OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


29.1.04  

"Caso Liliana" 2.

Gostei muito daquele comunicado da ex aequo (post abaixo), porque toca no essencial (que, neste caso, coincide com o que acho dever ser de interesse geral para o movimento lgbt) e não segue o caso concreto. Acho que o ataque a - ou a defesa de - casos bem concretos é o tipo de estratégia que compete a um grupo como as Panteras Rosa. Este é um tipo de grupo, da chamada "acção directa", que fazia imensa falta. A outras associações lgbt cabem-lhes outras competências.

Não pertenço às Panteras. Pertenço ao MELGA (Movimento da Esquerda Lésbica e Gay) ou BELGA (Bloco de Esquerda Lésbico e Gay) [não conseguimos decidir o nome e estes são só sugestões, sendo que o segundo é bem capaz de não ser o mais adequado...]. Os dois grupos partilham membros, pois nasceram ambos no BE. Mas é tudo: não são a mesma coisa, pois as suas vocações são diferentes.

O "Caso Liliana" (que vai junto com o surgimento das Panteras) é "bom para pensar". O "Caso Liliana" é, desde logo, um caso de drama pessoal e de drama de um casal. Mas revela, sobretudo, outras coisas: desde logo, como a política de habitação social está cheia de entraves à resolução dos problemas reais e únicos que vão surgindo. É baseada em noções de agregado familiar limitadas e "lava as mãos" de situações de violência doméstica. Esta, a violência, é a segunda coisa: o caso mostra como o fenómeno não se resume às relações entre cônjuges, ou ao abuso de menores. A terceira coisa - e isto aplica-se a algumas reacções camarárias reportadas - é que percebemos como a homofobia nem sempre se revela de forma óbvia, isto é, através do insulto, do ataque físico ou da exclusão na base explícita de atitudes ou palavras homofóbicas. Muitas vezes ela revela-se no ocultamento, no silenciamento, na aceitação tácita de que as regras e as soluções se aplicam a um mundo normativo - um mundo sem homossexuais.

É se calhar por tudo isto que se torna difícil fazer estas lutas concretas com base em exigências do cumprimento da lei e das regras ou com base na denúncia de homofobia explícita. Porque muitas vezes a lei não está lá para nos ajudar, nem a homofobia é ingénua ao ponto de se exprimir sem reservas.

Num mundo ideal, o movimento lgbt teria as associações a defenderem os direitos cívicos e a fornecerem apoio à comunidade lgbt; grupos lgbt dentro dos partidos a fazerem lobby pela inclusão da agenda lgbt na política e nas propostas legislativas; e grupos de acção directa a fazerem denúncia de casos concretos, recorrendo à desobediência civil e à mediatização. Em certos momentos, as três competências podem e devem sobrepor-se, noutros não.

(Não concluo este post porque tudo o que este "caso" dá para pensar está ainda em aberto... Mas desejo, sobretudo, que a Liliana e a companheira vejam a situação resolvida e sirvam de exemplo para casos futuros).

mva | 22:23|