OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


3.4.04  

MEDIAWATCH.
Olá, Helena, sou eu outra vez.

Hoje ficámos todos a conhecer qual a verdadeira agenda de Helena Matos-cronista-do-Público: usar em relação às pessoas, movimentos e posturas politicamente correctos a mesma estratégia de desconstrução normalmente usada para demonstrar o desencaixe entre discurso e prática dos conservadores, actividade a que tradicionalmente a "esquerda" e a academia se têm dedicado. O exercício tem dois problemas: o primeiro é que igualiza as partes naquilo que é uma relação de poder e visibilidade, logo uma relação assimétrica; o segundo é que soa tremendamente a ajuste de contas com a sua identidade e o universo de referências em que tem vivido - de "esquerda", "progressista", académico...

Mas há um terceiro problemazinho: é que HM erra bastas vezes na própria descrição dos factos que critica. Erra, por exemplo, quando despreza olimpicamente o facto de Villas-Boas não ser um simples cidadão e simples fazedor de opinião, mas sim alguém com um cargo de responsabilidade pública (na Comissão da Adopção). Erra quando pensa que quem atacou Villas-Boas (isto é, quem se defendeu) ressalvava a sua "boa" actuação no Refúgio (a mim, pelo menos, nunca me poderá ter ouvido dizer isso).

Eu até acho bem que a "esquerda", a "academia politicamente correcta" e outros universos paralelos sejam submetidos a vigilância e crítica. Tudo bem. Só que não é essa a sensação com que se sai do artigo de HM. Sai-se, isso sim, com a sensação de ter lido uma tentativa de limpeza dos barbarismos de Villas-Boas. Acontece que os barbarismos, quando ditos por alguém com poder, fazem-nos ter boas razões para pensar que podem transformar-se em barbaridades. Isto é, de discurso passam facilmente a práticas. Até porque há boas razões para pensar que os discursos são quase sempre o precipitado de práticas.

mva | 12:33|