Terroristas culturais de todo o mundo, regozijai! A Electro Parade de Lisboa foi um fracasso monumental, graças à chuva. Consta que a coisa custou entre 400 e 500 mil euros. Sabe-se que a coisa contou com todo o apoio da CML. Mas a coisa falhou porque a coisa não é nada, não quer dizer nada e não serve para nada. Quis Santana Lopes imitar, do dia para a noite, aquilo que noutros sítios demorou anos a ser feito: integrar nas parades o espírito das marchas pelos direitos gay (que são sempre política e festa). Pois bem, os gays não foram na cantiga. E Lopes fê-lo de má fé: marcou a coisa para 29 de Junho, no dia a seguir à Marcha LGBT. Teve o "cuidado" de remeter o Arraial Pride para uma coisa chamada Parque do Calhau, algures entre linhas de comboios, autoestradas e árvores, muitas árvores. Quis remeter os LGBTs para a periferia da cidade, do mesmo modo que recusa um tostão para apoiar, por exemplo, o Festival de Cinema Gay e Lésbico. A esperteza saloia e arrivista de gel no cabelo é isto: marginalizar, não subsidiar, recusar ver na promoção da diversidade um valor cosmopolita (e também turístico...). Mas, ao mesmo tempo, canibalizar o que os excluídos fazem. Apesar destes boicotes, a Marcha LGBT correu bem, com muito mais gente dos que as 500 pessoas anunciadas nos media (os quais, by the way, escrevem com encanto sobre as centenas de milhar de pessoas nas grandes capitais, mas desprezam e gozam com os eventos iguais em Portugal...). E o Arraial encheu, como se a gayzada tivesse tomado o campo de assalto. Só é pena que 90% dos convivas não tivesse estado, horas antes, na marcha. Resta o consolo de não terem posto os pés na Santana Parade.
Apesar disto, ainda há que dar o salto. O salto para muito mais gente na Marcha do dia 28 de Junho. Ou isso acontece ou teremos que assumir tratar-se Lisboa de uma cidade periférica da Península Ibérica. Poder-se-á então falar da mega-marcha de Madrid e, depois, dos acontecimentos "noutros pontos do país", como Vigo, Cadiz ou Lisboa. Pelo sim, pelo não, terminei esta semana o curso de Espanhol do Instituto Cervantes. Posso agora ler o El Pais com mais facilidade, não tendo que aturar as tentativas de imitação locais, como o jornal que publica artigos de Helena Matos, permeados da espécie muito característica de ignorância mascarada de espírito crítico que caracteriza a intelectualidade cá da província. E posso oferecer-me para escrever cartas de recomendação para João César das Neves dar entrada num retiro prolongado da Opus Dei algures numa berça católica das profundas de Espanha.
Trinta e tal anos depois, ainda vale a pena ler o "Manifesto SCUM" (Society for Cutting Up Men) da Valerie Solanas, a mulher que disparou contra Andy Warhol. Tal como o manifesto do Unabomber ou algumas coisas do Sade ou dos Situacionistas, o texto é feito de uma potente mistura de racionalidade e radicalismo, o que, como sempre, redunda em pura e simples loucura. Mas esta loucura extrema é o que ajuda a perceber quão acertados e certeiros são os pontos que se quer transmitir. É um pouco como nas negociações, em que primeiro se pede uma quantia absurda, até se chegar a uma quantia razoável... (não é bem isto que quero dizer, mas estou um bocado off hoje...). Uma breve passagem:
A SCUM liquidará todos os homens que não façam parte do Auxiliar Masculino da SCUM (...) Exemplos de homens do Auxiliar Masculino: homens que matam homens; biólogos que trabalham em programas construtivos e não em prol da guerra biológica; jornalistas, escritores, editores e produtores que disseminam e promovem ideias conduzindo à realização dos objectivos da SCUM; bichas que, com o seu brilho flamejante, encorajam outros homens a desmasculinizarem-se e a tornarem-se assim relativamente inofensivos; homens que dão coisas: dinheiro, serviços; homens que contam as coisas como elas são (até agora nunca nenhum o fez), que se mostram correctos com as mulheres, que revelam a verdade acerca de si próprios, que dão às desmioladas mulheres-homem frases correctas para elas papaguearem, que lhes dizem que o objectivo principal na vida duma mulher devia ser esborrachar o sexo masculino (para ajudar os homens nesta diligência, a SCUM organizará Sessões do Cagalhão, nas quais todos os homens presentes farão um discurso que começa assim: «Eu sou um cagalhão, um vil e abjecto cagalhão» (...) A recompensa por essa atitude será a oportunidade de confraternizarem depois da sessão e durante uma hora inteira com os membros da SCUM presentes.
