Bagels. Descobri uma padaria em Lisboa que faz bagels, o meu pão favorito. Imediatamente conjurou-se-me (?) uma memória agradável: os brunches da minha família judia em Baltimore, com bagels frescos, queijo creme e salmão. Porque serão as memórias de prazer puro mais vezes memórias em torno da comida do que em torno do sexo? Além da hipótese de eu não ser "normal", creio que se deve ao facto de o prazer da comida ser um prazer de consumo simples e unidireccional; já o sexo tem as "trapalhadas" implícitas a uma qualquer espécie de relação - por muito fortuita que seja.
Sexo. A propósito de memórias e sexo: as recordações de prazer com p grande estão, no meu caso, todas ligadas a situações de apaixonamento e conjugalidade. Quando descobri que tinha a "inclinação conjugal", descobri a minha "natureza" e passei a ser muito mais feliz. Mas sinto-me na obrigação de dizer: não há qualquer juízo de valor nisto, pois acho que há gente para tudo, da conjugalidade ao sexo ocasional ou a essa coisa que agora infelizmente se chama "promiscuidade". A única bitola é encontrar a sua "natureza".
Máxima: pode-se ser provinciano na cidade e cosmopolita na província. Comprovo-o todos os dias.
Socrático. Possível frase para a semana LGBT dos próximos anos, reivindicando mais direitos: "Sócrates: isto não é uma questão platónica!"
Jacarandá. Cada vez mais comentadores convergem (para uma ideia que eu próprio me "orgulho" de ter tido): este governo não consegue sequer fazer o que desejava fazer e nos assustava que fizesse - ser competente no seu golpe de Estado. A imbecilidade da direita arrivista está no seu pleno esplendor. Qual jacarandá, a flor depressa cai. Oxalá.
Ecografia. Na secção de Computadores do Público mostram como já é possível obter imagens realistas da cara dos fetos nas ecografias. Já por várias vezes reflecti sobre o "problema" que as ecografias causam, a saber, a humanização e personalização do feto. Junto com isto, muitas pessoas já não fazem simples listas de nomes a dar ao bébé quando nascer: muitas agora "baptizam-nos" ainda na gravidez e referem-se a ele/ela com um só nome, inalterável até ao nascimento, tal é o grau de confiança no bom sucesso da gravidez, graças aos avanços médicos. Nada disto é problemático se, a montante, estiver uma decisão informada pela continuação da gravidez no seu início, e numa situação de acesso pleno a educação sexual, planeamento familiar e liberdade de terminar a gravidez. Mas, na ausência disto, estes "progressos da ciência" funcionam paradoxalmente a favor da agenda anti-aborto. Impõe-se a pergunta: para quê desnvolver técnicas de representação realista da cara do feto?
Orgulhosamente sós. Na sala de espera dum médico. Revista cor-de-rosa. Artigo sobre aborto e WOW. Uma foto mostra uma família numerosa. No fundo vê-se um painel de "azulejos do século XVII" e, sobre uma mesa, um desses santos em talha dourada. Old money (ou pretensão a tal). As crianças - umas doze?, treze?, vinte e sete? - ostentam os sorrisos treinados em múltiplas sessões de fotografia familiar (onde todos, mesmo se estivermos deprimidos, aprendemos a ostentar a mais radiante felicidade). O pai é citado: "Não temos nada a aprender com a Holanda". Nesta frase, "não temos nada a aprender", está contido todo um programa: isolacionista, tolamente orgulhoso, anti-cosmopolita, reaccionário.
Prepotência. Por que se espera tanto nos médicos? Hipótese A: por manifesta incapacidade de planeamento e gestão de agenda. É a hipótese da ignorância e incompetência; hipótese B: por pura e simples ganância, querendo mais e mais gente, logo mais e mais dinheiro, mesmo que o serviço seja pior (já que o modo como se chega ao médico se baseia mais na "fama" do que numa avaliação informada); hipótese C: por prepotência, uma velha característica das relações de classe entre nós (sendo que, entre nós, ser médico privado é sinal de superioridade social). Mas as coisas não têm que ser assim: o meu dentista, por exemplo, não faz overbooking, atende à hora combinada, de caminho stressa menos e atende melhor. Provavelmente ganha menos dinheiro que outros, mas ganha bem. A diferença entre reconhecer que se ganha bem e querer desesperadamente ganhar mais, é uma diferença ética que faz toda a diferença.
PS: diz-me a família na Bélgica que lá o médico privado atende num pequeno gabinete onde ele próprio faz de secretária e recebe o dinheiro; o tratamento não implica salamaleques com "senhores doutores" e humilhações do género, mas apenas cordialidade burguesa, onde ambos, médico e paciente, são monsieur/madame. As horas são escrupulosamente cumpridas.