OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


2.9.04  

Uma estranha vitória.

Pacheco Pereira diz que o PP funciona em lógica de espelho com o BE: duas organizações radicais. Diz ainda que o resultado do "extremismo" das Women on Waves e das acções promovidas por grupos que ele considera pertencentes ao BE será contraproducente para a alteração à lei do aborto (sendo ele partidário da despenalização). No campo do actual governo, que Pacheco Pereira não apoia, Santana Lopes prossegue a estratégia do polícia bom, afirmando que a lei poderá ser mudada (como e em que sentido, não diz). Na realidade, está desesperadamente a tentar safar-se da armadilha que Portas, o polícia mau, armou, radicalizando com o recurso à tropa. É que os "radicalismos" em espelho a que Pereira alude não diminuem por vontade própria dos protagonistas. Tal só acontecerá quando o PS se tornar mais afirmativo e transparente nas suas opções e projectos políticos. No fundo, quando se parecer mais com o actual PSOE. Todas as queixas sobre a instrumentalização do aborto por parte da "extrema"-esquerda - ou estes receios de que a lei nunca mude se certas pessoas gritarem alto - são como pedir a um actor que não cumpra o papel que lhe está destinado. Sobretudo numa sociedade onde a mobilização cívica é mínima (viu-se ontem na manif, apesar de convocada quase exclusivamente pela net), e onde a grande organização comunitária é a ICAR, apostada numa política de criação de atrito à modernidade.

O governo lembrou-se hoje de "convidar" as WOW para um debate na Figueira da Foz. Mas o barco continua a não poder atracar. É assim como convidar alguém para uma conversa, mas por telefone, porque não é bem-vinda em casa. As WOW recusam o "convite" nestas circunstâncias. A sua vinda é já um grande sucesso: se calhar não tanto pela questão do aborto, mas pelo timimg da visita, demonstrando as frágeis bases em que assenta este "governo", o golpismo de Portas, a nulidade executiva de PSL, a inexistência política do PR. E confrontando o PS com a necessidade de abarcar as causas civilizacionais modernas.


mva | 01:34|