OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


28.4.04  

O sonho da globalização (ou da blogalização?).

Conversava com duas amigas que me diziam que nem sempre percebem certas referências ou alusões nos meus posts, e que por vezes têm dificuldade com algumas expressões inglesas. Outras pessoas queixar-se-ão de outras referências e muitos leitores que sabem português mas não o têm como língua materna (ou que não vivem em Portugal) queixar-se-ão de outras tantas expressões. E por aí fora. Qualquer cenário de comunicação tem estes problemas. Mas nos blogs a coisa exponencia-se. É fascinante a sensação de pioneirismo que todas as pessoas que se metem na net sentem: noções de comunidade, língua, país, geografia, referências, ficam relativizadas pelo carácter global do meio. Acabamos por ser nós, os autores dos blogs, a definir as fronteiras. Mas como somos, em princípio, acedíveis (diz-se assim?) em todo o lado, a língua acaba por ser o primeiro e grande filtro; depois, o espaço nacional; depois as referências identitárias de outro tipo. Isto é o que acontece, repito, com qualquer acto de comunicação escrita, só que aqui exponenciam-se as dúvidas e sobreposições. Às vezes sinto um desejo enorme de escrever de forma absolutamente híbrida (em inglês e português - mas não em zulu e mandarim, é certo...) e de saber quem são exactamente as pessoas que aqui passam, por que ficam ou voltam, o que poderiam contribuir. Uma comunidade virtual seria isso mesmo. Mas quanto mais especulamos sobre isso mais nos apercebemos da força e a resistência das categorias territoriais e linguísticas com que funcionamos.

mva | 15:44|


27.4.04  

Southern trees bear strange fruits.

Aparentemente Paulo Portas passou a sessão solene do 25 de Abril a mascar ostensivamente a sua pastilha elástica, provavelmente em preparação mental para a vaia que receberia na Avenida, onde se celebrava o dia que lhe permite mascar pastilha elástica em ocasiões de Estado. Aparentemente, Celeste Cardona saiu disparada da sessão de entrega de condecorações quando chegou a vez de Isabel do Carmo, perigosa endocrinologista terrorista, certamente apenas por mero acaso libertada, depois de anos de prisão, pela Justiça que Dona Celeste agora dirige. Aparentemente Valentim Loureiro é apenas um santo distribuidor de frigoríficos, coisa que facilmente se prova pelo facto de ter recebido uma SMS solidária de Santana Lopes, o homem que gosta de cumprir promessas tunelares mesmo que para tal a lei não seja cumprida.

Estes quatro estarolas brotaram, floresceram, cresceram - eu diria mesmo medraram - na democracia pós-25 de Abril. A beleza da democracia é como a beleza do Sul dos Estados Unidos: "Southern trees bear strange fruits".

PS: Conheço a Isabel e poderia ter com ela uma longa e discordante conversa sobre a questão "revolucionária". Mas uma coisa é certa: ela lutou muito - e pagou por isso - para que o 25 de Abril acontecesse. Ela contribuiu para que também os quatro estarolas pudessem usufruir da liberdade - de que agora usam e abusam.

mva | 10:47|


24.4.04  

25-A


[foto sem referência ao autor, no site do PCP]

E pronto: o 25-A faz 30 anos! Durante muito tempo foi das datas mais importantes do meu calendário pessoal. Precisava de datas, na ausência das religiosas, que não me dizem nada, e sendo uma dessas infelizes criaturas nascidas em pleno Agosto, sem amiguinhos para os aniversários (e com uma longa tradição de viajar pelo Natal...). Creio que foi importante porque na altura tinha 13 anos e a Revolução empurrou-me para a "maturidade" a uma velocidade exponenciada. Aos 15 já estava "politizado" (como se dizia) e isso na época queria dizer mais do que pertencer a um partido: significava o questionamento do carácter socialmente construído de quase tudo. Foi também importante porque já na altura tinha - muito por observação do meu irmão mais velho - o receio de vir a fazer a tropa e ir para a guerra colonial (durava há tanto tempo que parecia infinita e, na família, já havia o que Bush chamaria danos colaterais, chegando mesmo ao agravamento de uma esquizofrenia que conduziu ao suicídio de um familiar). E porque me lembro de, em miúdo, os meus pais terem subitamente imposto silêncio a si próprios quando, segundos antes, em plena Ponte "Salazar", tinham saudado efusivamente a morte do Coiso, anunciada na rádio. E porque me lembro de papéis "subversivos" serem queimados na banheira lá em casa - um gesto infeliz, dado que a casa de banho não tinha (não tem) janelas... E porque, já depois do 25-A, conheci muita gente com histórias, essas sim, terríveis.

Na noite anterior já sabíamos que alguma coisa ia acontecer. O meu irmão estava de algum modo informado, embora nada tenha sido dito (a auto-censura era a norma). Por causa disso ouvimos o Depois do Adeus e a Grândola. Na manhã seguinte, a nossa rua, onde era o Rádio Clube Português, estava cortada pela tropas e assim permaneceu durante uns três dias - não pudemos participar dos festejos de rua e tivemos que comer o que um restaurante solidário (à época, é claro...) fornecia ao prédio inteiro. Ao longo dos primeiros dias e semanas, habituámo-nos a ouvir dizer que o 25-A servia para Descolonizar, Democratizar e Desenvolver. A descolonização lá se fez. Foi dura e teve consequências más nalguns países? Teve. Mas essas foram consequências da colonização e da guerra colonial e dizer o contrário parece-me duma tremenda "desonestidade histórica". A democratização básica também se fez - é aquela que, depois dos conflitos de 75, passámos a ter até hoje; mas que está manca de participação e aprofundamento para campos que não o estritamente político. O desenvolvimento também se deu, por vezes como travesti de mero crescimento.

Mas o 25-A está ainda por fazer justamente naquilo que o governo actual diz ser a sua característica - a "Evolução". Pobreza, iliteracia, precariedade, caos urbanístico, deterioração ambiental, estado social fraco, aborto ilegal e direitos lgbt cerceados, ausência de multiculturalismo, e deterioração dos sistemas político e judicial, são sinais de atraso, de capacidade de resistência dos interesses instalados, e de fraqueza das mobilizações cívicas. Salazar e Caetano eram uns malandros espertalhaços, capazes de adaptarem uma ditadura às forças de atraso cultural incorporadas na vivência dos portugueses. Os dirigentes do regime democrático não souberam, em trinta anos, ajudar a promover "outras forças" ou, como é costume dizer-se, a "mudança das mentalidades".

