É já amanhã. No mesmo dia em que Zapatero e PSL se encontram na cimeira ibérica de Santiago de Compostela. Algum jornalista poderia fazer o favor de perguntar a PSL o que ele acha sobre o assunto? É que qualquer resposta seria desastrosa: "Bem, somos sociedades diferentes" (e Portugal ficaria visto como o Burkina Faso da Península...); ou "o Povo é soberano, o Povo é que decide" (isto dito por quem não foi eleito...).
O resultado é que a coisa foi resolvida em trinta minutos. Isto faz-me lembra o reframing do pessoal de Palo Alto. Ironicamente, entre nós, antes do reframing faz-se muito a dança da pescadinha de rabo na boca...
Apreciei muito este post do Daniel do Barnabé. É exactamente o que penso, quando chega a hora das discussões sobre partidos/poder e movimentos sociais ou sobre reformismo e "revolução". Aliás, o Daniel é a única pessoa que conheço no meu universo político que, tal como eu, usa as expressões "reformismo" e "social-democracia" (devidamente acrescentadas com expressões como "radical" ou "de esquerda") sem vergonha.
Santana Lopes ganhou a sua carreira política através da televisão. José Sócrates ganhou a liderança do PS porque contracenava com Santana Lopes na televisão. Marcelo Rebelo de Sousa será o próximo presidente da República porque ocupa um slot gigante de um canal de televisão tablóide onde faz de polícia bom na mesma série em que Santana faz de polícia mau. E António Guterres ou se apressa a ter a sua coutada hertziana ou nem à segunda volta chega (coisa que, diga-se de passagem, não traria mal nenhum ao mundo e especificamente a Portugal).
Percebem agora porque existe um quase-monopólio da televisão por cabo e nenhuma lei que permita a existência de televisão de acesso público - ou a promova, como comnpensação por esse quase-monopólio?
Andam por aí centenas de carros com farrapos de bandeiras nacionais. Vários ostentam mesmo uns fiozitos esgarçados cuja origem só é conhecida por quem esteve em Lisboa durante o Euro 2004. De centenas de janelas debruçam-se panos vagamente verdes e vermelhos embebidos de monóxido de carbono, fuligem e os restos de chuvas ácidas. Definham tristemente como aqueles lençóis que, em países remotos, ostentam sangue de galinha para fazer as vezes da prova de virgindades perdidas em noites de núpcias. Envergonhados, superticiosos ou simplesmente negligentes, os donos dos restos de bandeiras fazem, sem o saberem, uma performance pública do esgotamento nacional. Coisa inadmissível se a queimassem em praça pública, como ficou a saber aquele rapaz preso na manif anti-touradas.
A ministra da educacao (homenagem à Sara...) garante que as aulas começam a 1 de Outubro. Nenhum jornalista referiu que 1 de Outubro é uma sexta-feira; e que a terça-feira seguinte é 5 de Outubro, logo feriado. Ou seja: a começarem, as aulas começam a 6 de Outubro.
PS: Qual o banco que está destinado a Carmo Seabra quando ela sair do governo (quando alguém lhe explicar, além do sistema de calendário, o verdadeiro significado da expressão "tirarei as consequências políticas"...)?
O PP espanhol vem agora propor o aprofundamento das uniões de facto, recusando o direito à adopção. O PSOE respondeu sem hesitações. Deixo em catalão, justamente para transmitir esta sensação estranha de "tão perto e tão longe", de "percebo qualquer coisa, mas não percebo lá muito bem" - a sensação que deve atravessar as cabeças do PS português...
«El PSOE rebutja la proposta. Per la seva part, el PSOE ha anunciat que no recolzarà la proposta del PP de regulació de parelles homosexuals, perquè no assumeix la possibilitat d'adoptar fills, i per tant és una mesura que parteix del principi de negació del seu dret al matrimoni, segons els socialistes.Així ho ha assegurat el diputat del PSOE Jordi Pedret en resposta a l'anunci del portaveu del PP, Eduardo Zaplana. El diputat ha recordat que el matrimoni està deslligat de la reproducció des de l'any 1981 en la legislació espanyola, i ha considerat que "només una concepció confessional antiga" pot portar el PP a voler negar el dret d'adopció a persones homosexuals.» (El Periódico)
A persistência da História. Ontem apresentei o livro "A Persistência da História", organizado por Clara Cravalho e João Pina-Cabral. Reúne textos apresentados num encontro na Brown University sobre as continuidades entre o período colonial e o pós-colonial na África ex-portuguesa. Dito assim, parece pouco. Mas faz parte de um esforço que muitos cientistas sociais têm vindo a fazer no sentido de analisar o mundo complexo de dependências mútuas (económicas, culturais e outras) sem saudosismo colonialista, sem anti-colonialismo "primário" e sem celebrações "lusofónicas". É difícil. Mas este mundo de subdesenvolvimento, de migrações e de novos nacionalismos bem precisa.
All over the guy. Aqui está uma comédia romântica gay (mas que não esquece o casal hetero a fazer contraponto) que poderia/deveria passar nas nossas TVs: sem genitalia, sem grandes palavrões, em meio burguês de Los Angeles, sobre problemas sentimentais universais. Descarregável da net e enviável para a direcção de programação da RTP...
Teoria da conspiração. Ninguém gosta duma. Normalmente resultam mais de paranóia do que de factos. Mas quando se ouve a discussão sobre os pagamentos no serviço nacional de saúde, parece ouvir-se em fundo a música dos bancos tomando conta da área. E quando se ouve a discussão sobre a lei dos arrendamentos, parece ouvir-se em fundo... a música dos bancos, que têm o mercado dos empréstimos para construção e compra de casas praticamente esgotado... É assim como ouvri alguém do governo a falar: parece ouvir-se a música dos bancos de onde vêm ou para onde irão...
Bagels. Descobri uma padaria em Lisboa que faz bagels, o meu pão favorito. Imediatamente conjurou-se-me (?) uma memória agradável: os brunches da minha família judia em Baltimore, com bagels frescos, queijo creme e salmão. Porque serão as memórias de prazer puro mais vezes memórias em torno da comida do que em torno do sexo? Além da hipótese de eu não ser "normal", creio que se deve ao facto de o prazer da comida ser um prazer de consumo simples e unidireccional; já o sexo tem as "trapalhadas" implícitas a uma qualquer espécie de relação - por muito fortuita que seja.
Sexo. A propósito de memórias e sexo: as recordações de prazer com p grande estão, no meu caso, todas ligadas a situações de apaixonamento e conjugalidade. Quando descobri que tinha a "inclinação conjugal", descobri a minha "natureza" e passei a ser muito mais feliz. Mas sinto-me na obrigação de dizer: não há qualquer juízo de valor nisto, pois acho que há gente para tudo, da conjugalidade ao sexo ocasional ou a essa coisa que agora infelizmente se chama "promiscuidade". A única bitola é encontrar a sua "natureza".
