OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


9.9.04  

Abortos e caramelos.

E pronto, o Borndiep já lá vai. Acaba hoje a minha tagzinha do "Eu também sou uma woman on waves". Balanço? O principal, curiosamente, é que se ficou a conhecer melhor ainda a estratégia de Paulo Portas, a sua manipulação dos sectores (felizmente pequenos) mais fundamentalistas da sociedade portuguesa, a fraqueza (surpreendente, até certo ponto) de PSL face a(o) PP já instalado no governo. Ficou-se também a saber que existe um movimento social cada vez mais vivo, com pessoas inteligentes e aguerridas (a Cristina Santos, que já conheço do movimento lgbt, foi televisivamente óptima). Ficou-se a perceber que mais dia menos dia a lei muda; que tal deverá, agora, acontecer por via legislativa e não tanto referendária; e que temos andado, como país, a perder tempo vergonhosamente. Ficou Portugal com uma péssima e retrógrada imagem por esse mundo fora, tendo as WOW vindo encontrar aqui aquilo que só esperariam encontrar num país fundamentalista ou numa dessas pequenas repúblicas obcecadas com a ilusão da "soberania".

Nem tudo terá corrido sobre rodas. A divulgação dos remédios com efeito abortivo, não sendo novidade nenhuma, poderá ter sido apressada, ao confrontar a auto-estima da classe médica solidária com a despenalização, num país onde a honra e a aparência se sobrepõem, de forma algo rígida e demasiado séria, à receptividade a formas de propaganda e activismo mais atrevidas (foi assim que li a divulgação dos remédios e de como abortar com eles: a tragicamente irónica confirmação de que isso se faz).

Mas agora que o barco se afasta, o movimento pela despenalização tem pela frente aquela que é provavelmente (por inacreditável que pareça) a sua mais difícil tarefa: convencer o PS a colocar na sua agenda, sem sombra para dúvidas, o compromisso pela alteração da lei. Até lá, Badajoz recebe de braços abertos as clientes portuguesas: outrora caramelos, hoje abortos. Para as clientes que podem, é claro.


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