Talvez a geração que toma a democracia por adquirida (o que acho óptimo), que vive os efeitos bons da globalização, e que se sente europeia, venha a conseguir tirar, de vez, o retrato do Velho Senhor da parede.

Um cravo vermelho e outro rosa para tod@s e cada um/a!

mva | 19:13|
 

Homeostética.



Morro de inveja de quem mora no Porto. Não só porque têm Serralves, como, sobretudo, pela exposição que agora abriu. É uma retrospectiva do Grupo Homeostética, composto por Manuel João Vieira, Pedro Portugal, Ivo, Xana, Fernando Brito e Pedro Proença. Nos oitentas, cresci ao lado destas pessoas e dos seus trabalhos. Eles tinham a sorte de estar na ESBAL, enquanto eu era "pintor de domingo".

mva | 12:25|
 

MEDIAWATCH.
Público.

Diz-me a quem agradeces, dir-te-ei quem és: «Valentim limitou-se a agradecer "a todos os que enviaram mensagens de apoio", sublinhando uma que "muito" o sensibilizou, a de Pedro Santana Lopes»

De como o Público já teve um Livro de Estilo: «A dimensão da tragédia de quinta-feira na Coreia do Norte foi de tal dimensão que o regime de Pyongyang lançou um raro apelo de ajuda ao mundo.»

As armas de destruição maciça existem, os caixões não: «A política oficial do Pentágono é proibir a captação de imagens de caixões ou funerais militares.»

De como a conversa de púlpito passa por ciência política (ou de como é perigoso exagerar nos Poppers):«Permanece o caso mais fundamental da atitude. É discutível se os governos devem assustar os seus cidadãos pintando o cenário de horror do ataque "inevitável". A verdade - para voltar a citar Popper - é que "devemos avançar para o desconhecido, o incerto e inseguro", venha o que vier.»

Presumível culpada depois de proferida inocente: «Uma cidadã portuguesa, Maria do Céu Duarte, que na quarta-feira viajou de Lisboa para Londres e daqui para Nova Iorque, foi detida no aeroporto J.F. Kennedy, cerca das 19 horas desse dia, à saída do avião. Metida durante várias horas numa sala com algemas nos pés, foi questionada sobre uma organização denominada "FP 225".» [Céu Duarte foi absolvida - após 3 anos de prisão]

E agora o que é que eles fazem aos domingos?: «Na apresentação do documento sobre os abusos na liturgia, ontem, no Vaticano, o cardeal Francis Arinze, responsável da Congregação para o Culto Divino, afirmou que os padres devem negar a comunhão a políticos que defendam o aborto.» [a comunhão não é, em rigor, canibalismo simbólico?]

mva | 11:55|
 

VISTO.



Carandiru. Já com A Cidade de Deus tinha tido semelhante sensação: a de estar perante uma espécie de "voyeurismo de classe". Isto é uma coisa universal, mas mais forte em contextos com forte apartheid social, como o Brasil. Carandiru é claramente inferior, mesmo assim, à Cidade, porque falha também como filme, sobretudo na adaptação e num argumento cheio de não-explicados. Fica-se aliviado por ver a prisão ser implodida, por saber que ela não existe mais. Pois: mas onde estão agora aquelas pessoas? Não importa: estão no imaginário e nos fantasmas de quem se sente bem por estar fora da prisão, por estar fora da marginalidade e da pobreza. Sobra, todavia, uma coisa boa: a quantidade de bons e boas actores e actrizes negr@s que o filme ajuda a "revelar".

PS: Insuportáveis, os risinhos (infelizmente sobretudo femininos) do público durante as cenas com transexuais e/ou travestis!

mva | 11:24|


23.4.04  

Dy-Na-Mi-Tee.



Ontem, quando estávamos a celebrar o 13 no Purex, tropecei em «Dy-Na-Mi-Tee» de Ms Dynamite. Gostei mesmo!

mva | 11:33|
 

MEDIAWATCH.
A tropa toda pró Iraque, já!


José Manuel Fernandes não acha apenas que a GNR deve permanecer no Iraque. Não. Ele acha que deve ir mais tropa para a colónia: «também era importante que o Governo e o Presidente meditassem sobre se a actual fórmula de participação portuguesa é a ideal ou se um eventual agravamento da situação na área onde os militares da GNR estão estacionados não aconselharia a que fossem também enviadas forças militares preparadas para o combate e não apenas para missões de patrulhamento, segurança e formação da nova polícia iraquiana.»

mva | 10:56|
 

Uma isildice pegada.

Uma das pessoas que manifestou "repugnância" na sua declaração de voto em relação à alteração do artigo 13 foi a deputada Isilda Pegado do PSD. Tenho agora uma nova palavra no meu vocabulário. Vai ser possível dizer: "Que isildice!", "Que isildice pegada!", "Não sejas isilda...", ou "Hoje 'tou muito isilda...". (note-se que está com i pequeno, para não haver processos...). Isilda Pegado tinha recebido uma delegação da ILGA-Portugal no dia 18 de Março, justamente para conversarem sobre a revisão constitucional. A rapaziada e a raparigada deve ter assustado a deputada...

Algumas isildices:

Em 2003, esta senhora do Comunhão e Libertação já tinha dito ao Público (vem na página do Juntos pela Vida) que «O facto de o aborto ser penalizado tem acima de tudo o principal objectivo de declarar que o Estado português defende ao mais alto nível a vida humana, é uma questão cultural e de civilização, a protecção do direito à vida», disse, considerando não haver lugar a excepções. "Senão caímos na barbárie", acrescentou.

Num lindo e mui bem escrito artigo para a Associação de Famílias Numerosas, dizia que «Falar do aborto como um direito da mulher é uma mentira. Antes da mãe está o filho. O direito que se arroga a mãe nasce da gravidez. Só há gravidez porque há filho.» (what?)