Máxima: pode-se ser provinciano na cidade e cosmopolita na província. Comprovo-o todos os dias.
Socrático. Possível frase para a semana LGBT dos próximos anos, reivindicando mais direitos: "Sócrates: isto não é uma questão platónica!"
Jacarandá. Cada vez mais comentadores convergem (para uma ideia que eu próprio me "orgulho" de ter tido): este governo não consegue sequer fazer o que desejava fazer e nos assustava que fizesse - ser competente no seu golpe de Estado. A imbecilidade da direita arrivista está no seu pleno esplendor. Qual jacarandá, a flor depressa cai. Oxalá.
Ecografia. Na secção de Computadores do Público mostram como já é possível obter imagens realistas da cara dos fetos nas ecografias. Já por várias vezes reflecti sobre o "problema" que as ecografias causam, a saber, a humanização e personalização do feto. Junto com isto, muitas pessoas já não fazem simples listas de nomes a dar ao bébé quando nascer: muitas agora "baptizam-nos" ainda na gravidez e referem-se a ele/ela com um só nome, inalterável até ao nascimento, tal é o grau de confiança no bom sucesso da gravidez, graças aos avanços médicos. Nada disto é problemático se, a montante, estiver uma decisão informada pela continuação da gravidez no seu início, e numa situação de acesso pleno a educação sexual, planeamento familiar e liberdade de terminar a gravidez. Mas, na ausência disto, estes "progressos da ciência" funcionam paradoxalmente a favor da agenda anti-aborto. Impõe-se a pergunta: para quê desnvolver técnicas de representação realista da cara do feto?
Orgulhosamente sós. Na sala de espera dum médico. Revista cor-de-rosa. Artigo sobre aborto e WOW. Uma foto mostra uma família numerosa. No fundo vê-se um painel de "azulejos do século XVII" e, sobre uma mesa, um desses santos em talha dourada. Old money (ou pretensão a tal). As crianças - umas doze?, treze?, vinte e sete? - ostentam os sorrisos treinados em múltiplas sessões de fotografia familiar (onde todos, mesmo se estivermos deprimidos, aprendemos a ostentar a mais radiante felicidade). O pai é citado: "Não temos nada a aprender com a Holanda". Nesta frase, "não temos nada a aprender", está contido todo um programa: isolacionista, tolamente orgulhoso, anti-cosmopolita, reaccionário.
Prepotência. Por que se espera tanto nos médicos? Hipótese A: por manifesta incapacidade de planeamento e gestão de agenda. É a hipótese da ignorância e incompetência; hipótese B: por pura e simples ganância, querendo mais e mais gente, logo mais e mais dinheiro, mesmo que o serviço seja pior (já que o modo como se chega ao médico se baseia mais na "fama" do que numa avaliação informada); hipótese C: por prepotência, uma velha característica das relações de classe entre nós (sendo que, entre nós, ser médico privado é sinal de superioridade social). Mas as coisas não têm que ser assim: o meu dentista, por exemplo, não faz overbooking, atende à hora combinada, de caminho stressa menos e atende melhor. Provavelmente ganha menos dinheiro que outros, mas ganha bem. A diferença entre reconhecer que se ganha bem e querer desesperadamente ganhar mais, é uma diferença ética que faz toda a diferença.
PS: diz-me a família na Bélgica que lá o médico privado atende num pequeno gabinete onde ele próprio faz de secretária e recebe o dinheiro; o tratamento não implica salamaleques com "senhores doutores" e humilhações do género, mas apenas cordialidade burguesa, onde ambos, médico e paciente, são monsieur/madame. As horas são escrupulosamente cumpridas.
Era uma vez um país com um canal de televisão tablóide. Era uma vez um país com um canal de televisão tablóide e uma faculdade de Direito conservadora. Era uma vez um país com um canal de televisão tablóide, uma faculdade de direito conservadora e um professor da faculdade de direito conservadora comentador no canal de televisão tablóide. Era uma vez um país com um canal de televisão tablóide, uma faculdade de direito conservadora e um professor da faculdade de direito conservadora comentador no canal de televisão tablóide todos os domingos durante uma hora. Era uma vez um país com um canal de televisão tablóide, uma faculdade de direito conservadora, um professor da faculdade de direito conservadora comentador no canal de televisão tablóide todos os domingos durante uma hora e que era vendido como "O Professor". Era uma vez um país com um canal de televisão tablóide, uma faculdade de direito conservadora, um professor da faculdade de direito conservadora comentador no canal de televisão tablóide todos os domingos durante uma hora, vendido como "O Professor" e citado todas as segundas-feiras nos principais jornais...
Regressei da Arrábida, do encontro sobre Masculinidades e Feminilidades. O calor de ananazes, o vento de Leste, o cheiro duma celulose e o ataque generalizado de toda a espécie de agentes alergogénicos prejudicaram a tranquilidade do retiro. Mas houve comunicações muito interessantes e, sobretudo, entusiasmo e preocupação dos participantes: toda a gente quer encontrar soluções para as desigualdades de género e toda a gente se sente prisioneira da linguagem que usa; toda a gente quer ultrapassar os estereótipos, mas toda a gente se sente prisioneira das categorias. Well, welcome to life in society... Mas, piadas à parte, é com a formulação dos impasses que se ganha energia crítica para agir.
No regresso a uma Lisboa onde se anda de calções em frente a montras que vendem cachecóis, dois eventos: o filme Cachorro, de Miguel Albaladejo.
É provavelmente o melhor produto cinematográfico disponível por aí sobre o parentesco, a família, as crianças e a homoparentalidade; e o lançamento de
Organizado pelo Fernando Cascais - que também organizou um curso livre na FCSH da Universidade Nova de Lisboa - espera-se ser o início de uma lança queer na África editorial portuguesa.
PS: O calor impede a sensação de rentrée. Pequenos gestos apenas, acertos mínimos. Por exemplo, este blog deixa agora de ter uma secção "VISTOS" sistemática: passarei a escrever apenas sobre os filmes de que goste (ou que odeie...) e de modo semelhante a qualquer outro assunto de qualquer outro post.
The Terminal. Com algumas falhas de verosimilhança e algumas desadequações de registo (comédia? "sério"?) - que ressaltam como falhas e não como algo de criativo - é, apesar disto, um filme muito divertido, sobretudo pela situação que lhe serve de leit-motiv. Por mim, não me importava, adoro aeroportos.
PS: Nos próximos três dias este blog deverá sofrer de sub-postagem, por razões profissionais. Será tempo suficiente para se confirmar a suspeita de que este governo afinal é um tigre de papel? Para que as trapalhadas, incompetências e lutas de galos surtam efeito (mau para eles, bom para nós)?
