OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.8.04  




mva | 21:02|


30.8.04  

Esta é a sério.

CONCENTRAÇÃO DE PROTESTO CONTRA A DECISÃO DO GOVERNO DE IMPEDIR A ENTRADA EM ÁGUAS PORTUGUESAS DO NAVIO DAS WOMEN ON WAVES: 4ª FEIRA, DIA 1, 18H, FRENTE À RESIDÊNCIA OFICIAL DO PRIMEIRO-MINISTRO.

Passem palavra. A gesta marítima portuguesa continua (he, he!).


mva | 22:47|
 

People on Waves.


Géricault, Le Radeau de la Méduse (1819)


Turner, The Shipwreck (1805)

mva | 19:16|
 

Bloco-notas do Verão dos últimos dias.

1. Descobriu-se que um dos incendiários era bombeiro. É assim como Santana Lopes ser primeiro-ministro.
2. João Soares tem razão: se a esquerda estiver no poder, o aborto deve ser despenalizado na AR. A petição pelo referendo foi feita em circunstâncias políticas específicas: um governo de direita que recusava qualquer alteração na lei do aborto.
3. Sócrates fala dos "zangados com a vida". Odeio esta tendência actual para falar mal das pessoas que se queixam ou que não têm suficiente "optimismo" ou "orgulho nacional" ou outras qualidades do tipo... É o argumento de quem não tem argumentos, mas apenas oportunismo e "capacidade de adaptação" à situação. É argumento de quem desistiu de ser de esquerda.
4. A propósito: ouvi hoje uma canção execrável do Luís Represas, com um texto de um nacionalismo digno do Estado Novo. É que agora que "não há ideologias" o vazio é preenchido pelo nacionalismo. Não tarda nada, os que se estão maribando para a pátria, como eu, serão acusados de "desvio" ou "tara".
5. Constatação: em Portugal não há um único jornal diário (ou semanário...), estação de rádio ou TV que seja "de esquerda". E ainda se queixa a direita de que o senso comum passado pelos media é de esquerda!
6. Que tem o Presidente da Comissão Europeia e primeiro-ministro foragido de Portugal a dizer sobre o golpe de gabinete de Paulo Portas (a propósito das Women on Waves) no governo de Santana Lopes com que nos deixou?
7. Festa em casa de pessoas amiga. Várias pessoas na casa dos vinte contem histórias sobre a precariedade; sobre "contratos" em que se não é remunerado; sobre "estágios" e "formações" e toda a espécie de exploração do trabalho. Ocorre-me pensar que este novo "modelo" laboral não terá qualquer efeito semelhante ao de países como os EUA; em termos de mobilidade, flexibilidade, etc. Porque num país como o nosso, familista, de cunhas e compadrio, a precariedade só aumentará a dependência dos jovens em relação a pais e Estado. Resultado: as mentes serão ainda menos livre e autónomas.
8. Há pessoas que, de facto, não podem correr o risco de fazer o seu coming out, por razões de emprego e outras. Mas há muita gente para quem o silêncio é apenas o investimento necessário para obterem o prémio da promoção e do poder. Penso, sobretudo, nas pessoas na esfera do poder político. Malditas sejam.

mva | 18:58|
 

LIDO.



The Edible Woman foi escrito antes da teoria feminista e do movimento das mulheres. A personagem principal vive nesse mundo. Não tem palavras - não existem ao seu redor palavras e conceitos - para descrever e interpretar o mal-estar que vai sentindo à medida que o casamento se aproxima. É o seu corpo que fala por ela. Aos poucos, vai deixando de comer toda a espécie de alimentos. "Come-se" a si própria, "consome-se". A catarse dá-se quando, num repente, confecciona um bolo em forma de mulher, que dá a comer ao noivo...

mva | 18:39|
 

VISTO.



Cho Revolution, espectáculo de Margaret Cho em DVD. Mais um da minha stand-up favorita (sem qualquer relação com o que em Portugal passa por stand-up). Ligeiramente inferior aos outros, começando pelo facto de Margaret ter emagrecido (e há, de facto, pessoas que ficam mais charmosas com uns quilos a mais). Mas ela continua, sem rodeios, a contribuir para o grande arco-íris liberal americano (já agora, parabéns pelas manifs de ontem!): anti-Bush, pró-minorities, contra a hipocrisia: uma verdadeira terrorista cultural!

PS: Manifs de ontem, em NYC, é claro. Em Lisboa, alguém teve a infeliz ideia de convocar uma manif para o Ministério da Defesa, num Domingo, às 15h. Hello! Domingo! 15h!

mva | 18:13|


28.8.04  

Regresso às trevas.

Regresso hoje a Lisboa. Isto é, regresso hoje à realidade. Isto é, acaba hoje a ilusão de paz que horas de praia proporcionam, e vêm aí as trevas. Não, não se trata do trabalho ou das obrigações, quase todos agradáveis ou suportáveis. Trata-se de regressar à realidade do país onde o governo proíbe a entrada em águas nacionais do barco da Women on Waves.

O governo do primeiro-ministro não-eleito, na sequência da fuga do primeiro-ministro eleito, da tibieza política do Presidente da República, e refém da extrema-direita, da seita católica-romana e da oligarquia cleptocrática, resolveu seguir o caminho do confronto; ao contrário do que aconteceu nos outros dois países sujeitos ao jugo católico e a leis anti-escolha, anti-mulheres e anti-direitos humanos no campo da sexualidade e reprodução - a Irlanda e a Polónia.

À primeira, poderíamos pensar que a decisão é de confrontação. Mas tal só seria possível se PSL e PP contassem com forte apoio social e/ou eleitoral. Eles sabem que não. O que vem aí, então? Provavelmente a "solução à portuguesa": satisfazer a direita medieval no primeiro momento, e logo "ceder" um pouco para parecer "moderno". PSL já deu a entender isso, ao "elogiar" a absurda proposta de Freitas do Amaral. E hoje, o Expresso online noticia que o CDS está disponível para desvincular o PSD do acordo eleitoral anti-aborto (o órgão da oligarquia portuguesa faz disto uma notícia em letra grossa, só depois seguida, em letra pequena, da notícia da proibição da entrada do barco...).