Numa outra área que lhe inspira repugnância, «A deputada social-democrata Isilda Pegado acrescentou, por sua vez, que "distribuir seringas significa que se reconhece a existência de droga" nas cadeias e funciona como um "prémio para os mais malandrecos" que conseguem introduzir estupefacientes no meio prisional.» (in Portal das Ciências Farmacêuticas)

mva | 10:12|


22.4.04  

Vale a pena lutar!



A partir de hoje, a Constituição da República de que sou cidadão passa a dizer, no seu artigo 13º ("Princípio da Igualdade"), mais ou menos assim:

«Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social, e orientação sexual»

Ouviram bem?

mva | 20:03|


21.4.04  

Auto-promoção.

"Pari" dois "bebés" novos:


Outros Destinos: Ensaios de Antropologia e Cidadania.


An Earth-Colored Sea: Race, Culture, and the Politics of Identity in the Post-Colonial Portuguese-Speaking World (uff!)

mva | 15:31|


20.4.04  

A Blogosfera.pt.

Esta coisa do ciberespaço, apesar de globalizante (ou por isso), também se cose segundo linhas nacionais, locais e de grupo. Tome-se o exemplo do sucesso dos blogs em Portugal. Quando visitamos blogs (sobretudo os do início do "movimento") de outros países - sobretudo EUA, Brasil, e também muitos europeus - veirificamos que muitos se cingiram ao propósito inicial da bloguística: diários pessoais, extensões das páginas pessoais, onde os indivíduos se podiam apresentar/representar perante uma sociedade anónima (!).

Em Portugal, os blogs foram, pelo contrário, aproveitados por uma camada sobretudo jovem mas já profissionalizada (com computador, acesso à net e literacia), com muita genica e garra, e muito ligada à esfera quer da política, quer do comentário, quer mesmo do jornalismo (sobrepondo-se muitas vezes as três). Isto ajudou a definir o espaço bloguístico como um espaço de para-política e para-jornalismo: o comentário das notícias e das polémicas tal como apresentadas pela agenda dos media (e, depois, saudavelmente sujeitas a debate). Durante muito tempo parecia mesmo que a blogosfera.pt era o domínio de Pachecos Pereiras, jovens intelectuais de direita, pessoal do Blogue de Esquerda e suas cisões.

De certo modo, continua a ser - pelo menos é o que indica a "visão autorizada" dada pelos media quando começaram a prestar atenção aos blogs. Criou-se - sem que isso seja o resultado de uma conspiração ou intenção -uma "hegemonia bloguística", definidora de um campo, um âmbito, uma temática e até mesmo uma linguagem e estética. Caracterizada por aspectos mais jovens como o cosmopolitismo, a provocação, a energia de construção de carreira, entrou em diálogo com aspectos mais instituídos, como o opinion-making jornalístico e televisivo. A batuta indicou desde cedo o posicionamento ideológico-político como a pedra de toque com, por exemplo, a tradicional divisão direita-esquerda.

Tanto os jovens bloguistas como os velhos opinion-makers constituem grupos muito masculinos, com algum pendor para a competição e a contagem (recordes de número de visitas, estatísticas dos blogues, etc) e apostados na gestão/digestão/congestão das polémicas lançadas pelos media, embora com alguns sinais de vontade de produzir contra-informação. Nesta junção de velhos e novos comentadores, "tradições" portuguesas antigas continuaram a reproduzir-se: é o caso do sucesso que teve O Meu Pipi, típico produto de uma suposta intelectualização/sofisticação literária do sexismo; ou a forma como um marialvismo "actualizado" penetra alguns blogues; ou, ainda, os modes da chapelada, da bengalada, da bofetada de luva branca ou do puro e simples insulto que caracterizam muitas disputas nos "comments".

Embora seja mais ou menos evidente que a) também pertenço em parte a esse universo e, b) paradoxalmente, ele não me seja muito simpático, este comentário não é tanto uma crítica, como uma constatação de que, na blogosfera, se reproduz, afinal, o nosso tecido social das elites da opinião - os blogs pt como o equivalente das gazetas e jornais do início do século XX, com as suas versões actualizadas de Ramalhos, Queirozes e outros. Tudo bem - "é assim mesmo", como se costuma dizer. Mas é pena que o potencial dos blogs originais - a subjectividade, a personalidade, a criação de espaços diarísticos - seja marginal (e, na que há, predominam ou as páginas de muito jovens ocupad@s com ídolos e gostos muito específicos, ou os n blogs portugueses de literatura/poesia). Eu próprio me queixo disso em relação a mim, preso que estou à necessidade de gerir a "representação de mim" num espaço demasiado semelhante aos jornais.

Há, é claro, alternativas: a blogayesfera tem bons exemplos de uma forma mais subjectivada mas ao mesmo tempo interveniente; é possível escapar à "hegemonia" se não se colocarem automaticamente links para tudo quanto é blog instituído na blogosfera.pt; se se colocarem mais links para o estrangeiro; se se escrever também noutra língua que não a portuguesa; se se introduzirem elementos de "afinidades electivas" (hobbies, gostos, manias, etc), para lá da abordagem apenas da "coisa pública". Pela parte que me toca, the least I can say is that I'll try...

mva | 13:14|
 

VISTO.



Shattered Glass. Filme inteligentíssimo, "gozando" com as nossas expectativas durante o trailer, no início e ao longo do filme. De tal maneira que cá em casa vimos dois filmes diferentes... Seja como for, são sempre fascinantes as histórias de fabulações, mitomanias, mentiras, acusações, perseguições, complots e quejandos. Devo dizer que a experiência pessoal me diz que a vida real imita muito bem estes filmes...

mva | 13:08|


19.4.04  

Nem tudo é mau...