A propósito da entrevista de ontem: há muito que carrego uma sensação de ambiguidade, ou de pisar o risco, ou de hibridismo meio-perigoso. De cada vez que aposto na parte militante, a parte académica "sofre"; de cada vez que aposto na parte académica, a parte militante "sofre". Isto é: o pensamento das ciências sociais é crítico e, por isso, põe em causa as "crenças" da militância, sobretudo a que tem a ver com a política da identidade, como o movimento lgbt; e o movimento social é político e, por isso, perturba a atitude mais "distanciada" do pensamento científico. Isto é um problema no curto prazo. Mas no longo prazo é óbvio que os dois se fertilizam mutuamente. Só que não consigo deixar de sentir sempre o mesmo ligeiro mal-estar: «oops, cá estou eu a deixar de ser antropólogo» ou «oops, cá estou eu a ser antropólogo demais».
Anyway: já dizia o velho Marx que sem contradições isto não ia lá... Também dizia que os filósofos pensam o mundo mas que "agora" o que é preciso é transformá-lo (enfim, acho que é preciso as duas coisas, algo que, aliás, o velhote também dizia, a propósito do mútuo feedback entre teoria e prática...).
MADRID (Reuters) - Spain's Socialist government will approve gay marriage at an October 1 cabinet meeting, a partyleader says, putting into action a plan that has enraged church leaders in this traditionally Catholic country."The cabinet...is going to approve the change to the civil code so that people of the same sex can marry. Why are we doingthis? Because people have to be in charge of their own destiny," Jose Blanco, a leading member of the Socialist party told arally in the northwestern region of Galicia on Sunday.The reform will then have to be approved by parliament.Spain is increasingly liberal, with almost 70 percent supporting gay marriage, according to a recent survey.But 95 percent of the population is registered as Catholic and the country was ruled for some four decades to 1975 bydictator General Francisco Franco, a staunch Catholic who banned homosexuality and divorce.The country's bishops have fought the new government's liberal agenda, calling the planned law "dangerous" and PopeJohn Paul gave Prime Minister Jose Luis Rodriguez Zapatero a stern lecture on morals earlier this year.»
Hoje, às 17h, na FNAC, vamos estar alguns (Gabriela Moita, Fernando Cascais e eu) discutindo homofobia. A propósito deste livro e com a presença do seu organizador, Louis-Georges Tin. Acho que é cada vez mais importante centrar as discussões na homofobia - não só porque é esse o problema, como é o que pode unir as diversidades (e contradições...) no universo lgbt.
Título, um espectáculo do Teatro Praga, no Hospital Miguel Bombarda. Muito bom. Enquanto decorre, num canto da garagem, uma "A Menina Júlia" de Strindberg "normal", os outros actores e actrizes vão promovendo pequenas peças, todas chamadas "falsas", para as quais mobilizam uma parte do público (chamado "falso público", pessoas que não tiveram que pagar bilhete) como actores/actrizes. Pelo meio, uma das actrizes ("verdadeiras") teve direito a uma prenda de aniversário: uma actuação de "falso transformismo" pela deliciosa, auto-irónica e inteligente Odete Insertcoin. Todo o espectáculo joga com a mistura dos registos da "verdade" e da "falsidade" da vida normal e do teatro. Difícil de descrever num post, mas um espectáculo delicioso.
Um novo blink, para os Ursos de Portugal, que têm um site sofisticadíssimo. A julgar pelos últimos posts, já sei quem é que vai já a correr ver... (just joking).
«Arrogância moral»: um dos tópicos do discurso da contemporânea direita é acusar a esquerda (sobretudo a que assusta, como o Bloco, ou algum movimento social identitário) de "arrogância moral". Significa isto que eles acham que os esquerdistas são uns moralistas, que exigem dos outros o que não exigem de si, etc. Não está muito longe da diabolização do "politicamente correcto". É uma forma de dizer que não é preciso haver regras nem estatutos que protejam os direitos, porque as pessoas resolvem os problemas na base da boa educação, do bom senso, da boa vontade, da tolerância e, eventualmente, da misericórdia/caridade. Mas, no fundo, no fundo, é uma belíssima maneira de dizer que se quer manter o status quo: fazer o contrário do que se diz e defende, manter o "charme discreto da burguesia", recodificar a hipocrisia como defesa da vida privada, mostrar-se mais "solto" do que aqueles que nos acusam de sermos demasiado straight (no outro sentido da palavra...). Obedecer aos preceitos rituais de um qualquer código oriundo da igreja, de classe ou dos bons costumes não é considerado "arrogância moral", mas puro e simples realismo e espírito prático.
Última ocorrência: No Parlamento, um deputado do CDS acusou a esquerda, a propósito das posições sobre o aborto, de "arrogância moral".
PS: Este é o primeiro de uma série (espero...) de posts sobre o discurso da nebulosa a que se convenciona chamar "a direita". A sua linguagem tem recursos retóricos muito interessantes de descodificar. Um deles é justamente o que a expressão acima contém: usar uma expressão de acusação aparentemente liberal/radical ("arrogância moral", algo que se diria a um padre empedernido) para acusar os outros da coisa mesma que nós praticamos.
Um amigo telefonou a contar-me: uma vez mais A Capital publica um post meu na secção de Opinião dedicada a Blogs. Dizia o meu amigo e com pérfida razão: "poque não sugeres que te paguem como cronista?". Ora aí está uma bela pergunta.
Mas o que me espanta é que, se prestam atenção ao meu blog para o "citarem" (um post inteiro não cabe na definição de citação, mas enfim...), como não prestaram atenção ao post em que falava da primeira vez que a "citação" aconteceu? Oh, well...
Gosto do Festival de CGLL. Apoio e até colaboro. E frequento.
Mas ontem chamaram-me a atenção para um facto: o festival estreou, com quatro filmes em simultâneo nas quatro salas do Quarteto e nem um era de temática lésbica. Toda a gente sabe como a "aliança" gay-lésbica é um trabalho difícil, por razões óbvias: as lésbicas são mulheres e, como tal, discriminadas duplamente; os gays são homens e, como tal, têm alguns benefícios simbólicos no jogo social. Até acredito que tenha sido "esquecimento". Mas é justamente esse esquecimento masculino-cêntrico que preocupa...
No Festival. A curta Steven's Sin e a longa Nick Name and the Normals. O primeiro é (mais) um filme sobre Mormons e homossexualidade (Mormons, not morons...). O rapaz que desvenda ao outro a possibilidade da homossexualidade é o mesmo que o denuncia como gay para se distanciar dessa identificação. Aprende-se em "Introdução à Homofobia"... O segundo é um doc sobre um gay que passa de cantor country a cantor de gay punk. É muito interessante: sobretudo as ilusões, devaneios e fantasias de masculinidade angry que ele tem...