And so on... Divertido e violento: terrorismo cultural.
Querem um exemplo de como o país não funciona? Como saberão, sou prof universitário. Às vezes participo em júris de teses de mestrado ou doutoramento. Antes da defesa propriamente dita, costuma haver uma reunião do júri em que se decide aceitar ou não a tese para defesa e se distribui o serviço do júri, bem como se decide a data do acontecimento. Pois ontem tive que ir a Coimbra, com mais dois colegas, para uma reunião de dez minutos. Foram duas horas de carro para lá, mais duas para cá. Pelo caminho, foi necessário meter gasoilina e, obviamente, pagar portagens. O dia começou às 9 da manhã e terminou às 5. Nenhum de nós leu alguma coisa, escreveu alguma coisa, atendeu algum aluno, orientou alguma tese, preparou alguma aula. Em suma, nenhum de nós trabalhou. É mais do que evidente que aquela reunião poderia ter sido feita via internet ou via telefone. Mais: nos EUA, em universidades como Harvard ("eu sei", porque cá em casa alguém passou por isso há pouco tempo...), até um membro do júri da defesa da tese de doutoramento pode intervir por telefone, poupando tempo e despesas de viagem.
Ontem nenhum de nós trabalhou, todos (ou as nossas instituições) gastámos dinheiro, e ainda corremos os riscos inerentes a conduzir numa estrada portuguesa.
Dois curiosos conjuntos de dados vieram nos últimos tempos contradizer o senso comum sem que, todavia, este se altere. Isto é algo que não cessa de me espantar. Ambos dizem respeito, de forma indirecta, à "sexualidade" e à política sobre/em torno dela. Há talvez um mês atrás um órgão competente divulgava os números sobre os casos reportados de abuso sexual de menores. Qualquer coisa como 600 num ano. Desses, qualquer coisa como 400 e tal tinham ocorrido no meio familiar, sendo os abusadores homens e as abusadas raparigas. Os restantes diziam respeito a rapazes vítimas de abuso por homens. Ontem mesmo, uma outra instância competente revelava que o "grupo" onde surgem agora mais casos de infecção pelo HIV é o dos heterossexuais.
Apesar destas informações, o senso comum continua a confundir alegremente o caso específico da Casa Pia (internato, e sobretudo masculino) com o abuso sexual em geral. A confusão presta-se, obviamente, a gerar uma outra, entre homossexualidade e abuso. Assim como continua, de forma difusa, a confundir sida e homossexualidade.
Uma visão mais inteligente destas coisas é precisa. No caso do abuso, há que dizer que este é intolerável, assim como é intolerável a confusão entre ele e homossexualidade. No caso do HIV/sida, há que dizer que é errado falar de grupos de risco, em vez de comportamentos de risco, sejam esses grupos os homossexuais ou os heterossexuais.
O problema é que parte da pedagogia democrática deve consistir em desligar o que não deve estar ligado. Assim, tacticamente, continua a ser importante dizer que a maior parte dos casos de abuso são sobre raparigas (quando, em rigor, deveria ser indiferente o sexo das vítimas. Mas não é, porque existe uma acrescida perseguição da homossexualidade, bem como desprezo pelo abuso de raparigas ou mulheres). Assim como continua a ser tacticamente importante referir que se inverteu a incidência de HIV/Sida entre homo e heterossexuais (quando, em rigor, deveria ser indiferente a orientação sexual. Mas não é, porque existe uma acrescida perseguição da homossexualidade).
(Já agora, um último ponto: num caso como noutro, ninguém parece preocupar-se muito com o óbvio, a saber, que os abusadores são na sua esmagadora maioria homens e que os comportamentos de risco são esmagadoramente masculinos. Ou seja: algo de errado acontece no universo de poder e irresponsabilidade da masculinidade. Não era já tempo de uma educação sexual que tivesse como um dos seus pilares começar a acabar com esta cretinice do género ou, pelo menos, a mudar a forma como os nossos rapazes são educados para a estupidez só porque têm um clítoris maior e mais visível que o das raparigas?)
O "Público" de ontem resolveu fazer dos blogs um "fenómeno". É certo que, pelo meio, referiu o meu modesto coiso (obrigado). Todavia, o papel fundador atribuído a Pacheco Pereira parece-me um pouco exagerado. Não que não tenha sido dos primeiros, dos mais profícuos ou dos mais acedidos. A questão está na própria necessidade de se procurar sempre quem é o primeiro, o mais profícuo, o mais acedido. O ciberespaço parece continuar as características da sociedade, em vez de as alterar, ao contrário de algumas utopias.