PORTUGAL SUBSCREVE DECLARAÇÃO DE APOIO À RESOLUÇÃO BRASILEIRA NA ONU
Portugal subscreveu uma declaração que enfatiza a necessidade de considerar que todas as pessoas têm direito aos direitos humanos enunciados na declaração Universal dos Direitos Humanos, independentemente da sua orientação sexual, conforme é defendido pela Resolução Brasileira proposta à Comissão de Direitos Humanos da ONU cuja discussão e votação foi adiada para o próximo ano. Esta declaração foi produzida após a confirmação do adiamento da discussão. Nesta declaração faz-se também votos de que a Resoução seja tratada com respeito no próximo ano.
Todos os países da UE subscreveram esta declaração menos a Itália.
A Resolução Brasileira foi adiada, por proposta do prórpio Brasil, para que seja discutida num contexto mais favorável, isto apesar de países como a Argentina, a Àfrica do Sul, o Sri Lanka e Fiji, terem modificado a sua orientação de voto para um sim. A principal oposição regista-se em países fortemente islâmicos ou fortemente católicos. (do boletim da Opus Gay)

mva | 16:41|
 

Negreiros e Marinheiros.



Inaugurou uma exposição da obra gráfica de Almada Negreiros. Gosto muito destes marinheiros...

mva | 16:16|


18.4.04  

Bush também merece poemas.



next to of course god america i

«next to of course god america i
love you land of the pilgrims’ and so forth oh
say can you see by the dawn’s early my
country ‘tis of centuries come and go
and are no more what of it we should worry
in every language even deafanddumb
thy sons acclaim your glorious name by gorry
by jingo by gee by gosh by gum
why talk of beauty what could be more beau-
tiful than these heroic happy dead
who rushed like lions to the roaring slaughter
they did not stop to think they died instead
then shall the voice of liberty be mute?”
He spoke. And drank rapidly a glass of water»

e. e. cummings, 1926. (obrigado, Bela)

mva | 15:41|


17.4.04  

Radicais Livres.



Já não é só nos blogs que o "R" vermelho foi acrescentado aos cartazes "Abril é Evolução". Ontem, aqui bem perto de casa, já alguém tinha grafitado uns belos érres nos cartazes. O "R" promete transformar-se num símbolo. Mas acho que o protesto do "R" vai mais longe do que servir para repor a palavra "Revolução". Acho que é um gesto radical contra a mentira, a manipulação, a lavagem cerebral e o branqueamento. O "R" convoca a ideia de "Rebelde"; pode ser circunstancialmente "Revolucionário" (como no 25 de Abril), mas é sobretudo "Radical" - vai à raiz, procura explicar, é (porque a palavra para mim não é feia) "Racional". Aqui fica a proposta do símbolo para o movimento dos Radicais Livres.

mva | 11:50|
 

Temos Sapateiro?

No Público de ontem anunciam-se as medidas do governo Zapatero. Um dos destaques vai para os sector dos Direitos Civis e POlíticos, onde se pode ler: «direitos de casamento e sucessório para homossexuais e transexuais que obriga à revisão do Código Civil».

Sendo a Espanha o "país ao lado" (o único país ao lado...); estando Portugal e Espanha cada vez mais integrados; e sendo os percursos políticos e culturais das últimas décadas relativamente semelhantes para ambos os países, a pergunta que se impõe é esta: estaria o PS português disposto a defender o mesmo, no seu programa eleitoral para as próximas legislativas?

mva | 11:14|


15.4.04  

Ministério da Xiênxia e do Enxino Xuperior.

Está em discussão até dia 30 a proposta do Ministério da Ciência para o novo modelo de financiamento. Podem consultar este e este documentos. O segundo documento é extensíssimo e difícil de resumir aqui. Mas a parte que tem dado mais brado é a de contenção do brain drain. Para poderem beneficiar do programa especial, os cientistas terão que ter publicado 100 artigos em revistas internacionais referenciadas no ISI e com 200 citações; ou terem sido supervisores de, pelo menos, 10 doutoramentos já concluídos e terem publicado 50 artigos em Revistas Internacionais referenciadas no ISI e com 100 citações. Morri de riso quando vi o editorial do DN há dias elogiando isto. Será que os jornalistas pensam que "artigos" é o mesmo que artigos (de jornal)? Anyway...: por exemplo eu, nem que vivesse até aos 120 conseguiria ter 100 artigos publicados em revistas internacionais, sobretudo nas Ciências Sociais (um artigo demora em média meses a ser concluído e um a dois anos até ser publicado após a submissão; para mais, o ISI praticamente não contempla esta área; além disso, não é através destes critérios que a comunidade das Ciências Sociais avalia o valor do trabalho; e conseguir três candidatos a doutoramento já seria muito bom, quanto mais dez (e com teses concluídas, coisa que entre nós demora uns oito anos!).

Fiquem em Harvard, Berkeley, Chicago, LSE, Campinas or whatever, meus queridos: nunca conseguirão o almejado prémio de VIVER EM PORTUGAL!

mva | 17:42|


14.4.04  

Ai Brasil, Brasil...

Já devem ter percebido que tenho uma "relação especial" com o Brasil. Entre outras coisas (muitas e muitas viagens) fiz trabalho de campo numa cidade do Sul da Bahia, junto de pessoas que viviam no que se pode chamar uma favela (não quer dizer o mesmo que bairro de barracas, mas sim mais algo como bairro clandestino). Ao contrário do que a imaginação europeia (e, de certo modo, o filme A Cidade de Deus, que não o livro) criou, a favela não é um universo de desestruturação completa. É, surpreendentemente, um universo que também tem gente com estudos, também tem redes familiares sólidas, também tem solidariedades. De certo modo, até tem um "governo autónomo", dado o abandono a que é votado pelo Estado e o apartheid de facto em que o Brasil urbano vive. Por isso a guerra que estalou outra vez na Rocinha e outras favelas do Rio tem dois aspectos: por um lado, é, infelizmente, mais do mesmo, e não uma novidade absoluta - o "governo autónomo" que, por ser clandestino, se dedica a uma economia paralela, que é a da droga, entra em guerra com outros governos autónomos e com o Estado (ourtro governo autónomo de outra economia, só que maior e legal); mas, por outro, a proporção do que está a acontecer é assustadora. Espero que os meus amigos no Brasil me vão dando notícias, para melhor perceber o que está a passar-se - é que a comunicação social daqui não liga nada ao assunto.

