OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


11.6.03  

Fórum Social
Não fui grande entusiasta da forma de fazer o Fórum: as decisões por consenso e as longas negociações em torno dos nomes dos intervenientes nos debates soavam-me demasiado a "comunidades eclesiais de base" para o meu gosto. Preconceito, admito. Depois, surgiu o fundamentalismo anti-partidos por parte de algumas associações, e a vontade de controlar os movimentos por parte de um partido, o PCP (que, na realidade, mais do que vontade de controlar, era medo de se ver ultrapassado...). Pelo meio, um sector do movimento lgbt - a Opus Gay - decidiu lançar a suspeita paranóica de que os restantes sectores estariam controlados pelo Bloco de Esquerda. E por aí fora. Todavia, a "coisa" até foi interessante. Da parte das feministas e d@s lgbt, conseguiu-se fazer com que os debates sectoriais fossem cruzados com outros, de modo a mobilizar pessoas que pouco se interessariam pelos assuntos destes movimentos. Um resultado simbólico foi o homem, já na casa dos cinquenta, oriundo de Trás-os-Montes, que me contou que era a primeira vez na vida que via coisas públicas lgbt - e que isso o fazia pensar em como a sua vivência da homofobia lhe tinha estragado a vida - profissional, familiar,etc - quando estudara em Coimbra. Desfiou um rosário de histórias de suicídios de colegas seus, de terror e clandestinidade. Quanto mais não fosse, valeu a pena por isto: dar espaço, voz e alternativa para alguém se sentir bem consigo, ser visível e não ter medo. Por fim, a manifestação: pela primeira vez, os movimentos sociais e a esquerda em geral não tiveram medo de dizer "basta" ao PCP. Não há discurso de unidade que se aguente face ao fechamento aflito e hirto em que o PCP está a mergulhar. Não vale a pena fingir unidade, quando o que precisamos é de definir bem as coisas, de modo a que o combate à direita seja eficaz. Nesse sentido, também acabou sendo bom que as posições do FSP não se resumissem à criação de um novo inimigo mitológico, desta feita o "Neo-liberalismo" (como uma espécie de pseudónimo para o velho inimigo, o "Capitalismo"). É que não existe neo-liberalismo como coisa ou agência, mas sim políticas neo-liberais, e estas no campo da economia e do social por ela afectado. Mas antes e para lá destas políticas (e antes e para lá do capitalismo, que não deve ser confundido com o mercado, que pode ser um espaço de alternativas), o patriarcado, o sexismo, a homofobia, o racismo e a xenofobia já existiam e tudo indica que possam existir para lá da implementação de políticas anti-capitalistas ou anti-neoliberais. Precisamos das lutas todas ao mesmo tempo, porque precisamos dos direitos todos ao mesmo tempo. Afinal de contas, já temos os deveres todos ao mesmo tempo, bem como as explorações e as exclusões todas ao mesmo tempo...

mva | 17:43|