OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


24.4.04  

25-A


[foto sem referência ao autor, no site do PCP]

E pronto: o 25-A faz 30 anos! Durante muito tempo foi das datas mais importantes do meu calendário pessoal. Precisava de datas, na ausência das religiosas, que não me dizem nada, e sendo uma dessas infelizes criaturas nascidas em pleno Agosto, sem amiguinhos para os aniversários (e com uma longa tradição de viajar pelo Natal...). Creio que foi importante porque na altura tinha 13 anos e a Revolução empurrou-me para a "maturidade" a uma velocidade exponenciada. Aos 15 já estava "politizado" (como se dizia) e isso na época queria dizer mais do que pertencer a um partido: significava o questionamento do carácter socialmente construído de quase tudo. Foi também importante porque já na altura tinha - muito por observação do meu irmão mais velho - o receio de vir a fazer a tropa e ir para a guerra colonial (durava há tanto tempo que parecia infinita e, na família, já havia o que Bush chamaria danos colaterais, chegando mesmo ao agravamento de uma esquizofrenia que conduziu ao suicídio de um familiar). E porque me lembro de, em miúdo, os meus pais terem subitamente imposto silêncio a si próprios quando, segundos antes, em plena Ponte "Salazar", tinham saudado efusivamente a morte do Coiso, anunciada na rádio. E porque me lembro de papéis "subversivos" serem queimados na banheira lá em casa - um gesto infeliz, dado que a casa de banho não tinha (não tem) janelas... E porque, já depois do 25-A, conheci muita gente com histórias, essas sim, terríveis.

Na noite anterior já sabíamos que alguma coisa ia acontecer. O meu irmão estava de algum modo informado, embora nada tenha sido dito (a auto-censura era a norma). Por causa disso ouvimos o Depois do Adeus e a Grândola. Na manhã seguinte, a nossa rua, onde era o Rádio Clube Português, estava cortada pela tropas e assim permaneceu durante uns três dias - não pudemos participar dos festejos de rua e tivemos que comer o que um restaurante solidário (à época, é claro...) fornecia ao prédio inteiro. Ao longo dos primeiros dias e semanas, habituámo-nos a ouvir dizer que o 25-A servia para Descolonizar, Democratizar e Desenvolver. A descolonização lá se fez. Foi dura e teve consequências más nalguns países? Teve. Mas essas foram consequências da colonização e da guerra colonial e dizer o contrário parece-me duma tremenda "desonestidade histórica". A democratização básica também se fez - é aquela que, depois dos conflitos de 75, passámos a ter até hoje; mas que está manca de participação e aprofundamento para campos que não o estritamente político. O desenvolvimento também se deu, por vezes como travesti de mero crescimento.

Mas o 25-A está ainda por fazer justamente naquilo que o governo actual diz ser a sua característica - a "Evolução". Pobreza, iliteracia, precariedade, caos urbanístico, deterioração ambiental, estado social fraco, aborto ilegal e direitos lgbt cerceados, ausência de multiculturalismo, e deterioração dos sistemas político e judicial, são sinais de atraso, de capacidade de resistência dos interesses instalados, e de fraqueza das mobilizações cívicas. Salazar e Caetano eram uns malandros espertalhaços, capazes de adaptarem uma ditadura às forças de atraso cultural incorporadas na vivência dos portugueses. Os dirigentes do regime democrático não souberam, em trinta anos, ajudar a promover "outras forças" ou, como é costume dizer-se, a "mudança das mentalidades".

Talvez a geração que toma a democracia por adquirida (o que acho óptimo), que vive os efeitos bons da globalização, e que se sente europeia, venha a conseguir tirar, de vez, o retrato do Velho Senhor da parede.

Um cravo vermelho e outro rosa para tod@s e cada um/a!

mva | 19:13|