14.4.04
Ai Brasil, Brasil...
Já devem ter percebido que tenho uma "relação especial" com o Brasil. Entre outras coisas (muitas e muitas viagens) fiz trabalho de campo numa cidade do Sul da Bahia, junto de pessoas que viviam no que se pode chamar uma favela (não quer dizer o mesmo que bairro de barracas, mas sim mais algo como bairro clandestino). Ao contrário do que a imaginação europeia (e, de certo modo, o filme A Cidade de Deus, que não o livro) criou, a favela não é um universo de desestruturação completa. É, surpreendentemente, um universo que também tem gente com estudos, também tem redes familiares sólidas, também tem solidariedades. De certo modo, até tem um "governo autónomo", dado o abandono a que é votado pelo Estado e o apartheid de facto em que o Brasil urbano vive. Por isso a guerra que estalou outra vez na Rocinha e outras favelas do Rio tem dois aspectos: por um lado, é, infelizmente, mais do mesmo, e não uma novidade absoluta - o "governo autónomo" que, por ser clandestino, se dedica a uma economia paralela, que é a da droga, entra em guerra com outros governos autónomos e com o Estado (ourtro governo autónomo de outra economia, só que maior e legal); mas, por outro, a proporção do que está a acontecer é assustadora. Espero que os meus amigos no Brasil me vão dando notícias, para melhor perceber o que está a passar-se - é que a comunicação social daqui não liga nada ao assunto.
Ao que se vai ligando - pudera, pois se é um governo de "esquerda" - é à contestação do governo de Lula e do PT. É com tristeza que digo que não saltei de alegria esperançosa com a eleição de Lula. Não por cinismo, mas porque só um cego não via que não havia condições políticas para as reformas. Aí está o Movimento Sem Terra agora a comprová-lo; e a guerra das favelas. A próxima imagem vai ser ACM, "Toninho Malvadeza", rindo disto tudo. Lula devia saber o que qualquer pessoa na Bahia está morta (às vezes literalmente) de saber: quem se mete com ACM e com a Direita recauchutada do caciquismo e da ditadura, não ganha nada com isso, porque não há nada a ganhar.
mva |
14:48|
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