Já se está mesmo o que é que vai acontecer: uma "solução" de meias-tintas, com a continuação da proibição do aborto e uma "simpática" alteração legislativa que tornará inexequíveis as decisões dos tribunais de condenarem as mulheres. No fundo, o equivalente político da hipocrisia nacional face à sexualidade, ao controlo da reprodução e às mulheres. Apoiada por muita gente, desde logo aquelas mulheres que, com o auxílio erotizante das revistas cor de rosa, sonham dormir com um primeiro-ministro não-eleito e, caso se torne necessário, serem por ele conduzidas a 200 à hora, A-6 fora, até à Clínica dos Arcos em Badajoz, a mesma que tranquilamente anuncia os seus serviços nos jornais portugueses. (Depois do desmancho, um beijinho terno - a palmadinha no rabo é para outras circunstâncias -, um cheque para pagar a conta, e um jantar numa pousada do Alentejo, que as mulheres também têm que comer).

Só espero que as Women on Waves e os promotores portugueses decidam confrontar o governo, insistindo em entrar em águas nacionais e fazendo-se deter. Para que a vergonha seja conhecida em todo o mundo e não se fique, à "nossa" maneira, no segredo das casas, no segredo das famílias, no segredo dos casais - esse imenso arquipélago de campos de concentração com naperons de renda que sustenta a existência triste, apagada, bisonha, resignada e sofrida da maioria das portuguesas.




mva | 12:39|


24.8.04  

Já que interrompi...

... continuo. Às vezes uso expressões que os mais novos não devem compreender. "Fogo sobre o camarada x" era o tipo de expressão que os MRPPs usavam contra os seus renegados e banidos nos idos da "revolução". Pessoas como Durão Barroso devem ter utilizado a expressão.

A propósito da vinda das Women on Waves (finalmente já se pode falar do assunto...), o Público refere a situação portuguesa, dizendo às tantas que Barroso não quis o referendo por causa dos compromissos eleitorais que assumira. É giro: esta afirmação foi feita por quem fugiu do país a meio do mandato para que foi eleito, apenas com a justificação de subir na vida.

Ontem a ONU comemorou um dia de memória da escravatura. Aparentemente o ano de 2004 estava dedicado à memória da escravatura. Deu-se por isso entre nós? Não. E, no entanto, este país fez-se com a escravatura, com o comércio de escravos. Onde está o simbólico pedido de desculpa? No mesmo lugar onde vai estar, para o ano, a evocação do grande pogrom do Rossio, aliás no lugar onde está hoje o Teatro D. Maria... (já agora: "auto-da-fé" é das poucas palavras que transitaram directamente do português para o inglês, junto com "cuspidor" - recipiente para onde se cuspia).

PS: incluí as Women on Waves na lista de blinks.

mva | 13:07|
 

"Fogo sobre o camarada Santos!"

Uma breve interrupção no modo de subpostagem para banir um comentador: Nuno Santos é o mesmo que o famigerado MMG, conclusão a que cheguei depois duma busca de IPs. "Ambos" postam a partir de Macau. No fundo, faz sentido: a homofobia dá-se bem quer com a cleptocracia das nossas elites no fim da "administração portuguesa", quer com a actual ditadura chinesa e a economia da mafia dos casinos. Gente desta não tem voz aqui. Esperemos agora para ver qual a nova máscara com que aparecerá, vindo das profundas da repressão sexual.

mva | 13:06|


21.8.04  

Zamba. Em subpostagem até ao fim do mês...



mva | 02:07|


20.8.04  

...no navio grego Zeus...



Teixeira Gomes foi eleito presidente da República Portuguesa em 1923. Em 1925 resignou e sete dias depois partiu no navio grego "Zeus" e nunca mais regressou a Portugal. Escritor, a sua obra com fortes traços homoeróticos confirmou-o como um não-tão-armariado-assim político homossexual.

Hoje, não se percebe a propósito do quê, e sem nenhuma destas referências (e antes de um também inexplicado artigo sobre Mishima), o Público (pelo menos online) publica este excerto:

«Então o rapaz, depois de olhar entre envergonhado e receoso para o meu grupo, principiou a despir aquela quantidade de trapalhadas em que os pescadores se envolvem, mesmo de Verão, quando vão para o mar. E apareceu admiravelmente bem proporcionado e forte, com um tronco de coiraça grega, abaulado no peito e estio no ventre, os quadris estreitos, mas as coxas volumosas e de formidável musculatura. Tirante os pulsos, o pescoço e os pés, que andavam tostados do sol, todo ele era de uma brancura marmórea. De pé, na borda da lancha, erguendo os braços e juntando as mãos, tomou um leve balanço e jogou-se à água, sumindo-se entre os peixes.»

mva | 13:41|
 

João Soares.

Por que carga de água havemos nós - eleitores em geral, e pessoas de esquerda em particular - de achar que as eleições no PS são assunto do PS? Sendo o PS, por enquanto, um dos dois partidos "de governo" neste país, e sendo, apesar de tudo, o que se situa mais "à esquerda", as suas eleições podem ser vistas como primárias (no sentido americano...). Para quê esperar por artigos de ilustres do PS para defender esta ou aquela candidatura? Pela parte que me toca, aqui fica a minha opinião: João Soares é o candidato mais interessante e aquele que, do ponto de vista das ideias, postura e projectos, mais poderia inflectir o percurso de amolecimento do PS.

mva | 12:47|


19.8.04  

VISTO.



The Company of Strangers (de Cynthia Scott, Canadá, 1991, VHS). Sete mulheres de idade avançada fazem uma excursão no campo canadiano. O autocarro avaria. Têm que ficar numa casa abandonada que encontram. Têm que procurar comida e resolver questões práticas, difíceis para corpos que já não funcionam muito bem. Aos poucos vão-se conhecendo melhor, recordando, discutindo a filosofia de vida para os tempos mais próximos. O filme, feito com actrizes amadoras, funciona como um documentário: sobre mulheres e sobre velhos. Muito bom.

mva | 22:00|
 

Filosofia de fim de tarde.

Será possível ser racional sem ser frio e cínico? Será possível ter uma ética para a vida sem prescindir de uma poética?

Vivemos rodeados de pessoas que falam da lógica das carreiras, que falam do sucesso, da fama. Pessoas que falam de esperança, de sorte. Pessoas que falam de , de crença. Pessoas que acreditam em horóscopos. Pessoas que se fazem consumindo mais do que produzindo. Pessoas que elogiam o auto-interesse e o egoísmo, assim como pessoas que exageram na defesa da abnegação e do sacrifício. Pessoas que vivem para os amanhãs que cantam e as utopias, ou para a ordem e a tradição.

