OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


30.8.04  

Bloco-notas do Verão dos últimos dias.

1. Descobriu-se que um dos incendiários era bombeiro. É assim como Santana Lopes ser primeiro-ministro.
2. João Soares tem razão: se a esquerda estiver no poder, o aborto deve ser despenalizado na AR. A petição pelo referendo foi feita em circunstâncias políticas específicas: um governo de direita que recusava qualquer alteração na lei do aborto.
3. Sócrates fala dos "zangados com a vida". Odeio esta tendência actual para falar mal das pessoas que se queixam ou que não têm suficiente "optimismo" ou "orgulho nacional" ou outras qualidades do tipo... É o argumento de quem não tem argumentos, mas apenas oportunismo e "capacidade de adaptação" à situação. É argumento de quem desistiu de ser de esquerda.
4. A propósito: ouvi hoje uma canção execrável do Luís Represas, com um texto de um nacionalismo digno do Estado Novo. É que agora que "não há ideologias" o vazio é preenchido pelo nacionalismo. Não tarda nada, os que se estão maribando para a pátria, como eu, serão acusados de "desvio" ou "tara".
5. Constatação: em Portugal não há um único jornal diário (ou semanário...), estação de rádio ou TV que seja "de esquerda". E ainda se queixa a direita de que o senso comum passado pelos media é de esquerda!
6. Que tem o Presidente da Comissão Europeia e primeiro-ministro foragido de Portugal a dizer sobre o golpe de gabinete de Paulo Portas (a propósito das Women on Waves) no governo de Santana Lopes com que nos deixou?
7. Festa em casa de pessoas amiga. Várias pessoas na casa dos vinte contem histórias sobre a precariedade; sobre "contratos" em que se não é remunerado; sobre "estágios" e "formações" e toda a espécie de exploração do trabalho. Ocorre-me pensar que este novo "modelo" laboral não terá qualquer efeito semelhante ao de países como os EUA; em termos de mobilidade, flexibilidade, etc. Porque num país como o nosso, familista, de cunhas e compadrio, a precariedade só aumentará a dependência dos jovens em relação a pais e Estado. Resultado: as mentes serão ainda menos livre e autónomas.
8. Há pessoas que, de facto, não podem correr o risco de fazer o seu coming out, por razões de emprego e outras. Mas há muita gente para quem o silêncio é apenas o investimento necessário para obterem o prémio da promoção e do poder. Penso, sobretudo, nas pessoas na esfera do poder político. Malditas sejam.

mva | 18:58|