Há uma necessidade incrível de três coisas: primeiro, criar novas realidades, dando-lhes nome e contornos, neste caso a blogosfera, como se faz com os países, partidos ou clubes; segundo, criar-lhe uma mitologia, com heróis fundadores, conflitos dinásticos, tricas de corte; terceiro, criar um campeonato em que se possa medir quem tem mais meios, mais força, mais território, etc., e quem tem menos. Pensava eu que a blogosfera ia escapar a esta lógica mercantil-masculinista, um pouco no seguimento das fantasias sobre o carácter democrático e anárquico (no sentido estrito) do ciberespaço. Afinal não. A blógica da coisa não é substancialmente diferente.
Um mínimo de atenção e teria destruído essas fantasias há mais tempo. Um exemplo: salvo raras excepções, recebo (como muita gente recebe) comentários com duas terríveis características - são anónimos e os conteúdos são violentos. A força da cobardia e a cobardia da força. Estes elementos são tudo menos democracia, tudo menos "rede", tudo menos "comunicação". São o horror da mesquinhez por outros meios.
Não duvido que isto dos blogs - a cujo género ainda não me habituei completamente, a começar pela periodicidade - tem um potencial tremendo e aliciante. Mas tãopouco duvido que possa ser apenas mais um meio para mais do mesmo. Tudo depende de quem está por trás do teclado, por assim dizer. Blógico.
Publicidade Cívica Querem viver numa sociedade mais livre? Mais cosmopolita? Mais justa? Querem fazer do slogan "Nem menos, nem mais, direitos iguais" o vosso slogan? Então, apareçam no dia 28. É combativo, é divertido, e os participantes são de todas as cores, idades e feitios, incluíndo heteros (ah, sim, entre as 2000 pessoas previstas haverá 2 ou 3 travestis e drag queens, graças a d***...).
M**** Esta é a Lisboa que deveria ser mostrada aos turistas, em vez das pitorescas imagens do rio. Porquê? Porque esta é que é a Lisboa real, da maioria dos seus habitantes. Mais: isto não se passa num qualquer subúrbio de terceiro mundo ou num "bairro social" (onde, de qualquer modo, não deveria passar-se...). Passa-se dentro dos limites da cidade, numa zona de classe média. Lisboa é isto: zonas "expectantes", sem ajardinamento, com lixo, ladeadas de passeios para estacionamento de carros. Aquele poste de candeeiro no meio, já agora, não dá luz. Entretanto, Santana Lopes decidiu alcatroar a rua toda, que nem precisava. Para quê? Para satisfazer os automobilistas, pois toda a gente sabe que a maior parte das pessoas está-se nas tintas para o arranjo urbano, preocupando-se mais com os carros, a "mobilidade" e uma vontade doida de chegar depressa aos sítios - num país onde, de qualquer modo, as pessoas chegam atrasadas por desrespeito e desleixo e não por causa do trânsito. É caso para dizer que Santana Lopes e a maior parte dos lisboetas estão feitos um para os outros. Armado em cidadão electrónico, mandei um mail para a CML. A resposta, surreal, dizia que não havia nenhum problema, que tudo estava tratado - um pouco como se o funcionário nem sequer tivesse percebido a que problema eu me referia. Nós, antropólogos, chamamos a isto relativismo cognitivo. Em linguagem plebeia: quem está habituado à m****, não vê a m****.
A Constituição anti-Turca Anda toda a gente alvoroçada com o preâmbulo da Constituição europeia. O grande debate parece ser em torno de incluir ou não uma referência ao cristianismo. Optaram os constituintes por não referi-lo e por dar mais importância às Luzes, etc. Hoje, no Público, Esther Mucznik também se indigna pela ausência de uma referência ao fundo judaico-cristão da cultura europeia. Ninguém tem razão neste debate. A meu ver, não se trata sequer de uma questão de optar entre laicidade e referência religiosa (mesmo no sentido "cultural"). Uma constituição não tem que ter referências a nada de cultural, pois isso significa sempre uma opção ideológica complicada. Não existe nada de neutro em referir quer o cristianismo, quer o Iluminismo. Não se deveria, isso sim, referir seja o que for. Uma constituição deve servir para estabelecer um contrato de cidadania, e esta deve ser independente das questões de identidade cultural maracadas por histórias complicadas em torno de religiões, projectos científicos, filosóficos ou ideológicos, bem como em torno de questões étnicas. Quer a referência ao cristianismo (ou ao judaico-cristianismo), quer a referência ao iluminismo, pretendem a mesma coisa: isolar o Islão e, em particular, a Turquia, pois o Islão é por definição não-cristão e terá, supostamente, escapado à revolução das Luzes. O que me interessa é o mundo em que vivemos e o que queremos fazer, com democracia aprofundada, igualdade e diversidade. Não consigo imaginar a Europa sem a Turquia e consigo imaginar muito bem a Constituição Europeia sem referências clubísticas.