Todas as expressões em itálico parecem-me ridículas. Ou enganadoras. Ou falsas. Vivemos um tempo que mistura de forma eficaz (terrivelmente eficaz) duas coisas opostas: uma espécie de hedonismo auto-gratificante com uma espécie de espiritualidade new age cheia de anjos e rebuçados. A espiritualidade dominante não é espiritualidade, é bricolage de seitas e modas. Assim como a suposta racionalidade dominante não é racionalidade, mas sim uma fé economicista no mercado que se (re)apresenta como racional.

Respondendo às perguntas iniciais, um exemplo: uma pessoa querida tem morte anunciada. Hipóteses: 1) desesperar, achar que é a pior coisa do mundo, que só pode acontecer a nós (e à pessoa...) e entrar em depressão, deprimindo também o moribundo; 2) iludir, recorrendo a rezas e santos e virgens e reencarnações e espiritismos, assim protelando a questão (ou acreditar piamente que há um médico - ou um bruxo - algures que resolverá o problema). Mas há outra: perceber que a ameaça de morte não é ainda a morte; que a pessoa está viva enquanto estiver viva; que o tempo de vida que lhe resta deve ter qualidade, pouca dor, deve servir para balanços e para recuperar tempos perdidos. Prefiro a terceira.

E a terceira é racional e poética ao mesmo tempo. Porque identifica certas emoções e sentimentalismos como perniciosos para... o bem-estar emocional. Porque não mente. Porque não elabora hipóteses para lá do conhecimento vivido. Porque joga com os dados que há, com o possível. É poética e emotiva porque racional; é racional, porque ajustada à poética e ao bem-estar emocional.

A dicotomia racional/emotivo (e as suas equivalências e analogias, como masculinidade e feminilidade, força e fraqueza, frio e calor, etc.) é uma armadilha estúpida.

mva | 21:41|
 

Cosmopolitismo.

Nos últimos tempos, pessoalmente ou por interposta pessoa, circulei por meios muito diferentes. Nos extremos, um universo beto - especificamente o que no "meu tempo" (expressãozinha detestável!) se chamava "queque" - e um universo revolucionário-alternativo. Em ambos sinto-me completamente à nora. No entanto, tão-pouco tenho qualquer vontade de me refugiar numa classe média ou pequena burguesia aflitas com manifestações de exclusividade ou extremismo; ou em universos de intelectualismo, chatos e assexuados (ou hipersexuados...). Em suma: abomino tribos. Tudo o que é tribal é limitativo - e graças a d_ _ _, não sofro de necessidade de identificação grupal para me sentir pessoa. Fascínio mesmo, tenho-o pela figura do cosmopolita, independente e flâneur, capaz de conhecer todo o tipo de gente, na base da apreciação individual, capaz de criar uma rede de amigos (e não de integrar-se num grupo de amigos). Curiosamente, este é o tipo social que os totalitarismos e os dogmatismos mais odeiam e mais perseguem (vide acusações de cosmopolitismo contra os judeus por Hitler, contra toda a gente por Stalin, contra mulheres libertadas e gays pela ICAR, contra os adversários pelos políticos populistas...). Pronto, já chega de auto-congratulação...

mva | 20:01|


18.8.04  

Komar & Melamid.



O Diacenter tem excelentes projectos artísticos internáuticos. Um deles, feito pela dupla Komar & Melamid, chama-se "The Most Wanted Paintings". O que eles fizeram foi o seguinte: em vários países do mundo recorreram a técnicas de inquérito e pesquisa de mercado para saberem quais os aspectos pictóricos preferidos e mais detestados pelas pessoas. Com os resultados criaram quadros virtuais compósitos: o quadro mais querido e o quadro mais detestado. Em Portugal, a Gulbenkian encarregou-se de fazer o inquérito. O resultado português está aqui (as imagens que postei). As diferenças entre países não são grandes. Curioso mesmo é constatar que o menos querido ainda escapa, e o mais querido é de bradar aos céus.

mva | 23:28|


17.8.04  

Relativismo.

Na TVI os jornalistas comentavam a morte de um homem de 26 anos dizendo repetidas vezes "o rapaz" isto e "o rapaz" aquilo. Espero que este deslizar acelerado das categorias etárias faça com que, não tarda nada, eu seja um "rapaz" de 44 anos.

mva | 21:46|
 

Cop count.

Ontem falava do polícia no meu prédio. Hoje contei três em simultânea cavaqueira. Ainda pensei tratar-se de um breve encontro, aintes das respectivas rondas, mas uma hora depois ainda lá estavam.

mva | 21:42|


16.8.04  

Um homem de carácter.

Souto Moura diz que só se demitiria se fizesse alguma coisa que fosse repugnante para a sua consciência. Seguindo este tipo de raciocínio e ética, o que seria "repugnante para a consciência" de, por exemplo, um serial killer? Até lá, no problem, no siree.

Jorge Sampaio apoia esta espécie de molenguice ético-política com o mesmo à-vontade, isto é, com o mesmo à-lesmice.

PS: Ah, é verdade, a moça da cassete, Sara Pina, não tem nada a ver com o gabinete de Souto Moura. Di-lo ele. Algo que, é óbvio, não o repugna minimamente. E o moço jornalista Octávio Lopes deve estar à espera do dicionário que encomendou pela Amazon para ver o significado de "repugnante". Esta gente é muito gira. O pior é que deve ser o tipo de gente que se conhece todos os dias, no autocarro (não, que disparate, não andam de autocarro...), na fila para o IRS, num bar... They live. Better watch out.

mva | 22:29|
 

Minha Nossa Senhora!



A única coisa chocante no caso das casas de banho de Fátima é o facto de o Expresso ter feito disso uma história - e para mais de primeira página.

É entendível que os responsáveis do Santuário de Fátima se mostrem "indignados", na medida em que partilham de uma ideologia que vê o sexo livre (mais ainda se gay) como "pecado". Também os vegetarianos enjoam com o cheiro de carne. Nada de especial aí. Seria (será?) aceitável que, no espaço gerido pela icar, se permitam e se proíbam certas actividades. Do mesmo modo que um vegetariano terá dificuldade em ver um hóspede cozinhar um hamburger na sua frigideira de uso quotidiano. É também entendível que o sexo, enquanto actividade física entre corpos, não seja feito em público, apenas pela mesma razão que não se acha aceitável estacionar em cima dos passeios (oops, mau exemplo), cuspir no chão, ou fazer barulho depois da meia-noite. Qual é essa razão? Não fazer coisas que perturbem os outros e cujo evitamento não nos coloca numa injusta desvantagem ou privação.

