Esta coisa do ciberespaço, apesar de globalizante (ou por isso), também se cose segundo linhas nacionais, locais e de grupo. Tome-se o exemplo do sucesso dos blogs em Portugal. Quando visitamos blogs (sobretudo os do início do "movimento") de outros países - sobretudo EUA, Brasil, e também muitos europeus - veirificamos que muitos se cingiram ao propósito inicial da bloguística: diários pessoais, extensões das páginas pessoais, onde os indivíduos se podiam apresentar/representar perante uma sociedade anónima (!).
Em Portugal, os blogs foram, pelo contrário, aproveitados por uma camada sobretudo jovem mas já profissionalizada (com computador, acesso à net e literacia), com muita genica e garra, e muito ligada à esfera quer da política, quer do comentário, quer mesmo do jornalismo (sobrepondo-se muitas vezes as três). Isto ajudou a definir o espaço bloguístico como um espaço de para-política e para-jornalismo: o comentário das notícias e das polémicas tal como apresentadas pela agenda dos media (e, depois, saudavelmente sujeitas a debate). Durante muito tempo parecia mesmo que a blogosfera.pt era o domínio de Pachecos Pereiras, jovens intelectuais de direita, pessoal do Blogue de Esquerda e suas cisões.
De certo modo, continua a ser - pelo menos é o que indica a "visão autorizada" dada pelos media quando começaram a prestar atenção aos blogs. Criou-se - sem que isso seja o resultado de uma conspiração ou intenção -uma "hegemonia bloguística", definidora de um campo, um âmbito, uma temática e até mesmo uma linguagem e estética. Caracterizada por aspectos mais jovens como o cosmopolitismo, a provocação, a energia de construção de carreira, entrou em diálogo com aspectos mais instituídos, como o opinion-making jornalístico e televisivo. A batuta indicou desde cedo o posicionamento ideológico-político como a pedra de toque com, por exemplo, a tradicional divisão direita-esquerda.
Tanto os jovens bloguistas como os velhos opinion-makers constituem grupos muito masculinos, com algum pendor para a competição e a contagem (recordes de número de visitas, estatísticas dos blogues, etc) e apostados na gestão/digestão/congestão das polémicas lançadas pelos media, embora com alguns sinais de vontade de produzir contra-informação. Nesta junção de velhos e novos comentadores, "tradições" portuguesas antigas continuaram a reproduzir-se: é o caso do sucesso que teve O Meu Pipi, típico produto de uma suposta intelectualização/sofisticação literária do sexismo; ou a forma como um marialvismo "actualizado" penetra alguns blogues; ou, ainda, os modes da chapelada, da bengalada, da bofetada de luva branca ou do puro e simples insulto que caracterizam muitas disputas nos "comments".
Embora seja mais ou menos evidente que a) também pertenço em parte a esse universo e, b) paradoxalmente, ele não me seja muito simpático, este comentário não é tanto uma crítica, como uma constatação de que, na blogosfera, se reproduz, afinal, o nosso tecido social das elites da opinião - os blogs pt como o equivalente das gazetas e jornais do início do século XX, com as suas versões actualizadas de Ramalhos, Queirozes e outros. Tudo bem - "é assim mesmo", como se costuma dizer. Mas é pena que o potencial dos blogs originais - a subjectividade, a personalidade, a criação de espaços diarísticos - seja marginal (e, na que há, predominam ou as páginas de muito jovens ocupad@s com ídolos e gostos muito específicos, ou os n blogs portugueses de literatura/poesia). Eu próprio me queixo disso em relação a mim, preso que estou à necessidade de gerir a "representação de mim" num espaço demasiado semelhante aos jornais.
Há, é claro, alternativas: a blogayesfera tem bons exemplos de uma forma mais subjectivada mas ao mesmo tempo interveniente; é possível escapar à "hegemonia" se não se colocarem automaticamente links para tudo quanto é blog instituído na blogosfera.pt; se se colocarem mais links para o estrangeiro; se se escrever também noutra língua que não a portuguesa; se se introduzirem elementos de "afinidades electivas" (hobbies, gostos, manias, etc), para lá da abordagem apenas da "coisa pública". Pela parte que me toca, the least I can say is that I'll try...