De 16 a 22 de Setembro é a Semana Europeia da Mobilidade. O dia 22 é mesmo o Dia Sem Carros. Mas, prosseguindo a tradição santanista, Lisboa não adere. Vejam o site da organização do evento ao nível europeu e a declaração que as câmaras municipais minimamente civilizadas assinam. Em Lisboa ficamos a ver carros, a peça de mobiliário urbano mais tradicional, mais castiça, mais alfacinha, mais "nossa". Atropelai-vos, intoxicai-vos e irritai-vos uns aos outros...
Coloquei hoje online, na minha página, um novo livro. Textos Selvagens é um "livro" online, e não existe em papel no mundo "real". Reúne crónicas e textos de intervenção publicados um pouco em todo o lado entre 1993 e 2003. Estes textos não foram incluídos na colectânea de crónicas do Público intitulada Os Tempos que Correm (1996). A partir de 2004 os meus textos (não só de intervenção) passam a estar disponíveis em Offline, uma colectânea online em constante actualização. Textos Selvagens é, assim, uma espécie de baú....
Ficam assim disponibilizados muitos textos dispersos. Mas atenção: o ficheiro é pesadão, só mesmo para quem tenha interesse em descarregá-lo para ficar com ele. Espero que gostem e que sirva para alguma coisa.
"Fascismo" é uma palavra com dois usos. O primeiro é da ciência política. O segundo é do senso-comum: "fascista" usou-se para referir não uma ideologia política concreta ou um regime, mas sim um agregado de coisas: autoritarismo, conservadorismo, moralismo, etc. A palavra caiu em desuso com a democracia, e ainda bem. Deixei de a usar para dizer mal de alguém, porque deixei de achar necessário fazê-lo; e ainda bem.
Mas agora apetece mesmo. Parece que Bagão Felix (que me lembra sempre o Dr. Septimus do Blake & Mortimer...) recuperou o estilo "Conversas em Família" de Marcello Caetano. (Este estilo foi inteligentemente apropriado por outro Marcelo, ao ponto de adquirir o estatuto de "O" Professor num país iletrado e num mundo da comunicação social servil). Bagão Félix veio para as TVs - que lhe deram tempo de antena simultâneo, qual ditador - explicar que o orçamento de Estado é como o orçamento das famílias e que não se podem fazer milagres.
Estas coisas passam com uma facilidade terrível e eles sabem-no. Como o sabia Salazar, cujo sucesso assentou em adaptar o ideário político ao senso-comum da sociedade rural-católica portuguesa. A direita no seu esplendor é isso mesmo. Ora, acontece que a nação não é uma família grande, e a família não é uma nação em ponto pequeno. As duas são construções ideológicas tremendas (que quer ele dizer com "família"? Que quer ele dizer com "nação"?) e nem os termos são correctos, nem muito menos a equação pode ser feita.
Mas sabem onde (re)começou tudo isto? No Euro 2004, quando inteligentemente futeboleiros, governo e mass media promoveram a histeria identitária das bandeiras. Percebe-se agora que estas coisas raramente são inocentes. E é aqui que a palavra "fascista" volta a ganhar valor (no seu segundo sentido). A estratégia comunicacional de Bagão Felix (como a de Portas com o Borndiep) é "fascista": mentirosa, demagógica, paternalista, familista-nacionalista.
Claro que cada qual socorre-se do que tem. Nos EUA, por haver apesar de tudo uma democracia a funcionar, Bush só pode jogar a cartada "fascista" através de duas vias: o militarismo patrioteiro e o moralismo sexual, atacando o Mal encarnado no Iraque e propondo a proibição dos casamentos gay. Na Rússia, que nunca viu um dia de democracia, Putin acaba de tomar o poder nas mãos, abolindo a "democracia" nas regiões, tudo em nome do combate ao terrorismo e socorrendo-se de um czarismo a que os russos estão habituados. Em Portugal, o governo socorre-se das velhas estruturas emocionais: a família com o seu chefe, a nação como grande família com o seu grande chefe.
Nunca pensei que isto viesse a acontecer: ter que usar outra vez a expressão "facho". Aqui vai: Bush é "facho". Putin é "facho". Paulo Portas é "facho". Bagão Félix é "facho".
Ontem fui à missa e gostei muito. O concerto de Madonna encheu as medidas. Curiosamente, por causa daquilo que outros poderiam considerar defeitos - quer do género musical em si, quer do percurso da artista em causa. A saber: o que Madonna apresenta é um espectáculo-pacote, uma perfeição teatral, musical, coreográfica, videográfica, etc. Não há verdadeiro contacto com o público, formatação para o local do concerto, improviso ou sequer "encore". Esta frieza agrada-me, porque se apresenta honesta, porque é o que ela quer dar e tem para dar. O prazer que senti foi o prazer de ver um espectáculo perfeito e não um evento. Em segundo lugar, a questão de supostamente estar a ficar menos rebelde, a deixar-se permear por religiosidade ou a perder energia. Ora, o cálculo milimétrico de formas de gerir a distância entre uma imagem feita no passado e aquilo que ela pode/quer fazer foi, também ele, perfeito. Ela reinventou-se, como indica o nome do "tour". Sobra, assim (e paradoxalmente) um imenso espaço para a apropriação simbólica e a identificação por parte dos espectadores: gostar de Madonna é como a frase "music makes the bourgeoisie and the rebel...", que não termina.
PS: O concerto começou atrasado. Santana Lopes começou atrasado. depois de ter chegado, o concerto começou. Deve concluir-se alguma coisa? Seja como for, o Coiso não-eleito foi devidamente vaiado.
PPS: Finalmente fiquei a conhecer TODA a propalada "comunidade" gay de Lisboa, a tal que nunca aparece na marcha e "nessas coisas exibicionistas".
Cat's Eye, de Margaret Atwood, a quem continuo "agarrado".
«They seem to me amazingly carefree. They have saved up for this trip and they are damn well going to enjoy it, despite the arthritis of one, the swollen legs of the other. They're rambunctious, they're full of beans; they're tough as thirteen, they're innocent and dirty, they don't give a hoot. Responsibilities have fallen away from them, obligations, old hates and grievances; now for a short while they can play again like children, but this time without the pain. This is what I miss, Cordelia: not something that's gone, but something that will never happen. Two old women giggling over their tea».
Passados três anos, que simboliza o onze de setembro? A meu ver, três ou quatro coisas:
1. O ataque terrorista aos EUA simboliza o agudizar da globalização. Que quer isto dizer? Que a globalização funciona em todos os sentidos e ao mesmo tempo - incluindo ataques terroristas e incluindo os EUA como alvo. Isto não significa justificar os ataques como o resultado "lógico" de uma enorme injustiça e desigualdade. Significa reconhecer que as injustiças e desigualdades têm agora válvulas de escape que já não ficam contidas em territórios obscuros para os telespectadores ocidentais.