Mas há uma ou duas coisas que convém não esquecer: a primeira é que as casas de banho (além de não estar claro se são do Santuário, se da Câmara...) são espaços semi-públicos, pois têm zonas de privacidade. E ninguém é assaltado sexualmente numa casa de banho. Só "alinha" quem quer; quem quer não "alinha". "Engate" não significa necessariamente sexo-logo-ali; e sexo-logo-ali não significa necessariamente à vista de todo e qualquer um que entre nos servicios. A segunda é que "pedir desculpa" pelo comportamento de gays armariados ou de fãs do engate de casa de banho em nome da boa imagem dos gays é algo que não me interessa. As pessoas fazem rigorosamente o que querem, desde que o façam sem violar o consentimento do(s) outro(s). O engate de casa de banho pode ser como cuspir no chão (ver exemplo acima). Mas pode perfeitamente não ser.

A Igreja pode, em coerência com o seu discurso, sentir-se "indignada". Mas as autoridades não têm nada que interferir com o que se passa nas casas de banho em termos de engate só por causa da indignação da Igreja. Imaginem que algum morador de Fátima se ia queixar por se sentir indignado com a constante propaganda, feita pela icar, de superstições e irracionalidades, através de imagens, peregrinações, locais de culto, lojas de souvenirs, discursos nos altifalantes, etc.?

O Expresso decide fazer disto notícia de primeira página. Esse facto é que merece análise. É a perpetuação do estereótipo do gay promíscuo e lúbrico por parte de um jornal cuja homofobia é patente e comprovada nos editoriais do seu staff - com a honrosa excepção da revista da secção cultural (já esqueci o nome, não compro o semanário há dois anos). Mas a reacção a esta estratégia não deve ser de virgem ofendida. Não vale a pena pôr bálsamo (hint, hint) na ferida. Deve ser bem mais radical, colocando a seguinte contra-pergunta: e que problema é que tem, em termos do nosso contrato social, se há pessoas que gostam de ter muitos parceiros ocasionais, inclusive engatados em casas de banho?

PS: Já por várias vezes exprimi a minha radical discordância com muitas posições tomadas pela Opus Gay e o seu efeito no movimento lgbt. No entanto, acho que a OG está no seu pleno direito ao divulgar locais de engate no seu guia. E nem sequer tenho nada contra.


mva | 19:47|
 

LIDO.



O escritor brasileiro Adolfo Caminha publicou Bom-Crioulo em 1895. O romance trata do amor entre dois marinheiros: um ex-escravo e um jovem efebo louro. Na tradição naturalista e positivista, Caminha pretende retratar a homossexualidade como uma perversão. O mais curioso é que, ao descrever o desejo e as complicações amorosas, acaba por descrever emoções, sentimentos, gestos, etc., que poderiam ter lugar entre um homem e uma mulher. Em suma, o que torna "perversa" a relação é simplesmente o sinal do sexo de cada amante. Nota-se que, de certo modo, Caminha percebeu isso e introduz, para tornar a narrativa mais dramática e menos baseada no "pacto homofóbico" com o leitor, outros sinais de diferença: a raça, a idade, a hipermasculinidade e a efeminação. Isto resulta numa coisa curiosa: perante os nossos olhos contemporâneos, é um desfile dos artifícios construídos pela homofobia para mal-descrever a experiência homossexual.

Curiosamente, pela mesma época - em 1891 - o escritor português Abel Botelho publicava O Barão de Lavos, na mesma linha naturalista e positivista (a série chamava-se "Pathologia Social"(!)) e também sobre "homossexualidade". Desta feita, a diferença racial é substituída pela diferença de classe, mantendo-se, todavia, a diferença de idade. O que faz pensar noutra coisa: o discurso da homofobia, enquanto discurso claramente patriarcal, não consegue retratar as relações de amor e sexo sem ser como relações de desigualdade e poder (de facto e não apenas como jogo erótico...).

mva | 18:43|


15.8.04  

Duas exposições.



Mais a Sul e Keith Harring, ambas na Culturgest.

mva | 18:42|
 

Teatro de rua.

A entrada do meu prédio é normalmente guardada por funcionários de uma empresa de segurança. Um destes dias, porém, apareceram também polícias, da PSP. Não tardámos muito a perceber que havia ministro no prédio. Questionado, um dos agentes nem sequer sabia quem era o dito membro do governo de iniciativa presidencial. Mais curioso ainda é que @s agentes trabalham por turnos, chegando a haver três diferentes no mesmo dia e muitos mais ao longo de uma semana. Resultado? As portas estão franqueadas, os agentes não conhecem ninguém no prédio, entra quem quer. Mais do que quando havia apenas seguranças. Ora, partindo do princípio de que ninguém quer fazer manifs violentas à porta do Ministro dos Assuntos Parlamentares (??!!) e de que não há indícios de terrorismo contra membros do governo, o que está a PSP a proteger (enquanto o prédio fica menos protegido)? Que ingénuo, MVA: a polícia está a cumprir uma função simbólica que se resume em dizer a toda a gente que ali há ministro e em convencer o ministro de que é ministro. Além disso, o ministério do dito ministro está a gastar um balúrdio. Ninguém ganha, toda a gente perde. A não ser que tudo isto seja uma performance que pretende fazer uma metáfora do governo PSL....

mva | 15:22|
 

Seminário.



Com o alto patrocínio do Santuário de Fátima, da Opus Gay e do semanário Expresso, terá lugar em Fátima um seminário intitulado "Religião e Sexualidade: As relações entre desejo e repressão". Não está confirmado o aparecimento de Nossa Senhora.


mva | 14:23|
 

Subway Life.

É uma vergonha que só hoje, graças ao artigo na Pública sobre o António Jorge Gonçalves, eu me lembre de colocar o link para o seu excelente Subway Life. O AJG desenha como pouc@s em Portugal e há anos que estou, estupidamente, a protelar o desafio que ele me lançou de fazermos um trabalho conjunto...

mva | 14:02|


14.8.04  

Expectante.



Em Junho de 2003 fiz um post com esta foto. A ideia era mostrar como a Lisboa das belas vistas de miradouro tem o seu contraponto na Lisboa dos chamados "espaços expectantes"(!). Mais: esta Lisboa-contraponto-do-estereótipo é maioritária e nela vive a maioria dos lisboetas.