Ao que se vai ligando - pudera, pois se é um governo de "esquerda" - é à contestação do governo de Lula e do PT. É com tristeza que digo que não saltei de alegria esperançosa com a eleição de Lula. Não por cinismo, mas porque só um cego não via que não havia condições políticas para as reformas. Aí está o Movimento Sem Terra agora a comprová-lo; e a guerra das favelas. A próxima imagem vai ser ACM, "Toninho Malvadeza", rindo disto tudo. Lula devia saber o que qualquer pessoa na Bahia está morta (às vezes literalmente) de saber: quem se mete com ACM e com a Direita recauchutada do caciquismo e da ditadura, não ganha nada com isso, porque não há nada a ganhar.

mva | 14:48|
 

O Vaticano no seu melhor.

«Os homossexuais não têm direitos, dado que a homossexualidade não tem valor social», diz um documento do Vaticano recentemente divulgado.

Agora sinceramente: os lgbts católicos ainda querem continuar a frequentar a ICAR? Eu não poria em causa a vossa fé: por muito que ache que não há diferença substantiva entre fé religiosa e ideologia, defenderia até à última o vosso direito a praticarem o vosso culto e a sentirem a vossa fé. Mas, sinceramente, repito: que tal deixarem de ir à ICAR e começarem a criar grupos autónomos de culto, como milhões e milhões de protestantes fizeram há séculos?

mva | 14:41|
 

Petição (!)

Recebido do Tiago Barbosa:

«José Manuel Fernandes, director do Público e brilhante sacristão do neoconservadorismo português, criticou hoje a retirada dos civis no Iraque, sob risco de se transmitir «sinais de fraqueza» perante a crescente resistência do povo iraquiano à ocupação imperialista.

A esquerda está atenta e lançou um movimento nacional para enviarmos JMF para o Iraque, servindo como escudo humano. Assinem a petição e divulguem-na. Parodiem o extremismo desta direita e combatam a ocupação. Se formos bem sucedidos, Pacheco Pereira está na calha.

* Petição: Zé Manel para o Iraque»

mva | 14:35|
 

NÃO-VISTO
A Gibsonada.

De vez em quando a NYRB (New York Review of Books) fala de filmes. De vez em quando: o que significa que atribui aos filmes escolhidos um estatuto especial, o da sua importância social e cultural. É o caso de A Paixão do Cristo (é assim, e não "de", que a tradução deveria ser...). (Escusado será dizer que a "importância social e cultural" refere-se à polémica, não à qualidade do filme...). Ora, na última NYRB, o artigo de Gary Wills diz, às tantas, e a propósito da violência: «My wife and I had to stop glancing furtively at each other for fear we would burst out laughing. It had gone beyond sadism into the comic surreal».

Como prefiro rir-me com objectos menos sangrentos, não fui ver a Gibsonada. Mas assumo que decidi não ir ver a coisa, após todos os relatos fidedignos sobre o fundamentalismo, o reaccionarismo e a homofobia do senhor (Gibson, that is).

mva | 10:31|
 

Uma questão de modernidade.



Margarida Neto, governante para a área da família, dá uma entrevista ao Público. A certo ponto fala da importância do trabalho a tempo parcial e todo o seu discurso tem por referência as mulheres. Nem lhe ocorre que os homens possam/devam ficar em casa também. Este é apenas um pequeno exemplo de um discurso não-moderno. MN nem sequer vai muito longe em reaccionarices explícitas - mas é por isso mesmo que se percebe a força e a resistência desta pré-modernidade.

No Reino Unido, o Partido Conservador organiza, agora, o seu sector gay. No País Basco, o governo - que não é de todo progressista - anuncia numa página inteira da Zero, o seu serviço de apoio a lgbts. Algo de semelhante não está sequer nos planos do nosso governo. Mas o meu "ponto" é que tão-pouco estaria nos planos de um governo do PS. E o que isto significa é que, mais do que a diferença direita-esquerda, temos um problema de diferença entre não-modernidade e modernidade. Ao ponto de, nos discursos correntes das pessoas "com aptidão de governo" no nosso país se reproduzir com certeza a frase de senso comum sobre as "modernices".

mva | 10:01|


13.4.04  

É tão fácil chegar lá com um spray...



Nisto, sou pela revolução... Vão ver o texto oficial de propaganda. Lá diz isto: «E decorridos 30 anos, seria estranho que a forma de comemoração não sofresse alterações. Deve sim ser uma Festa Nacional. Uma festa que através da noção de Presente nos dê uma visão de Futuro.Deve sim ser uma Festa Nacional.» Se esta frase não é um programa ideológico, o que é?

mva | 16:39|
 

Confissão.

Chego de férias e que corro a fazer? Ler os Renas e Veados e as Cacaoccino, confesso. Apagar os 123 mails publicitários e responder aos outros, confesso. Correr pelo site do Público para reconquistar o good old feeling de irritação à flor da pele com a vida política nacional, confesso. Ligar a TV da cozinha na esperança de estar a dar o John Stewart na SIC Radical, ter a sorte de o apanhar e ainda mais de estar a dar um sketch genial sobre como os heterossexuais estão a ser injustamente traumatizados com os casamentos gay (,confesso). Correr a fazer posts para recuperar o tempo perdido, confesso. Só depois é que telefono à minha pobre mãe a dizer que cheguei bem, confesso. A culpa é dela: quando o primeiro "homem" chegou à Lua ela acordou-me e fez-me ir para a sala ver a transmissão em directo: devo ter ficado traumaticamente marcado com os media e a ideia de coisas à distância.

(Prometo aos meus alunos que na segunda-feira lá estarei, no mundo real, e me deixarei de ciberhisterias. A minha política é o trabalho).

mva | 16:28|
 

E-books.

Aderi aos e-books. Por 8 dólares apenas daunelodei um livro de Alternate History directamente para o Palm, o que permite ler em todo o lado, sem transportar o peso dum livro e sem ter que descobrir espaço na estante para o arrumar depois. Já agora, Alternate History é um género menor de literatura, afim da Ficção Científica, e que consiste em escrever estórias sobre coisas como "o que teria sido se Hitler tivesse ganho a guerra". É um género menor, sem dúvida - and that's why I love it.

mva | 16:24|
 

NOVIDADE.