2. A reacção ao ataque terrorista aos EUA (do Patriot Act à guerra)revela que o terrorismo fundamentalista islâmico faz sistema com o complexo militar-industrial americano, particularmente quando este é dirigido pelo tipo de reaccionarismo representado por Bush. Isto é, simplificando: Bush e Bin-Laden fazem parte do mesmo sistema (aliás, parece que já faziam antes do 9/11...)
3. Isto não significa que sejam iguais. Ou que a escala de ilegitimidade dos actos (9/11, guerra do Iraque, etc) seja a mesma. Apenas significa que quem perverte o islão no sentido do fundamentalismo e do terrorismo e quem perverte a democracia no sentido do protofascismo militarizado, está a cair na mesma armadilha. A guerra declarada por Bush e a guerra declarada pelos terroristas são uma só guerra.
Hoje alguém no Público chamava a atenção para o facto de os Europeus não terem sentido os ataques de Madrid como o começo duma guerra. É que os Europeus sabem o que são guerras - e de que maneira... Não sinto qualquer vergonha pela forma como a Europa tem encarado o mundo desde o 9/11. Pelo contrário: acho-a bem mais sábia, porque ancorada na História.
O 9/11 foi horrível e inadmissível como todos os atentados terroristas são horríveis e inadmissíveis. Tudo o resto que se diga é propaganda, criação de excepcionalismo, tentativa de criar uma dicotomia e uma nova interpretação do mundo que permita que se agudizem os termos do jogo e do sistema que Bushes e Bin-Ladens jogam.
E pronto, o Borndiep já lá vai. Acaba hoje a minha tagzinha do "Eu também sou uma woman on waves". Balanço? O principal, curiosamente, é que se ficou a conhecer melhor ainda a estratégia de Paulo Portas, a sua manipulação dos sectores (felizmente pequenos) mais fundamentalistas da sociedade portuguesa, a fraqueza (surpreendente, até certo ponto) de PSL face a(o) PP já instalado no governo. Ficou-se também a saber que existe um movimento social cada vez mais vivo, com pessoas inteligentes e aguerridas (a Cristina Santos, que já conheço do movimento lgbt, foi televisivamente óptima). Ficou-se a perceber que mais dia menos dia a lei muda; que tal deverá, agora, acontecer por via legislativa e não tanto referendária; e que temos andado, como país, a perder tempo vergonhosamente. Ficou Portugal com uma péssima e retrógrada imagem por esse mundo fora, tendo as WOW vindo encontrar aqui aquilo que só esperariam encontrar num país fundamentalista ou numa dessas pequenas repúblicas obcecadas com a ilusão da "soberania".
Nem tudo terá corrido sobre rodas. A divulgação dos remédios com efeito abortivo, não sendo novidade nenhuma, poderá ter sido apressada, ao confrontar a auto-estima da classe médica solidária com a despenalização, num país onde a honra e a aparência se sobrepõem, de forma algo rígida e demasiado séria, à receptividade a formas de propaganda e activismo mais atrevidas (foi assim que li a divulgação dos remédios e de como abortar com eles: a tragicamente irónica confirmação de que isso se faz).
Mas agora que o barco se afasta, o movimento pela despenalização tem pela frente aquela que é provavelmente (por inacreditável que pareça) a sua mais difícil tarefa: convencer o PS a colocar na sua agenda, sem sombra para dúvidas, o compromisso pela alteração da lei. Até lá, Badajoz recebe de braços abertos as clientes portuguesas: outrora caramelos, hoje abortos. Para as clientes que podem, é claro.
Para o Pagan: não deixes de ver os murais do Orozco. Este pedaço chama-se - apropriadamente para os tempos que correm e para o paganismo - "A Força Tenebrosa".
Na SIC, o Bastonário da Ordem dos Médicos, comentando o facto de Rebecca Gomperts das WOW ter indicado os remédios que referi como abortivos (esse enorme segredo revelado...), diz que as autoridades portuguesas deveriam questioná-la sobre onde os comprou sem receita (essa prática raríssima em Portugal...). Mas o mais engraçado (entre muitas aspas) foi o que terá passado despercebido à maioria dos espectadores. Ele disse: "As autoridades deveriam questionar a Drª Rebecca sobre...". A Drª Rebecca. Não a Drª Rebecca Gomperts. Ou a Drª Gomperts. Ou Rebecca Gomperts. Não. Neste tipo de frases ("O Dr. Albuquerque e Silva" versus "a Drª Adelaide" dos nossos quotidianos) está contido todo um programa de género. Interiorizado. Feito linguagem comum.
Nathalie, de Anne Fontaine. «Deux femmes. L'une est mariée, bourgeoise, active. L'autre est entraîneuse dans un bar de nuit. Catherine paie Marlène pour coucher avec son mari Bernard qui la trompe. Elle veut qu'elle lui dise tout, tous les détails» (texto)
The Safety of Objects, de Rose Troche, na FNAC Chiado, num ciclo já realcionado com o Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lx. «The secret isn't holding on to what you've got. It's letting go of what you've lost» (texto).
Ambos sólidos mas pouco entusiasmantes. Ambos sobre lives of quiet desperation... Ou de como as classes médias se vão representando artisticamente...
Aqui estão eles. Remédios para artrite, estômago, etc. À venda nas farmácias portuguesas... à portuguesa. Usados por n mulheres para abortar no país onde o Estado não as deixa fazê-lo nos hospitais. A "Maternidade e Vida" pede que Rebecca Gomperts seja presa por "incitar ao aborto". OK: peço aos fundamentalistas da M&V que façam o mesmo comigo. Aqui vai parte das bulas:
ADMINISTRATION BY ANY ROUTE IS CONTRAINDICATED, BECAUSE ITS MISOPROSTOL COMPONENT CAN CAUSE ABORTION, IN WOMEN WHO ARE PREGNANT. Anecdotal reports have been received, primarily from Brazil, of congenital anomalies and reports of fetal death in pregnancies in which misoprostol has been used as an abortifacient. PATIENTS MUST BE ADVISED OF THE ABORTIFACIENT PROPERTY AND WARNED NOT TO GIVE THE DRUG TO OTHERS. UTERINE RUPTURE HAS BEEN REPORTED WHEN MISOPROSTOL WAS ADMINISTERED INTRAVAGINALLY IN PREGNANT WOMEN TO INDUCE LABOR OR TO INDUCE ABORTION BEYOND THE FIRST TRIMESTER OF PREGNANCY. UTERINE PERFORATION HAS BEEN REPORTED FOLLOWING ADMINISTRATION OF COMBINED VAGINAL-AND-ORAL MISOPROSTOL IN PREGNANT WOMEN TO INDUCE ABORTION. IN EACH OF THESE REPORTED CASES, THE GESTATIONAL AGE OF THE PREGNANCIES WAS UNKNOWN.