Passou-se mais de um ano. A paisagem está exactamente igual. Santana Lopes foi Presidente da Câmara. Encheu-nos a vista com frases barbaries (bárbaras+barbie) como "já reparou como Lisboa está mais bonita?". Deve ter gasto nisso rios de dinheiro. Mas os espaços expectantes continuam à espera, assim como quem os vê. São uma metáfora do próprio país: o lixo acumula-se, os sinais de trânsito voam com o vento e não são substituídos, os empreiteiros ganham com a construção das vias. Tudo funciona porque toda a gente está endoutrinada para achar Lisboa lindíssima. O Orwell já mostrou há décadas como é que o sistema funciona.

O homem (Santana, não Orwell) é agora primeiro-ministro não-eleito.

mva | 15:10|
 

Quem sou eu para duvidar do Wall Street Journal?

«O americano "Wall Street Journal" afirma que Barroso escolheu "neoliberais institivamente pró-americanos", que têm uma visão anglo-saxónica do funcionamento da economia» (Público).

mva | 02:56|
 

Portugal especializa-se na venda de pessoas (não é este o título mas podia ser).

«Vendas Portuguesas Rendem 90 Milhões. Portugal realizou 90 milhões de euros com a venda de futebolistas como Ricardo Carvalho, Deco, Paulo Ferreira e Tiago. É o campeão europeu das receitas, em grande medida graças ao FC Porto. Em segundo lugar ficou a França, com menos dez milhões». (Público)

mva | 02:51|
 

Realmente, tem muito para dizer...




mva | 02:44|


13.8.04  

A cassete pirata.



No comments. Leiam e vomitem. Está n' O Independente.

mva | 23:02|
 

Curiosidades Olímpicas.

Pôde ver-se na cerimónia inaugural: a Palestina apareceu, separada de Israel; as duas Coreias apareceram juntas, com uma bandeira inventada; a Macedónia continua a surgir como FYROM; e Taiwan como "Chinese Taipei".

O Comité Olímpico cedeu (e bem) à pressão no sentido do reconhecimento da Palestina. E as Coreias deram um passo significativo. Mas como é possível, sobretudo na UE, continuar a aceitar a pressão grega para não reconhecer a Macedónia? Mais: como é possível aceitar a pressão da DITADURA de Pequim na questão de Taiwan?

mva | 22:40|


12.8.04  

Proud daddies (e um post muito atrasado).



A propósito da polémica dos casais atacados por polícias e seguranças por se beijarem em público em Lisboa, o nosso colega blogosférico do Tripping Out of My Space enviou-me esta foto, que, por acaso, tirou no mesmo dia do Beijaço de protesto organizado por alguns grupos lgbt portugueses. Ele diz que estava em San Francisco nesse dia, que foi a primeira vez que viu um casal gay com filhos e que conversou com eles sobre a polémica dos beijos. Curiosamente, o casal conhecia Portugal e lembrava-se de as coisas nem sempre terem sido suaves em San Francisco...

PS: Mas eis o que aconteceu hoje para os lados de San Francisco. A ler e interpretar com atenção, pois não se trata propriamente duma reacção bushiana.

mva | 18:47|
 

Anti-Bush.



Parece que entre 30 de Agosto e 2 de Setembro milhares de american@s se preparam para protestar contra Bush, aproveitando a convenção republicana em NYC. Vale a pena ver os sites das três organizações que o Público refere: a RingOut, a Greene Dragon e a Billionaires for Bush. O que me agrada nas organizações de protesto à americana é o seu lado performativo (a revel-ution...), o protesto político com marcas de teatro de rua, ou campanhas audiovisuais usando a linguagem publicitária. Torna a política muito mais divertida e une as pessoas nalguma.
forma de festa.

Isto é só uma amostra. Podem encontrar-se aqui, no Link Crusader, cerca de 3000 links americanos anti-Bush e pró-democracia.

mva | 14:54|


10.8.04  

Offline.



Como podem ver na coluna dos blinks, há uma novidade. Resolvi inventar um livro que não existe mas existe (!). Um livro online onde irei "publicando" os textos não bloguísticos escritos ao longo deste ano (e espero que mais volumes surjam nos anos próximos...). Resolvi chamar-lhe Offline para sugerir a expressão portuguesa "fora da linha". Talvez assim as coisas não fiquem perdidas e dispersas, ou esperando hipóteses de publicação futura em papel.

Entretanto, estou a terminar um outro E-livro chamado Textos Selvagens, que também ficará aqui disponível este verão ainda. Trata-se de uma colecção de crónicas e textos de intervenção, anteriores a 2004, que não sairam na colectânea Os Tempos Que Correm.

A(s) coisa(s) ainda está mais ou menos em construção (probelmas com os hyperlinks, por exemplo...), mas como será sempre actualizado, também será progressivamente melhorado do ponto de vista técnico. Bem, espero que enjoyem.


mva | 19:24|
 

Momento de filosofia.

Um conhecido jornalista de um conhecido canal foi entrevistado por uma conhecida jornalista de outro conhecido canal do mesmo empório. Já de si, a coisa é gira. Mas mais engraçado foi assistir a esta espécie de festival de cumplicidades e sorrisos entre colegas com que as TVs nos premeiam, numa espécie de "entre em nossa casa e partilhe a nossa vida". Pena é que a dita vida não tenha a mais remota ponta de interesse. No caso em causa, o conhecido jornalista (com o entusiástico apoio da conhecida jornalista) entusiasmava-se com a sua própria capacidade de desfiar lugares-comuns, ideias-feitas e clichés, plenamente convencido de que estava a apresentar uma pessoal e inovadora perspectiva das coisas, uma filosofia de vida, um "olhar" pessoal. Querem exemplos? Pois bem: falou de "como somos latinos e mediterrânicos" para explicar o modo de ser e trabalhar; revelou a capacidade de desenrascar como o grande segredo (e, claro, qualidade) nacional; referiu o amor pelo local de origem usando expressões como o gosto de "mexer na terra"; referiu várias vezes os originalíssimos ícones do "Alentejo" e do "Mar"; e, como não podia deixar de ser, contou-nos da sua descoberta de como "Lisboa é linda" (e, sim, sim, adivinharam, a razão para tal é... - tã-tã-tããã! - a LUZ!). Confesso que me desiludiu um bocadinho, porque não falou dos Descobrimentos, do Euro 2004 ou do clima (oops, chove lá fora neste momento...).

mva | 11:16|
 

VARIA.

