agora é visto não como irremediável e fatal, mas como intolerável. Em suma, a bitola subiu. Isto, no fundo, é bom: significa desejo de modernidade a sério. E significa que já tivemos a oportunidade de a obter, com os fundos europeus, com a democracia que este ano fará 30 anos, com o começo de uma sociedade multicultural com a imigração. E quanto mais nos apercebemos da promessa de modernidade, mais nos apercebemos que morremos na praia. Modernidade conservadora, sim. Mas também ansiedade moderna - ou síndrome de fadiga pré-moderna.

Se calhar é por isso que, face à frustração com uma modernidade que não acontece, tanta gente se torna anti-moderna, recorrendo (com matizes ideológicos muito diversos) à religião, ao new age, ao futebol, ao neo-liberalismo, ao cinismo, ao neo-fascismo, ao nacionalismo, ao racismo, à homofobia, aos movimentos "pró-vida", aos programas de anedotas na SIC, à concentração obsessiva nos filhos, ao....

mva | 19:39|