WARNINGS. CYTOTEC (MISOPROSTOL) ADMINISTRATION TO WOMEN WHO ARE PREGNANT CAN CAUSE ABORTION, PREMATURE BIRTH, OR BIRTH DEFECTS. UTERINE RUPTURE HAS BEEN REPORTED WHEN CYTOTEC WAS ADMINISTERED IN PREGNANT WOMEN TO INDUCE LABOR OR TO INDUCE ABORTION BEYOND THE EIGHTH WEEK OF PREGNANCY (see also PRECAUTIONS, and LABOR AND DELIVERY). CYTOTEC SHOULD NOT BE TAKEN BY PREGNANT WOMEN TO REDUCE THE RISK OF ULCERS INDUCED BY NON-STEROIDAL ANTI-INFLAMMATORY DRUGS (NSAIDS) (See CONTRAINDICATIONS, WARNINGS and PRECAUTIONS). PATIENTS MUST BE ADVISED OF THE ABORTIFACIENT PROPERTY AND WARNED NOT TO GIVE THE DRUG TO OTHERS. Cytotec should not be used for reducing the risk of NSAID-induced ulcers in women of childbearing potential unless the patient is at high risk of complications from gastric ulcers associated with use of the NSAID, or is at high risk of developing gastric ulceration. In such patients, Cytotec may be prescribed if the patient has had a negative serum pregnancy test within 2 weeks prior to beginning therapy; is capable of complying with effective contraceptive measures; has received both oral and written warnings of the hazards of misoprostol, the risk of possible; contraception failure, and the danger to other women of childbearing potential should the drug be taken by mistake; will begin Cytotec only on the second or third day of the next normal menstrual period.
Ontem, um dos meus três países - o caçula - fez anos. Esqueci de dar os parabéns. Aqui fica um postalito feito em Ilhéus em '98. E o meu pedido de desculpas por Portugal ter enviado como presente o seu primeiro-ministro-não-eleito. Não querem ipirangá-lo?
Se a um mosaico etnolinguístico tivesse que corresponder um mosaico estatal, estávamos todos feitos. Bem: tal já aconteceu. Na Europa, ao longo do século XIX e parte do XX. No XXI tornou a acontecer, na ex-Jugoslávia. Segue-se o Cáucaso: igrejas, mesquitas, hinos, bandeiras, fronteiras, gramáticas e mortos, muitos mortos.
Nova Iorque, Madrid, Beslan... Deixemos por momentos de lado as contextualizações históricas e sociológicas para os terrorismos. Ou as manipulações demagógicas do mesmo por Bush, por Putin ou pelos neo-cons à portuguesa. Nestes ataques ocorre-me sempre pensar, isso sim, o que leva alguém a participar num ataque terrorista.
O uso da violência não é (infelizmente, e ao contrário do que gostaria Gandhi) uma questão a preto e branco. Há violências baseadas em movimentos de libertação (para evitar polémica, um exemplo seriam as resistências anti-nazis); há violências baseadas na "guerra legal" entre Estados; há violências inter-pessoais por vezes inevitáveis, como no caso da auto-defesa. Em todos estes casos, há sempre uma tentativa de construção ética, de modo a definir uma escala que vai do legitimável ao inadmissível. Por exemplo, só se ataca o inimigo armado, não se atacam civis, etc. Muitas destas "éticas" têm pés de barro, como as guerras feitas pelos exércitos "legítimos" dos Estados (onde de facto se matam civis...). Seja como for: enganadas ou não por ideologias, crenças, patriotismos, pressão social ou "sentido do dever", essas pessoas fazem o que fazem enquadradas por códigos de conduta, sistemas de sanções e legitimações sociais abrangentes.
Mas o que leva alguém a atacar umas torres com centenas de trabalhadores lá dentro? O que leva alguém a atacar um comboio cheio de passageiros? O que leva alguém a atacar uma escola cheia de miúdos? There are some seriously fucked-up people out there; but this seriously?
E é esta ausência de explicação que nos deixa atordoados. A não ser que estejamos perante um desvio diferencial, uma pequeníssima inclinação que faz com que, a partir de algo "normal", o "Anormal" com A grande despolete. O soldadinho que acredita que cumpre um dever perante a pátria, integrado no exército fardado da sua Sildávia ou Bordúria, desvia-se um nadinha e ei-lo a Cumprir um Dever perante a Pátria... e por aí fora....
Outro aspecto do timing do aborto é... a perda de tempo. Porque mais ano menos ano teremos a despenalização do aborto. Como tivemos tantas outras leis consonantes com a "tradição moderna" europeia. Tal acontecerá ou através de uma aplicação da lei à maneira espanhola; ou através de novo referendo; ou através de uma maioria de esquerda (sem Guterres) na AR.
E essa lei - e agora comento de certo modo os comentários ao post anterior - definirá, como todas as leis de aborto por essa Europa fora, um prazo de x semanas para abortar. Porque todas as leis de aborto caminham sobre um paradoxo: despenalizam a prática até um certo tempo apenas, e consideram sempre o aborto algo no mínimo "estranho".
Não será aqui o sítio para discutir o carácter "construído" (até pelas confusões que a expressão gera...) das ideias de maternidade, de ser humano, de criança, etc. Mas convém não esquecer a "normalidade cultural" do infanticídio à nascença em muitas épocas e culturas; ou da entrega de recém-nascidos a outrém para "criar" (algo de socialmente diferente da actual adopção), e por aí fora. Não será o sítio ou o momento para isso, até porque é com esta cultura e este tempo que estamos a lidar.
Mas, no plano das convicções e dos princípios, faz-me imensa confusão ver tanta hesitação em aceitar o argumento do "direito da mulher sobre o seu corpo". Troque-se "mulher" por "homem" e desaparece a hesitação, não é? Dir-me-ão que é por causa da especificidade de estar em causa uma outra vida humana potencial. Ao que se seguiria, eventualmente, uma discussão sobre "quão vida", "a partir-de-quando-vida", "e porque não aos sete meses?", and so on.
Bom, na realidade (e partindo do princípio algo absurdo e pouco provável de que uma mulher se teria "esquecido" de tomar uma decisão sobre querer ou não prosseguir a gravidez), a partir do momento em que o feto seja viável fora do útero, ele pode ser "nascido" e não ser abortado; com certeza que o Estado e as pessoas preocupadas com a "Vida" poderão/deverão ocupar-se desse ser indesejado, não é? Até ao momento em que não seja viável fora do útero, a mulher grávida deve ter o direito de decidir o que fazer.
PS: Outra questão que muitas vezes se coloca é a do "direito do 'pai'". Mas é perfeitamente assustador que alguém possa admitir que, não querendo a mulher prosseguir a gravidez que lhe acontece, possa ter que o fazer porque alguém reivindica o "futuro" produto do seu "investimento" em material genético no "terreno de cultivo" de outrém... Convém não confundir princípios ou propostas legislativas com a forma como as pessoas concretas vão depois gerir os seus afectos e relações. Isso é com elas. Os direitos (e deveres) é com todos.