Ela não é perigosa Maria Filomena Mónica, no Público de hoje, faz mais um dos seus exercícios de contemplação negativa do mundo a partir da Lapa. Diz ela que esta gente do Fórum Social POrtuguês é perigosa porque anarquista e anti-democrática, queixando-se de tudo e não propondo nada. Confesso que também não simpatizo nem com utopias nem com colectivismos. Só que o FSP é sobre outra coisa: a contestação das políticas neo-liberais, do racismo e do patriarcado. Muitas das conquistas que defendemos do ataque neo-liberal extremado são puras e simples conquistas "social-democráticas", feitas em e por causa da democracia. É muito fácil para MFM usar o truque retórico (usado também por Vasco Pulido Valente) de ler o Portugal de hoje à luz do Portugal Queiroziano ou Republicano. Chama-se a isso anacronismo e a historiadora deveria sabê-lo. Também é fácil transpor as disputas académicas com Boaventura Sousa Santos para o campo político; mais fácil ainda é usar constantemente o modelo da democracia inglesa como o ex plus ultra da vida social e política, quando a própria Inglaterra não corresponde a esse modelo imaginário. Não só aqui as clivagens sociais são maiores, como até na Inglaterra as coisas não são perfeitas como nos enredos idílicos da gentry rural de um romance da Agatha Christie. Mas onde MFM demonstra não perceber nada do que se passa à sua volta é quando leva à letra o slogan "somos todos terroristas". Será preciso explicar que se trata de ironia? Que, porque nos acusam de sermos terroristas, devolvemos o insulto sob a forma irónica de auto-identificação? Afinal de contas, a ironia é uma das poucas coisas úteis que se pode aprender em Inglaterra... Infelizmente, não somos perigosos, porque somos uma minoria face aos que se perdem nos corredores do Colombo ou face aos que se refugiam nos microcosmos sociais da Lapa. Um consolo nos resta: o diletantismo queixoso e confortável não é tão perigoso como o desemprego, a fuga ao fisco, a Justiça inoperante, a manipulação dos media, a violência doméstica, a homofobia, a exploração dos imigrantes ou a guerra.
A exilada Não só não simpatizo com Fátima Felgueiras, como não suporto o caciquismo municipal à portuguesa. Além disso, para todos os efeitos ela fugiu à justiça e fê-lo na qualidade de ocupante de um lugar político. Em vez de falar para o prime time de todas as TVs a partir do Rio, deveria estar calada, envergonhada e afogada em caipirinhas. Mas... mas acontece que senti um gozo perverso em ver uma pessoa dizer que é exilada política da "democracia" portuguesa (sim, Pacheco Pereira, também o discurso sobre a democracia pode ser newspeak a la Orwell, pois a democracia não é só o poder da maioria através do voto, mas a partilha do poder e, de facto, dos vários poderes...). Vivemos momentos em que nos pedem para confiarmos nas instituições, quando estas - Justiça incluída - é que têm, primeiro, que fazer com que mereçam essa confiança. E se há coisa vergonhosa para as leis portuguesas (e isto já se dizia antes de haver "notáveis" presos) é a figura da prisão preventiva também para crimes não violentos, por tanto tempo, e sem contemplar medidas alternativas de coacção. Portugal está de novo na vanguarda: desta feita, na vanguarda dos países de onde alguns dos seus cidadãos fogem e se consideram "exilados". Não fosse tratar-se da Dona Felgueiras, mãe-de-todos-os-caciques, eu rejubilava.