1. Por causa de uma referência num artigo sobre S. Sebastião no Público de hoje, fui dar à página de Paul Halsall. Se fosse católico, usava-a. Está cheia de recursos para @s lgbt que queiram conciliar a sua sexualidade com o catolicismo e vice-versa. Vêem como até sou amiguinho?

2. Errata: fui informado que, ao contrário do que eu disse, o director do IPS não é hematologista.

3. Anda por aí uma história de cassetes, "segredo" de justiça, demissões, revelação de fontes e outras calhandrices, numa Coisa que os jornais agora apelidam de "meios judiciais, políticos e jornalísticos". Nós, que estamos fora dos meios ou não temos meios, ficamos a ouvir sempre a mesma cassete.

mva | 11:02|


9.8.04  

VISTO.



Stepford Wives ("Mulheres Perfeitas"). Deliciosa versão do velho filme de 'terror patriarcal'. Sobretudo por Glenn Close no papel da mulher mais machista que o papa (perdão, que o macho). No dia seguinte comecei a ler The Edible Woman, de Margaret Atwood, e duas citações parecem comentar aquele filme. A primeira é a epígrafe, retirada duma receita do inócuo (?) The Joy of Cooking, um livro de culinária que se encontra em todas as casas americanas: «The surface on which you work (preferably marble), the tools, the ingredients and your fingers should be chilled throughout the operation...». A segunda é da autora, na introdução: «The goals of the feminist movement have not been achieved, and those who claim we're living in a post-feminist era are either sadly mistaken or tired of thinking about the whole subject».

mva | 15:46|
 

VISTO.



Fahrenheit 9/11. A proximidade dos acontecimentos prejudica o filme. Em Bowling for Columbine tínhamos um retrato da América, ao mesmo tempo mais incisivo e intemporal . Neste filme estamos demasiado próximos quer da guerra, quer da disputa eleitoral. Além disso, Moore está a falar de um assunto demasiado grave - a Bushdom - para ser reduzido a uma caricatura. E a sua estratégia de montagem e colagem, embora assumidamente manipuladora e propagandística, acaba por ser demasiado parecida com aquilo que ele pretende denunciar. Este meu relativo des-gosto em relação ao filme não tem a ver com a questão política: é justamente por concordar com a maior parte das posições de Moore que me desilude a sua estratégia. Talvez ela seja eficaz para o público mainstream americano. Mas parece-me demasiado cheia dos tiques da esquerda marginal americana, que nunca consegue sair desse seu estatuto para que foi remetida, enquanto caricatura, pelo establishment.

PS: Será que o público português vai dar pelas referências à Carlyle?

mva | 14:57|
 

Reality show.

«Mas o "reality show" que estreou no mês passado no canal hispânico 62, em Los Angeles, promete um prémio diferente aos vencedores: o chamado "green card", que permite a legalização aos imigrantes nos Estados Unidos.» (Público)

Embora fazer o mesmo? Sugiro alguns concursos do tipo deste "Gana la verde" (ganha o green card):

1) O vencedor conseguirá ver o seu caso judicial resolvido e assim obter justiça a tempo e horas. As provas consistirão em demonstrar capacidade de resistência face a desafios burocráticos e administrativos.
2) A vencedora conseguirá fazer o desejado aborto num hospital do Estado, com condições de assistência e higiene. As provas consistirão em vencer bandos de "pró-vidas" particularmente agressivos.
3) O vencedor conseguirá sair da situação precária e obter um contrato de trabalho decente. As provas consistirão em resistir ao assédio sexual de vários empregadores e mesmo assim convencê-los a assinarem o contrato.
4) O vencedor ou vencedora conseguirá casar-se no civil com a pessoa do mesmo sexo de quem gosta. As provas consistirão em tentar convencer uma equipa de padres, Mulheres em Acção, sexólogos da escola patriarcal e dirigentes do PS.
4) O vencedor conseguirá demitir Santana Lopes ou conseguirá obter sanidade mental (a produção ainda não decidiu). As provas consistirão em discussões com Jorge Sampaio, Durão Barroso, Santana Lopes e Luís Delgado.

mva | 11:57|


8.8.04  

A distância entre a Lituânia e a Espanha chama-se Portugal.

Os R&V (leia-se em inglês...) chamam a atenção para a sondagem do Correio da Manhã: 55% dos portugueses são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, 35,3% são a favor e 9,6% não têm opinião (estes é que não percebo!). O artigo do CM é um bocado taralhoco a explicar os números e na variável partidária o Bloco não ocorre, o que em si levanta suspeitas sobre a qualidade do trabalho. De qualquer modo, Sócrates que se acautele com a maioria de votantes do PS que são a favor do casamento...

A Lesbian.com informa sobre a "EOS Gallup Europe Poll", que refere, em relação ao casamento, 68% a favor em Espanha e 43% em Portugal. Quanto à adopção: Espanha 57%, Portugal 25%. Europeus (ainda a 15): 57% apoiam casamento e 42% a adopção. Os novos estados-membro, separadamente: casamento 23%, adopção 17%...

mva | 19:11|


7.8.04  

Temos novo Villas-Boas?

Não, não se trata d' O Inimigo Público, secção humorística do jornal. Trata-se de José d'Almeida Gonçalves, presidente do Instituto do Sangue. Estamos a dois (?) passos de ter um novo Villas-Boas. Desta feita, talvez não tanto por opção ideológica, mas por pura e simples trafulhice de conceitos, fontes, raciocínio e ignorância. Porque se insiste neste país em encarregar de áreas socialmente sensíveis pessoas que são ignorantes em relação ao social? Um hematologista excelente pode ser um agente social execrável (exactamente como o contrário).

mva | 15:42|
 

Os perigos da habituação?

Estou há coisa de uma hora a tentar digerir a crónica da Ana Sá Lopes. A organização do site do Público não ajuda na busca de crónicas que ela eventualmente tenha escrito durante a recente crise política. E no blog onde escreve, o Glória Fácil, a crise coincidiu com uma saída sua para férias. Problema meu: ainda tenho a esperança de que ela tenha escrito algo de diferente na época.

A ser assim, a crónica de hoje poderá ser o resultado da habituação ao estado das coisas; ou simples análise a posteriori, sendo as coisas o que são agora. Acontece, porém, que constatar que o PS está um caos e daí retirar a conclusão de que um governo PS neste momento seria um caos (caso ganhasse as eleições, coisa que ASL diz que não teria acontecido devido à capacidade demagógica de uma eventual campanha PSL) não retira nenhuma autoridade à convicção de que a crise teria sido mais bem resolvida com eleições.