PPS: Nunca é de mais dizê-lo: as minhas posições não são necessariamente (e sei que não são) as das pessoas com quem colaborei e colabora em campanhas pela despenalização. Nem os propósitos dessas campanhas são necessariamente consonantes com a minha "visão do mundo"... ou da "vida".
Às vezes receio que em Portugal (como, provavelmente, na Irlanda ou na Polónia) possamos ter perdido o "comboio do aborto" - isto é, o timing para a alteração das leis que criminalizam quem aborta.
Isto é: em muitos países, a descriminalização deu-se quando as políticas de planeamento familiar e educação sexual não se tinham ainda democratizado e massificado; quando a igualdade de género não se tinha ainda tornado mais visível (por muito enganadora que seja) nas várias áreas da vida em sociedade; numa época em que a agenda feminista não tinha ainda apanhado com o backlash; numa época em que o neo-liberalismo na economia, o neo-conservadorismo na política e o individualismo metodológico nas ciências sociais não tinham ainda obtido ganhos significativos; numa época em que ainda não tinham ocorrido avanços técnicos que hoje ajudam a modificar as percepções - das imagens ecográficas de fetos até aos "medos" suscitados pelos avanços da biogenética. E por aí fora - incluindo o crescente desinteresse popular pelo exercício da democracia e do voto....
Todas estas coisas - por muito paradoxal que isto possa parecer relativamente a algumas delas - têm sido benéficas para o campo anti-escolha. Alguns argumentos clássicos pró-escolha colhem cada vez menos: os de "saúde pública", os do "vão-de-escada", os das dificuldades económicas, os da ignorância, etc. Ou porque houve transformações significativas nas realidades que há 15 ou 20 anos os sustentavam, ou porque houve transformações significativas nas percepções da sua relevância. Ou ambas as coisas.
Pessoalmente, continuo a achar que a decisão de abortar é um direito da mulher a decidir o que se passa no seu corpo, e um embrião/feto é algo que se passa no seu corpo, independentemente de ser uma "forma de vida". Nisto sou bem mais radical do que a maioria dos pró-escolha. Assim como continuo a achar que o "argumento" da vida por parte dos anti-escolha assenta numa perigosa demagogia de cariz confessional que deveria ser mais acirradamente desmontada e contra-atacada.
Mas no plano político e mediático os argumentos pró-descriminalização têm cada vez mais que centrar-se na questão das mulheres em tribunal. Nas condições actuais é talvez a única via que pode mobilizar maiores consensos e conduzir a uma eventual vitória num referendo (mais difícil a cada dia que passa, não só pelas razões expostas no primeiro parágrafo como pela crise da participação cívica na democracia). Mas seria sobretudo o melhor argumento para permitir a uma maioria de esquerda no parlamento a alteração legislativa sem referendo - e possivelmente alargando o campo a alguns votos PSD. Foi uma estratégia semelhante que seguimos no movimento da petição do ano passado - e que juntou tanto pessoas como eu, como católicos que certamente têm ressalvas em relação ao abortamento em si.
Este meu desabafo tem uma origem e um propósito: declarações cada vez mais audíveis de algumas personalidades que afirmam que os termos do debate estão equivocados (o que poderá conduzir a maior desinteresse popular); e "análises" que, por muito mal intencionadas que sejam, não deixam por isso de ter um fundo de verdade. Ouçamos o que o "campo intermédio" diz (aqueles que, não estando do lado pró-escolha, não pertencem ao campo fundamentalista), porque isso será útil para levar a bom porto a alteração da lei. Não porque estejam cheios de razão, mas porque normalmente sinalizam bem "o que anda por aí". O cabeleireiro da Zita Seabre existe mesmo, hélas...
Alterada a lei, todos e todas poderemos, então, defender e aplicar em consciência o que melhor acharmos: desde o aborto como direito de escolha da mulher, até à "Vida" como bem supremo. Desde o aborto num hospital do Estado, até à busca de apoio (suponho que financeiro?) numa das tão propagandeadas casas das associações "pró-vida".
PP: Partido Popular, Paulo Portas, Primeiro-Ministro de Portugal e Presidente de Portugal.
A verdadeira vitória oferecida inadvertidamente pelas holandesas da WOW (e daí elas não terem de início percebido por que os portugueses simpatizantes lhes diziam que a proibição estava a ser uma vitória) foi o caso ter ajudado a comprovar sem sombra de dúvida que Paulo Portas manda no governo; que PSL é bem mais fraco e incompetente do que muita gente imaginava e está refém do PP; e que Jorge Sampaio desapareceu mesmo do mapa político.
PSL conseguiu dizer uma coisa ("nem as sociedades são estáticas, nem as leis são estáticas, nem os referendos são estáticos") e o seu contrário no dia seguinte (com certeza depois de Portas lhe ter dado um raspanete ou apresentado uma qualquer chantagem). Ao mesmo tempo, as virgens ofendidas do largo do Caldas fazem uma escandaleira por causa de uns grafitos nas suas paredes. Convém esclarecer duas pequenas coisas: a) os grafitos são por natureza clandestinos, isto é, ninguém os reivindica, pelo que não são passíveis de disputa política séria; b) e mesmo assim, estavam assinados com um "A" anarca, coisa absolutamente sem relação com o Bloco, o visado pela deliciosa expressão "extrema-esquerda".
Quando se diz que a proibição da entrada do barco das WOW foi uma vitória oferecida pelo governo está a reconhecer-se que neste país (ou em todo o lado) as coisas só acontecem quando passam pelos media - e quando passam por eles enquanto "polémica", "bronca", "escândalo". Bem sei que "as coisas são mesmo assim". Mas não é triste que "as coisas sejam mesmo assim"? Se já temos um associativismo fraco e cidadãos desinteressados, como ficarão as coisas/a política quando o único espaço que sobrar for o da telemediação escandalosa?
Latter Days, de C. Jay Cox. Descarregada da net esta pequena surpresa. Um missionário mormon e um rapaz algo fútil de L. A. mudam-se mutuamente através duma emoção e dum discurso chamados "amor".
Pacheco Pereira diz que o PP funciona em lógica de espelho com o BE: duas organizações radicais. Diz ainda que o resultado do "extremismo" das Women on Waves e das acções promovidas por grupos que ele considera pertencentes ao BE será contraproducente para a alteração à lei do aborto (sendo ele partidário da despenalização). No campo do actual governo, que Pacheco Pereira não apoia, Santana Lopes prossegue a estratégia do polícia bom, afirmando que a lei poderá ser mudada (como e em que sentido, não diz). Na realidade, está desesperadamente a tentar safar-se da armadilha que Portas, o polícia mau, armou, radicalizando com o recurso à tropa. É que os "radicalismos" em espelho a que Pereira alude não diminuem por vontade própria dos protagonistas. Tal só acontecerá quando o PS se tornar mais afirmativo e transparente nas suas opções e projectos políticos. No fundo, quando se parecer mais com o actual PSOE. Todas as queixas sobre a instrumentalização do aborto por parte da "extrema"-esquerda - ou estes receios de que a lei nunca mude se certas pessoas gritarem alto - são como pedir a um actor que não cumpra o papel que lhe está destinado. Sobretudo numa sociedade onde a mobilização cívica é mínima (viu-se ontem na manif, apesar de convocada quase exclusivamente pela net), e onde a grande organização comunitária é a ICAR, apostada numa política de criação de atrito à modernidade.
