OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


2.4.04  

MEDIAWATCH
Abril, águas mil

Este mês vai ser giro, vai. As asneiras vão chover. A direita prepara-se para o golpe final de revisionismo histórico, substituindo "revolução" por "evolução". O director do Público dá uma ajuda: o Bloco é apresentado como uma força clandestina com desejos de revolução. Como o PCP já é visto - injustamente, até - como um fóssil, é o Bloco que apresenta o perigo simbólico de um grupo que não alinha na nova hegemonia, no novo pensamento único. Quase apetece confirmar os fantasmas de JMF: confesso que nas reuniões do Bloco se discute a estratégia para a Revolução; confesso que se elaboram listas de pessoas a prender; confesso que se escreve a constituição que abolirá a propriedade privada; confesso que se telefona para Cuba e para a Coreia do Norte a pedir cheques; confesso que se cantam hinos de louvor a Lenin e Mao e Trostsky (estes dois últimos são louvados em salas separadas para os camaradas não ferirem susceptibilidades mútuas). Mas, hélas, a coisa é bem mais normaleca e burguesa do que isso. Peço desculpa a JMF por lhe estragar a fantasia.

O Bloco pode ter, tem e sempre terá - por ser um grupo de pessoas - muitos defeitos e coisas mal-acabadas. Bem como disputas ideológicas, como a que opõe os que subscrevem a retórica do socialismo e da revolução (embora esta seja sobretudo uma metáfora, não o projecto de um acto político violento) e os que, como eu, não o fazem. Mas não se pode, em termos de honestidade intelectual, apontar como defeito principal o passado político das pessoas. Porque, a fazê-lo, das duas uma: ou também se contemplam as pessoas do Bloco cujo passado foi outro que não a esquerda "revolucionária" (nomeadamente o MDP/CDE e a Política XXI e todos os novos aderentes, sobretudo os de gerações posteriores aos calores de Abril de 74); ou o acusador se contempla também - e nesse caso o Público seria uma clandestina continuação da extrema-esquerda a que JMF pertenceu?

mva | 11:53|