É claro que, na letra da lei, não elegemos primeiro-ministro. É claro que, na letra da lei, o actual governo pode existir. É claro que, na letra da lei, PSL tem o direito a ocupar o cargo que ocupa. Mas não discutimos já isso à exaustão? Não percebemos já que, na dúvida da legitimidade política, os eleitores são soberanos (coisa que também está, acima de todas as outras, na letra da lei)?

Quanto ao "personalismo", quem o criou não foram os opositores a PSL, mas sim PSL, cujo "projecto" político é justamente um projecto de personalismo. E esse é o perigo político para a democracia. Claro que foi isso que nos assutou e claro que não nos teríamos assustado do mesmo modo se o delfim fosse Ernâni Lopes, como diz ASL. É que isto da política não é um manual de instruções de electrodoméstico, é um processo.

Admito que, em retrospectiva e considerando o estado do PS, ASL tenha razão. Mas uma coisa é dizer "eh pá, afinal ainda bem que o Sampaio não convocou eleições", outra é dizer "Sampaio fez bem em não convocar eleições". Qual das duas era a mensagem da crónica?

PS: Este post só é possível porque gosto da escrita e das posições da ASL.

mva | 13:53|
 

Transnotícias.

Claro que o Big Brother é o Big Brother. Mas é também porque o Big Brother é o Big Brother que o facto de a sua vencedora ser uma transexual ganha importância pedagógica. Passou-se em Inglaterra. Ela é portuguesa. Mais: madeirense. A BBC noticiou a coisa, logo devidamente apanhada por vários blogayesféricos. Em Portugal ainda só consegui encontrar referência no Correio da Manhã. Diário de Notícias, nada; Público, nada. Deve ser porque o assunto não é tão digno como o futebol, muito mais merecedor de "orgulho" nacional...

mva | 02:43|


6.8.04  

A Sara faz anos.


Em vez de flores, um cacaueiro.

mva | 14:12|
 

Beat around the Bush.


Pensando nos meus queridos R&V. A t-shirt encontra-se aqui. Note-se que 'buck' quer dizer 'veado-macho'.

Mas tanto o Casal Gay como o Barnabé, citam a última da criatura do Mato (note-se que 'bush', além de arbusto, quer dizer mato, e matos de várias ordens, dos propriamente botânicos aos púbicos...):

«Our enemies are innovative and resourceful, and so are we. They never stop thinking about new ways to harm our country and our people, and neither do we».


mva | 14:00|
 

Donald é que já não há.



Elucidativas, as respostas dos três candidatos a secretário-geral do Patido Socialista, ao Público de hoje. Podem ser complementadas (e podemos - e devemos - colocar-lhes questões) nas suas páginas: Huguinho, Zezinho e Luisinho.


mva | 13:13|
 

Os pecados de Tété.

«No que respeita ao suposto "discurso homofóbico" que preocupa Ana Vicente, a fé cristã ensina realmente que Deus ama as lésbicas e os homossexuais, como aos heterossexuais, como a todas as pessoas, como a todos os pecadores, e que todas as pessoas devem ser respeitadas. Mas não aprova nem quer o seu pecado, que as destrói. Deus quer "desesperadamente" salvar a todos, mas pede o seu arrependimento e a sua conversão, convida à santidade.» (Alexandra Tété, que também se apresenta como "feminista graças a d_ _ _, no Público).

mva | 12:46|


5.8.04  

Política de/no mercado.


mva | 17:46|
 

Cartier-Bresson.



mva | 12:29|
 

união europeia.

Não sei bem se é a família que penetrou no universo Barroso, se o universo Barroso que penetrou na família... I shall say no more.

mva | 12:24|


4.8.04  


Dedicado aos Coisos e às Coisas, para quem o caminho mais curto entre dois pontos é um túnel do Marquês.

1. As coisas são como são, sempre foram assim e sempre hão-de ser assim. (Os coisos também).
2. Sempre houve ricos e pobres, sempre há-de haver.
3. A minha política é o trabalho.
4. Os políticos querem é poleiro.
5. Não sou racista, mas.
6. Os pretos até dançam bem e os bebés deles são muito queridos.
7. As crianças são o melhor do mundo.
8. Os jovens são o futuro.
9. Mulher é mulher, homem é homem.
10. A família é a base da sociedade.
11. A homossexualidade é anti-natura.
12. No fundo, no fundo, o meu país é melhor que os outros.
13. Ó filho, é assim mesmo, prontos.
14. A mim ninguém me fode.
15. Acesso não, acessibilidade.
16. Já reparou como Lisboa está mais bonita?
17. Em caso de dúvida, Deus explica tudo.
18. Ou a Natureza, que vai dar ao mesmo.
19. Ou a Tradição, se se tiver chumbado a ciências.
20. Ou o Senso-Comum, se a tradição já não for o que era.

mva | 12:11|
 

Duas mulheres na sombra.

"Na sombra" não é defeito. É condição. Permite-lhes um olhar mais atento e crítico. Mas bem que precisávamos que saíssem para a luz da ribalta política. Contra o aparelhismo de Sócrates e a favor da democracia plena no PS (não é esse o discurso socialista?), Helena Roseta; contra o machismo da igreja católica e a favor da democracia numa organização que se diz emancipatória (não é esse o discurso cristão?), Ana Vicente. Ambas no Público, hoje.

mva | 01:08|


3.8.04  

De que é feito um regresso?

De que é feito um regresso? Bem, de uma espécie de inversão do vir à tona de água: deixa-se a tona de água e mergulha-se nas profundezas.

Não serei o primeiro a dizê-lo: liga-se a TV e tem-se o flash negativo de ver PSL como primeiro-ministro. Não eleito, mas primeiro-ministro. Isto deve ser como as adaptações à mudança: quem, há uns dez anos, imaginaria que tal seria possível? Aliás, admissível? E por via das circunstâncias que conhecemos: a fuga de Barroso, a tibieza de Sampaio, a moleza do país? Não esqueçamos nunca, não nos adaptemos. Pela parte que me toca, PSL será sempre referido como "o primeiro-ministro não-eleito".