O governo lembrou-se hoje de "convidar" as WOW para um debate na Figueira da Foz. Mas o barco continua a não poder atracar. É assim como convidar alguém para uma conversa, mas por telefone, porque não é bem-vinda em casa. As WOW recusam o "convite" nestas circunstâncias. A sua vinda é já um grande sucesso: se calhar não tanto pela questão do aborto, mas pelo timimg da visita, demonstrando as frágeis bases em que assenta este "governo", o golpismo de Portas, a nulidade executiva de PSL, a inexistência política do PR. E confrontando o PS com a necessidade de abarcar as causas civilizacionais modernas.
É ali: nas traseiras da Assembleia da República, no cruzamento da Calçada da Estrela com a Borges Carneiro. O primeiro-ministro não eleito mora lá e vamos protestar contra a proibição do barco das Women on Waves. Daí a nada, às 18h. Larguem os ecrãs, tá? (oferta válida exclusivamente para alfacinhas e espécies vizinhas).
Estava tranquilamente a almoçar, à espera que uma loja abrisse após o seu intervalo para almoço de duas-horas-duas. Para me entreter comprei A Capital. Não compro normalmente; não tenho nada contra (não é como o Expresso, que não compro activamente há já dois anos), mas não compro. De repente dou com uma página inteira intitulada "Opinião. Blogmania". Um terço dela é ocupada com a transcrição de um post deste meu tamagochi, perdão, blog. Assinada com o meu nome e tudo.
A coisa é esquisita. É que ninguém me pediu autorização. Por outro lado, fico grato pela publicidade. Mas. Mas acontece que escrever para um jornal sabendo que se está a escrever para um jornal é diferente de escrever para um blog (sobretudo não sabendo que um jornal vai transcrever). Escrevi crónicas para um jornal durante muitos anos e sei do que falo: nelas concebe-se uma audiência mais difusa e heterogénea, pelo que a linguagem e os conteúdos mudam. Já num blog, estas vão-se adaptando a uma "comunidade" que se vai criando ao correr do blog. Além disso, tal como com as cassetes de VHS, não sabemos ainda muito bem o que vai acontecer a estas coisas que ciberescrevinhamos. Ao passo que o que se escreva (ou seja por nós escrito...) n' A Capital ficará para sempre arquivado em hemerotecas e na Biblioteca Nacional. É difícil explicar, mas ainda são media diferentes, com mensagens diferentes, com identidades de autor diferentes.
Por favor, façam-me o favor de fazer um bocadinho de jornalismo de investigação sobre duas coisitas.
A primeira, assim leve, é sobre o avião da "Yes". Lá no fundo da minha cabeça creio ter a informação de que os Lockheed TriStar já não são usados por praticamente ninguém, por há muitos anos se ter descoberto que não era um avião seguro. Dá para saber o que aconteceu noutros países? Por exemplo, nos EUA, onde o aparelho foi feito? Agradecia. É que a probabilidade de morrer gente dentro em pouco está a aumentar a olhos vistos.
A segunda, mais pesadota, é sobre os concursos e colocações de professores. Dá para saber como é noutros países? Por exemplo em Espanha, que é aqui mesmo ao lado/dentro? É que parece-me um bocado bizarro que os professores circulem todos os anos, em cima da hora do começo das aulas, sem ligação fixa às escolas. Isto é normal? E é normal apenas porque é assim há um ror de anos? Ou em normal porque é em Portugal (rimam e tudo)?
Ontem, dois debates sobre aborto em simultâneo em dois canais. Ficámos a saber que Zita Seabra descobriu o cabeleireiro. Ficámos também a saber, graças a esta senhora que não sabe nada de coisa nenhuma mas mesmo assim é convidada para um debate, que é nos cabeleireiros que se toma o pulso ao país e não através da investigação. Porque é que ela não regressa à clandestinidade? Podia ir sossegada, se antes tirasse um curso de cabeleireira.
Agora a sério: Manuela Tavares e Helena Pinto confirmaram que existe (ainda ou já) feminismo em Portugal. Pedro Vasconcelos voou para lá da imagem comum dos académicos na TV e irritou-se como qualquer pessoas de bom senso se irritaria. Nomeadamente com a Senhora Dona Tété, das Mulheres em Acção, cujas ideias perversamente confusas de caridade e castigo, constituem uma verdadeira Tétéologia. Helena Roseta deveria ser candidata a secretária-geral do PS. Num outro canal, passava uma reportagem sobre as Women on Waves na Polónia. Se a tivesse visto na época teria dito "em Portugal vai ser diferente". Não foi.
Quando fizemos a campanha para um novo referendo do aborto, não havia governo de um primeiro-ministro não eleito com prazo de validade garantido por um presidente da república que desprezou os eleitores. Agora o que é preciso é clarificação de promessas eleitorais para daqui a dois anos. Clarificação do PS, claro. Para que, se ganhar e se houver maioria de esquerda, mudar a lei de vez, perdida que foi a oportunidade por culpa de Guterres - o homem em quem não votarei para PR nem morto.
Era preciso fazer esquecer a vergonha das cassetes e do PGR e, sobretudo, o barco das Women on Waves. Uma juíza de turno fez o serviço (é para isso que está "de turno"). A sua "argumentação" sobre o perigo para os jovens bronzeados que circulam a altas horas pelas ruas seria de morrer a rir se ela não tivesse o poder que tem. Se ela tivesse que tomar conta do caso Women on Waves com certeza que argumentaria sobre a falta de pudor daquelas mulheres embarcadiças, uma tentação para machistas anti-escolha à procura de vítimas.... A pergunta que se impõe é, pois: quais os critérios de avaliação que presidem à selecção de pessoas para juízes e juízas?
Paulo Portas, do alto da sua autoridade de sub-chefe das tropas, declarou "encerrado" o assunto Women on Waves. Jorge Sampaio, o chefe das tropas, emitiu um suspiro de indignação e exigiu explicações sobre todo o processo dias depois de este ter tido início. Quase em simultâneo, o p-m não eleito Santana Lopes sai do silêncio para que o golpe de Portas o remetera e resolve fazer de polícia bom: "as senhoras do barco são bem-vindas para debater".
Merecem-se uns aos outros. Não nos merecem é a nós.