OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.1.04  

VISTO.



O Arquitecto e a Cidade Velha. Não gosto de fingir que sou objectivo: sou amigo da Catarina Alves Costa há muito e bons anos e fã do seu trabalho de cineasta-documentarista, vinda da antropologia. Assisti ao e acompanhei o boom do documentário em Portugal na última década e estou sempre a ser surpreendido. A Catarina já fez uma série de filmes ("Regresso à Terra", "Senhora Aparecida", "Swagatam", "Mais Alma" - e se calhar esqueço algum) mas agora, com este, há uma maturidade que, como todas as maturidades, é feita também de "regressos". A meu ver, o regresso é à linha que presidia a "Senhora Aparecida": a documentação de um conflito cultural, em que várias personagens contribuem para uma narrativa com que nos identificamos (por causa da nossa "cultura" fílmica) mas que nos aproxima ainda mais do "real".

Neste filme, a Catarina aborda o trabalho de Siza Vieira na reconstrução da Cidade Velha em Cabo Verde, e os conflitos em torno de diferentes noções de património, entre os desejos de conforto dos locais e os critérios do antigo, do genuíno. Mas deliciosos são os subtextos: as relações entre a ex-colónia e Portugal; as relações entre este e Espanha; as estratégias políticas locais; e até questões de género e de representações do ex-Império.

E, de vez em quando, o filme como que respira através dos desenhos não-arquitectónicos do Siza (fica aqui a reprodução pirata dum, que não é do filme).

O auditório da Culturgest estava cheio. Cheio de jovens. E de jovens que não reconheço como alunos de antropologia apenas. É sinal de que o documentário está vivo, e de que há uma forma indirecta de produzir reflexão antropológica que tem público, tem pinta, e tem utilidade.

mva | 15:25|