Fórum Social Não fui grande entusiasta da forma de fazer o Fórum: as decisões por consenso e as longas negociações em torno dos nomes dos intervenientes nos debates soavam-me demasiado a "comunidades eclesiais de base" para o meu gosto. Preconceito, admito. Depois, surgiu o fundamentalismo anti-partidos por parte de algumas associações, e a vontade de controlar os movimentos por parte de um partido, o PCP (que, na realidade, mais do que vontade de controlar, era medo de se ver ultrapassado...). Pelo meio, um sector do movimento lgbt - a Opus Gay - decidiu lançar a suspeita paranóica de que os restantes sectores estariam controlados pelo Bloco de Esquerda. E por aí fora. Todavia, a "coisa" até foi interessante. Da parte das feministas e d@s lgbt, conseguiu-se fazer com que os debates sectoriais fossem cruzados com outros, de modo a mobilizar pessoas que pouco se interessariam pelos assuntos destes movimentos. Um resultado simbólico foi o homem, já na casa dos cinquenta, oriundo de Trás-os-Montes, que me contou que era a primeira vez na vida que via coisas públicas lgbt - e que isso o fazia pensar em como a sua vivência da homofobia lhe tinha estragado a vida - profissional, familiar,etc - quando estudara em Coimbra. Desfiou um rosário de histórias de suicídios de colegas seus, de terror e clandestinidade. Quanto mais não fosse, valeu a pena por isto: dar espaço, voz e alternativa para alguém se sentir bem consigo, ser visível e não ter medo. Por fim, a manifestação: pela primeira vez, os movimentos sociais e a esquerda em geral não tiveram medo de dizer "basta" ao PCP. Não há discurso de unidade que se aguente face ao fechamento aflito e hirto em que o PCP está a mergulhar. Não vale a pena fingir unidade, quando o que precisamos é de definir bem as coisas, de modo a que o combate à direita seja eficaz. Nesse sentido, também acabou sendo bom que as posições do FSP não se resumissem à criação de um novo inimigo mitológico, desta feita o "Neo-liberalismo" (como uma espécie de pseudónimo para o velho inimigo, o "Capitalismo"). É que não existe neo-liberalismo como coisa ou agência, mas sim políticas neo-liberais, e estas no campo da economia e do social por ela afectado. Mas antes e para lá destas políticas (e antes e para lá do capitalismo, que não deve ser confundido com o mercado, que pode ser um espaço de alternativas), o patriarcado, o sexismo, a homofobia, o racismo e a xenofobia já existiam e tudo indica que possam existir para lá da implementação de políticas anti-capitalistas ou anti-neoliberais. Precisamos das lutas todas ao mesmo tempo, porque precisamos dos direitos todos ao mesmo tempo. Afinal de contas, já temos os deveres todos ao mesmo tempo, bem como as explorações e as exclusões todas ao mesmo tempo...
Neo -cons No último número da New York Review of Books, Elisabeth Drew faz uma espécie de biografia colectiva dos neo-conservadores (ou neocons, o que, lido à francesa, soa a "os novos cons"). Ficamos a saber que os EUA também são um pequenino país. Aquela gente não só se conhece toda, como dois deles - o Perle e outra personagem de semelhante obscuridade - até celebram os aniversários de casamento em conjunto, ocasião para concorridos briefings de convertidos. "Convertidos" é mesmo a palavra mais adequada: ficamos também a saber que esta gente foi toda da esquerda universitária. Um belo dia converteram-se. E, quais cristãos-novos, ficaram mais papistas que o papa. É curioso pensar como o mesmo sucedeu em Portugal, agora dominado por um quarto poder onde pontificam os conversos cá da paróquia. Ele é o director do "Público"; ele é o pensador/provocador oficial do PSD; ele é o "Expresso". Já agora, distilo o meu ódio pelo pasquim em causa, que não compro há mais de um ano e a que não acedo pela Net porque eles querem que nós, navegadores, paguemos pela riqueza da informação que veiculam.... Acontece que o "Expresso" padece da síndroma da estupidez humana, uma vez que a pose dos editoriais e da imagem propagandeada do jornal é a de uma coisa inteligente, sólida, honesta e cheia de deontologia. Só que os nobres propósitos são alardeados por gente que, em bom americano, se pode qualificar como nitwits - gente poucochinha. Às vezes chega a ser risível como a pura e simples ignorância, e a subscrição de valorezinhos pacóvios e atrasados, é mascarada com o auto-convencimento de valor e qualidade típico dos medíocres. Mas a coisa desmascara-se por si própria de vez em quando, sobretudo quando a tentação pasquineira é mais forte que a auto-censura de quem se quer apresentar certinho. Espero, pois, que o Herman José invista rios de dinheiro numa belíssima perseguição ao jornal do balsemânico e sick império - para bálsamo das nossas almas de exilados nas províncias da Europa. Aliás, a bem dizer, quando começa toda a gente a processar jornais e televisões, não por questões de honra pessoal, mas por questões de saúde pública? De saúde democrática? De ataque à reprodução de preconceitos? De ataque à ingerência na Justiça e no segredo da dita?
Nos EUA, os neo-cons ou nitwits brincam perigosamente com o poder e as armas. Em Portugal assaltaram o quarto poder. Não sei o que é mais perigoso, sobretudo num país onde ninguém tem instrução e ninguém lê, pelo que é maior a dependência da informação veiculada pelos media.