Manifesto, nº 5, Corpo, Intimidade e Poder. Com um excelente (mas muito gralhado!) texto de Miguel Vale de Almeida. Comprai! Lêde!

mva | 16:21|
 

LIDO.



Granta, nº 84, Over There. How America sees the world. Gosto muito da Granta e da forma criativa e leve como organiza números temáticos com muitos escritores. Nesta edição, procura responder-se à velha e intrigante questão: porque é que os americanos não sabem onde fica Lisboa, não se envergonham por não saberem, e não têm qualquer interesse em saber.

mva | 16:11|
 

LIDO.



Mário de Carvalho, Fantasia para dois coronéis e uma piscina. Quando existe alguém como o Mário de Carvalho, não percebo muito bem por quê o furor com Saramago ou Lobo Antunes. Pronto, já contribuí para a partidarite literária lusitana.

mva | 16:07|
 

Regresso a Lisboa.

Regresso a Lisboa. Sempre a mesma sensação na recolha das bagagens no aeroporto: um cheiro denso, como que a pó velho, que quase se corta; agora decorado com propaganda do Euro 2004 até à exaustão, tornando ainda mais acanhado o espaço. Já perto de casa, dois grandes cartazes: "Abril é evolução". Afinal era verdade, o slogan, não era piada anti-Barrosista, a não ser que Barroso seja o melhor imitador de si próprio (o que é perfeitamente possível).

As férias? Como sempre, é difícil fazer, e ainda bem, uma narrativa de dias de papo para o ar. Mas acontece muito que, numa qualquer viagem, a recordação mais forte seja de um mini-episódio, algo de irrelevante, mas que de alguma forma condensa sentidos. Saía dum bar gay muito simpático dedicado a musicais. Ainda se ouvia o "Cabaret" quando eu já estava à porta. De repente, do restaurante em frente, vem o som de música "norte-europeia": valsas, mazurcas, ou coisa assim. Um grupo gigante de islandeses de meia-idade dança as suas canções "populares" com entrega nostálgica. Durante uns segundos, fiquei parado, no ffriendly fire cruzado de um cabaret gay e de uma festa de acordeão num campo verde com uma igreja branca.

mva | 15:59|


6.4.04  

Canárias.

É provável que esta semana nao poste muito (sobretudo com tiles...). Estamos de "quaresma" nas Canárias....

mva | 23:02|


5.4.04  

Clandestinidade.

Reportagem da SIC sobre adolescentes homossexuais. O que me acertou em cheio não foi a qualidade ou falta dela, a perspectiva errada ou correcta, a irresponsabilidade ou não de Daniel Sampaio. Foi uma coisa mais "profunda", ao nível do estômago: como é possível que vivamos numa sociedade onde até os poucos jovens que têm consciência dos aspectos sociais da sua sexualidade sentem necessidade de esconder a cara? Triste, triste, triste.

Não me sobra a mais pequena simpatia pelo "sofrimento" dos pais ao saberem que um filho é gay ou uma filha é lésbica. Recuso-me a fazer o mais pequeno esforço por aceitar a "empatia" de Daniel Sampaio com esses pais. E escusado será dizer que não me sobra um grama de "compreensão" ou "paciência" pela incapacidade da classe política de esquerda em mudar este estado de coisas no plano dos apoios legais para a melhoria da vida dos cidadãos lgbt.

(Curiosamente estas reportagens remetem sempre tudo para o campo psicologizante; nunca entrevistam a classe política e os governantes; como se as questões de sexualidade fossem apenas "dramas pessoais", resolúveis apenas quando as pessoas "forem tolerantes". As TVs são supostas fazer jornalismo, não apenas human interest stories).

mva | 00:01|


4.4.04  

VISTO.



Along Came Polly. Produto de pacote comercial. Com a vantagem de aparecer uma personagem gay que não está na narrativa para que o público se ria. Simplesmente, está.

PS: Já repararam como há cada vez mais gente que não desliga o telemóvel nos cinemas e que, quando tocam, de facto atende?

mva | 23:59|
 

O rainbow bus do Martim.

mva | 19:16|
 

O Bloco nas Docas.

Acho que o chamado movimento anti-globalização tem imensas virtudes: na forma como se mobiliza, nas múltiplas agendas que defende, pelo facto de não se basear numa forma-partido e muito menos numa Internacional, e pelo próprio facto de ser global. Mas acho que chamar-lhe "movimento dos movimentos" cheira a messianismo político. Cheira a vontade desesperada de encontrar um "sujeito da História" por parte de quem viu desaparecer o "proletariado" ou a adaptação suavizante desta expressão a "trabalhadores", incluindo todo o tipo de assalariados. Rigorosamente nada no movimento anti-globalização indica que ele revele ou constitua um "sujeito histórico". Pior ainda quando o tal sujeito é entrevisto como sendo a "multitude", palavra cujo conteúdo é em si mesmo assustador. Mas se existe um "sujeito", deve existir uma acção.

Segundo Bertinotti, ontem na Festa do Bloco, e segundo o meu amigo Miguel Portas, essa acção é, nem mais, a "revolução". Eu percebo que o uso da expressão possa ser defendido como uma metáfora, uma imagem, parte de uma poética: a revolução seria a palavra, o símbolo para referir a transcendência do actual estado das coisas. Para o Miguel, as nuances incluem a ideia de uma revolução "quotidiana" (nas atitutdes, nos pequenos protestos, nos modos de vida - suponho), e não só a revolução como "horizonte" (i.e., a velha ideia comunista teleológica, da transformação total do mundo num dia no futuro). Misturam-se aqui várias tradições: a comunista propriamente dita, a situacionista do Maio de 68 (revolução nos hábitos e atitudes) e até a ideia de "revolução permanente".

Tudo isto parece muito bonito, mas não me agrada. Não porque me perturbe esteticamente ou porque o Bloco tenha que me agradar pessoalmente - coisa que, naturalmente, não tem a mais pequena importância para os outros - mas porque me cheira mais a reciclado do que a novo. Por exemplo, a forma como Bertinotti inventa um "nós" que inclui feministas, gays, ecologistas, etc., é uma fantasia: não só o movimento comunista sempre fez isso (juntar a si aliados de outros movimentos), como nada de menos evidente existe do que a ideia de que todos estes movimentos de política identitária partilhem de uma visão do mundo anti-capitalista, revolucionária e socialista. Basicamente as formações partidárias, participantes na democracia liberal tal como a temos, sentem que a agenda do passado já não serve (e fazem bem) e que a agenda dos movimentos sociais e identitários à sua volta lhes escapa, é caótica, desconexa, e necessitada de linha e agulhas para ser cosida.