Por breves dias achei que o Público tinha mudado de linha editorial. JMF apresentou-se duvidoso, no mínimo, em relação a PSL. Provavelmente por via dum neo-conservadorismo que suspeita (ainda, e graças a d_ _ _) dos arrivistas. Mas hoje o ilustre director faz um editorial onde, em vez de atacar o vaticano, ataca quem reagiu ao último diktat daquele estado ditatorial masculina, desta feita sobre género. JMF acha que o feminismo exagerou, que homens e mulheres são diferentes e, para sustentar o argumento, refere um "estudo": igual número de rapazes e raparigas foram enviados para um bar para serem convidados, por outros tantos rapazes e raparigas (tudo pressupostamente heterossexual) a terem uma noite de sexo. Noventa por cento dos rapazes aceitaram os convites, contra dez por cento das raparigas. JMF acha isto esclarecedor (hello?). E, como se não bastasse, invoca a autoridade da evolutionary psychology que, como toda a gente sã sabe, é uma obscura seita de geeks com ar de progressistas mas defensores de reaccionarices do século dezanove. Não ocorre a JMF que as diferenças entre um homem e um homem (ou uma mulher e uma mulher) são maiores do que as diferenças médias entre todos os homens e todas as mulheres. Ah: o editorial não aparece na versão on-line: algum informático com bom senso vai ser despedido amanhã....

Um comentador deste blog (acho que "jpct") dizia há dias uma frase genial. Algo como: "hoje, os radicais é que parecem moderados e os moderados radicais". Espero que me estivesse a incluir no pacote, porque acho a descrição etnograficamente correcta. Se virmos o radicalismo como um conjunto de gestos bruscos e perigosos, os radicais são os neo-conservadores de hoje; e os moderados são os que se definem politicamente como radicais, pois vêem-se na posição de defenderem certas conquistas do humanismo, da social-democracia, do estado providência, das lutas emancipatórias, dos direitos humanos, etc. Humm, isto é perturbador...

A nossa querida TV Cabo - o monopólio-que-não-é-monopólio - tem vindo a cobrar 2 euros a toda a gente pelo canal Action. Só quando se telefona a pedir reembolso por este "erro informático" (é assim que eles definem o assalto) é que eles pedem desculpa e (supostamente) iniciam o reembolso. Fizeram-nos isto (cobrar indevidamente), mesmo depois de terem telefonado a perguntar se queríamos aquele canal (a resposta foi não, bem como, pela enésima vez, em relação aos canais porno, por serem estritamente hetero).

E agora coisas boas.

Uma coisa boa no regresso à cidade: a certeza de que vamos ao concerto da Madonna, compradinhos que estão os bilhetinhos. Bem sei que a indústria pop é a indústria pop: é suposta fazer dinheiro. E bem sei que uma das formas de fazer dinheiro é jogar com os desejos radicais das pessoas. Madonna é um produto disso. Há que ver criativamente como o mercado pode ser um espaço relacional de disputa, conflito e apropriação. Tudo bem. Mas não deixa de ser triste ver na TV as entrevistas a jovens que fizeram bicha para comprar os bilhetes: entusiasmados com Madonna, com p seu potencial de provocação, mas eles mesmos com um ar submisso ou, quando muito, adequado aos ditames de uma moda supostamente subversiva. A minha crítica não é tanto ao "sistema" e ao "mercado", mas sim a estas pessoas: porque não se revoltam, em vez de apenas consumirem os símbolos da revolta?

Descobri, só agora, que As Minhas Histórias tem um alter blog, o Mythologias. Na epígrafe, referência a Os Despojados, de Ursula LeGuin, simplesmente uma das minhas escritoras de sci fi favoritas. Aliás, Ursula é filha do grande e clássico antropólogo americano Alfred Kroeber, o que cria uma afinidade electiva.... Ursula consegue, nos seus romances, abordar simultaneamente a questão da alteridade e conflito culturais, e a questão do género e da sexualidade. Os Despojados (The Dispossessed: An Ambiguous Utopia) é um genial fresco socio-político; em The Left Hand of Darkness, os habitantes do planeta só têm um sexo (mais não conto: as consequências são belíssimas...); e usei The Word for World is Forest em muitos anos de Introdução à Antropologia, já que é basicamente uma sci fi feita a partir de um estudo sobre os Pigmeus da África central. Bem, um dia tenho que escrever sobre a Ursula com mais tempo...

VISTO. Harry Potter, o último. Cuadrón melhorou, e muito, a série, se bem que o filme poderia perfeitamente ter menos vinte minutos, meia hora. Para quem, como eu, nunca gostou do género fantasia (a Ursula também o faz e esses livros não gosto...), é obra que consigam fazer com que goste dos Potters. Agora tenho que me concentrar e inventar um Potter qualquer, escrever uns livritos e ala que se faz tarde para ser mega-rico como a senhora-como-é-que-se-chama.

Este Verão de Zamba foi (tem sido, porque vai tornar a ser...) maravilhosamente preguiçoso. Um dos efeitos da preguiça é o jogo de palavras: a mente deambula e vai juntado pedaços e inventando coisas como nos sonhos. Fui muito influenciado pelo Boris Vian inventor de neologismos e criador de híbridos "palavrais", sobretudo em A Espuma dos Dias. Acho que me saí bem com o "patridiota", para referir o tipo idiota de patriota. Tenho outras na manga e um dia destes devia fazer um glossário. Mas outro dia vi-me aflito: ao nosso lado estava um grupo formado por aquela espécie particularmente detestável que são as pessoas muito livres, muito esquerda, muito intelectuais, mas que vivem bem com o poder (e do poder...). Têm todos os tiques dos betos, todos os defeitos dos marialvas e dos pequenos poderosos. Mas acham que não, que são livres-pensadores, que merecem toda a consideração, de tal maneira são a "consciência" da sociedade. Resultado: são malcriados e brutos como o mais malcriado e bruto betão de jeep. Mas, oh musas, não consegui dar-lhes nome! O P chama-lhes "betos de esquerda". Se empurrasse o "esquerda" para "esquerdalho", talvez desse betalhos. Mas não me satisfaz. Sugestões?

Bem, para post a coisa já vai bem empostada (ah!). Agora tenho que ir fazer sopa, lasanha e salada de frutas. Até amanhã.

mva | 20:46|


2.8.04  

Desbloguear, depois de desblogar.

De regresso da Zamba à LESBoa. Três ou quatro dias sem blogar é obra. Prometo que amanhã já desblogueio. Isto é, blogo de novo. Whatever. Entretanto, fiquei maravilhado com as pessoas a trocarem ideias na caixa de comentários e prefiro não me "meter". Até ver. É como se aquela ideia de que os livros, uma vez publicados, são dos leitores e interpretados de mil formas, tomasse corpo (uma vez que não há caixas de comentários para livros e artigos)....

mva | 20:04|