Não gosto de dizer estas coisas, porque sei quem são, respeito e admiro muitas das pessoas que dão horas de trabalho para fazer as coisas. Fazem-no com dedicação. Refiro-me, agora, à Festa do Bloco. Achei o local feio e desagradável. Um armazém recente no Porto de Lisboa não é de todo a mesma coisa que um velho armazém abandonado onde se possa fazer uma instalação pós-moderna em cenário de arqueologia industrial. É, simplesmente, um sítio feio e escuro. Toda a estética jovem, fresca, moderna e inovadora que o Bloco já teve evaporou-se ali como por magia. Simplesmente assustador. Tão assustador como a frase "a revolução ainda é uma criançaa", totalmente descontextualizada para as gerações mais jovens, tão assustador como a linha gráfica e publicitária recente (o que é que está a acontecer ao Bloco neste campo?!). E isto não é a opinião de quem esteja a passar por "aburguesamentos" ou "desvios de direita". É a opinião de quem está a passar por questionamentos radicais e que, por isso, se assusta a ver o Bloco regredir ideologicamente. É a opinião de quem gosta de pensar que o Bloco serve para renovar a democracia portuguesa, para estimular a participação de mais e mais gente que não quer saber de "sujeitos históricos", que quer melhorar a vida sem precisar de horizontes de revolução, que vê muito mais inimigos e forças a abater do que o "capitalismo", gente que, nesse processo, pode ser politizada, i.e., que pode aprender pela prática e pela associação a outras práticas de interesses, que o mundo funciona como funciona porque as relações sociais estão organizadas de uma certa maneira e que essa maneira muda-se. E que a pior maneira de mudar é confundir tudo: revolução de Abril com revolução tout court, revolução a la comunista com revolução quotidiana à 68, etc.

Gosto de pensar no Bloco mais na linha da parte do discurso do Miguel que não resvala para a proposta de Bertinotti de um Partido da Esquerda Europeia - onde existem coisas como o Partido Comunista da Boémia e Morávia (!) (e ainda bem que o Bloco não aderiu - ainda) - mas se centra nas propostas do Bloco para as Europeias: contra o directório dos grandes países, pelo combate à pobreza, pela convergência social, por serviços públicos, contra o Pacto de Estabilidade e por um pacto do emprego, por um processo Constituinte e não pelo Tratado Constitucional.

O Bloco trouxe uma esperança política importante: trouxe esperança de alternativa face a um PS que nem à linhagem social-democrata pertence (ao contrário do PSOE, por exemplo), permeado por caciquismos, pactos de regime, catolicismos vários; e face a um PC que perdeu a História e se cristalizou. Mas se o Bloco enveredar por uma auto-definição como movimento "revolucionário" (sem dizer o que é, como se faz, em que consiste e que consequências tem essa "Revolução"), que tem por horizonte o "Socialismo" (palavra bonita, mas qual socialismo, quais os seus contornos? Se nenhuns, porque a definir nas calendas da utopia, então para quê a coisa? Então qual a diferença em relação a um messianismo?), e que tem como "sujeito histórico" um agregado difuso que faz lembrar as "massas", então qual a novidade? O odor a velho será tão grande como a ideia paradoxal de "refundação comunista" de Bertinotti. Em vez das coisas velhas se adaptarem às novas, as novas são interpretadas como variantes das velhas....

mva | 11:36|
 

MEDIAWATCH

Gosto desta frase do Saramago:
"O que se passa comigo, nesta altura da minha vida, pode ser traduzido em quatro ou oito palavras. Quanto mais velho, mais livre eu me sinto. E quanto mais livre eu me sinto, mais radical".

mva | 11:32|


3.4.04  

Da prisão para as nuvens.



A Teresa Dias Coelho é hoje entrevistada no Público. Conheço a Teresa, que é uma pessoa muito bonita e divertida. Para mais, ou sobretudo, é uma excelente pintora (e temos a sorte de ter um desenho dela cá em casa...). Conhecemo-nos na Política XXI e no Bloco. Agora, em 2004 e nos 30 anos do 25 de Abril, Teresa conta as suas histórias (com h, porque são infelizmente verdadeiras) de prisão por razões políticas. É que há por aí muita gente que ainda não percebeu que este país viveu em ditadura.

O site da Teresa, muito bonito, dá acesso a algumas das suas pinturas. Eu gostei muito da série das nuvens.

mva | 13:03|
 

MEDIAWATCH.
Olá, Helena, sou eu outra vez.

Hoje ficámos todos a conhecer qual a verdadeira agenda de Helena Matos-cronista-do-Público: usar em relação às pessoas, movimentos e posturas politicamente correctos a mesma estratégia de desconstrução normalmente usada para demonstrar o desencaixe entre discurso e prática dos conservadores, actividade a que tradicionalmente a "esquerda" e a academia se têm dedicado. O exercício tem dois problemas: o primeiro é que igualiza as partes naquilo que é uma relação de poder e visibilidade, logo uma relação assimétrica; o segundo é que soa tremendamente a ajuste de contas com a sua identidade e o universo de referências em que tem vivido - de "esquerda", "progressista", académico...

Mas há um terceiro problemazinho: é que HM erra bastas vezes na própria descrição dos factos que critica. Erra, por exemplo, quando despreza olimpicamente o facto de Villas-Boas não ser um simples cidadão e simples fazedor de opinião, mas sim alguém com um cargo de responsabilidade pública (na Comissão da Adopção). Erra quando pensa que quem atacou Villas-Boas (isto é, quem se defendeu) ressalvava a sua "boa" actuação no Refúgio (a mim, pelo menos, nunca me poderá ter ouvido dizer isso).

Eu até acho bem que a "esquerda", a "academia politicamente correcta" e outros universos paralelos sejam submetidos a vigilância e crítica. Tudo bem. Só que não é essa a sensação com que se sai do artigo de HM. Sai-se, isso sim, com a sensação de ter lido uma tentativa de limpeza dos barbarismos de Villas-Boas. Acontece que os barbarismos, quando ditos por alguém com poder, fazem-nos ter boas razões para pensar que podem transformar-se em barbaridades. Isto é, de discurso passam facilmente a práticas. Até porque há boas razões para pensar que os discursos são quase sempre o precipitado de práticas.

mva | 12:33|


2.4.04  

Uma bomba.

Fui dos que se "passaram" com o facto de na manifestação contra a guerra (e o terrorismo) ter estado um grupo representando terroristas suicidas. O Público fez dessa imagem foto de primeira página. Entretanto várias pessoas já explicaram que se tratava de uma performance do grupo Gaia, supostamente representando o absurdo do bombismo suicida e a situação em Israel-Palestina. Mas apesar das explicações, aquele evento - e a sua leitura como apoio terrorista - ficou "congelado" nas mentes de muita gente, que o vai repetindo, repetindo, até que se torne verdade, facto, História. Daqui a um ano algum comentador dirá "lembram-se de como os anti-guerra apoiaram os bombistas suicidas?". Esta é uma lição sobre a capacidade dos media de criarem realidade. Mas também sobre a ingenuidade de muitos alternativos que não percebem que tudo o que se faça numa manif é mediático.

mva | 12:25|
 

MEDIAWATCH
Abril, águas mil

Este mês vai ser giro, vai. As asneiras vão chover. A direita prepara-se para o golpe final de revisionismo histórico, substituindo "revolução" por "evolução". O director do Público dá uma ajuda: o Bloco é apresentado como uma força clandestina com desejos de revolução. Como o PCP já é visto - injustamente, até - como um fóssil, é o Bloco que apresenta o perigo simbólico de um grupo que não alinha na nova hegemonia, no novo pensamento único. Quase apetece confirmar os fantasmas de JMF: confesso que nas reuniões do Bloco se discute a estratégia para a Revolução; confesso que se elaboram listas de pessoas a prender; confesso que se escreve a constituição que abolirá a propriedade privada; confesso que se telefona para Cuba e para a Coreia do Norte a pedir cheques; confesso que se cantam hinos de louvor a Lenin e Mao e Trostsky (estes dois últimos são louvados em salas separadas para os camaradas não ferirem susceptibilidades mútuas). Mas, hélas, a coisa é bem mais normaleca e burguesa do que isso. Peço desculpa a JMF por lhe estragar a fantasia.

O Bloco pode ter, tem e sempre terá - por ser um grupo de pessoas - muitos defeitos e coisas mal-acabadas. Bem como disputas ideológicas, como a que opõe os que subscrevem a retórica do socialismo e da revolução (embora esta seja sobretudo uma metáfora, não o projecto de um acto político violento) e os que, como eu, não o fazem. Mas não se pode, em termos de honestidade intelectual, apontar como defeito principal o passado político das pessoas. Porque, a fazê-lo, das duas uma: ou também se contemplam as pessoas do Bloco cujo passado foi outro que não a esquerda "revolucionária" (nomeadamente o MDP/CDE e a Política XXI e todos os novos aderentes, sobretudo os de gerações posteriores aos calores de Abril de 74); ou o acusador se contempla também - e nesse caso o Público seria uma clandestina continuação da extrema-esquerda a que JMF pertenceu?

mva | 11:53|


1.4.04  

Coisas que poderiam ter sido notícia hoje:

George Bush pede desculpa por invasão do Iraque.
Reveladas todas as ligações entre as famílias Bush e Bin Laden.
Durão Barroso incompatibilizado com Paulo Portas. Coligação por um fio. "Ele é um fascista", disse Barroso.
Paulo Portas anuncia revelação estrondosa.
PSD/CDS com 10% das intenções de voto.
Helena Roseta eleita secretária-geral do PS.
Rendimento Mínimo Garantido acaba com pobreza.
Serviços Públicos portugueses considerados os melhores da Europa - diz o relatório da Comissão Europeia.
Convocadas eleições constituintes ao nível europeu.
Já é possível duas pessoas do mesmo sexo casarem-se em Portugal.
0,5% dos orçamentos dos países da UE destinados ao desenvolvimento sustentado em África.
José Eduardo dos Santos julgado no Tribunal da Haia - filha a fazer compras em Miami não estará presente.
Crise! Estádios meio vazios para o Euro. Desinteresse do público é a causa.
Israel e Palestina celebram nas ruas a constituição dos dois novos estados laicos e pluriétnicos.
As instâncias internacionais deixaram de considerar o Vaticano um Estado.
Fundamentalistas islâmicos não conseguem recrutar aderentes - diz relatório da União Muçulmana pela Laicidade e a Democracia.
Diogo Infante e Ana Zanatti aceitam ser rei e raínha da marcha de 26 de Junho.
Carros e gasolina vêem o preço duplicado: "É uma questão de civilização", disse Ferreira Leite.
Santana Lopes demite-se e funda a Hola portuguesa.
Príncipe de Astúrias e Letizia Ortiz rompem: "Não posso viver mais na mentira", proclamou o herdeiro.
Candidatos a deputados sujeitos a testes de literacia, ciência política e a certificação da situação fiscal.
TVI cai para os 0,2 de share. "A continuar assim, teremos que fechar", disse Moniz.
Espanholas vêm abortar a Portugal: "Las condiciones son muy buenas. Aquí hay más dignidad y libertad".
"Tecnologias de informação e educação exigente são o segredo do sucesso", disse Kofi Anan na entrega do galardão "País mais Promissor" a Portugal.
João César das Neves pede asilo político ao Vaticano. Núncio Apostólico recusa: "estamos num momento difícil de reconhecimento internacional".
Luís Villas-Boas aceita cargo de porteiro da Associação das Mulheres em Acção pela Vida.
TV Cabo ganha o Ig-Nobel de "Worst Company and Sorriest Excuse for a Monopoly".
Miguel Vale de Almeida considerado a pessoa mais inteligente, bonita, criativa, rica e solidária do Universo Conhecido.

mva | 19:21|