OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.6.03  

A Constituição anti-Turca
Anda toda a gente alvoroçada com o preâmbulo da Constituição europeia. O grande debate parece ser em torno de incluir ou não uma referência ao cristianismo. Optaram os constituintes por não referi-lo e por dar mais importância às Luzes, etc. Hoje, no Público, Esther Mucznik também se indigna pela ausência de uma referência ao fundo judaico-cristão da cultura europeia. Ninguém tem razão neste debate. A meu ver, não se trata sequer de uma questão de optar entre laicidade e referência religiosa (mesmo no sentido "cultural"). Uma constituição não tem que ter referências a nada de cultural, pois isso significa sempre uma opção ideológica complicada. Não existe nada de neutro em referir quer o cristianismo, quer o Iluminismo. Não se deveria, isso sim, referir seja o que for. Uma constituição deve servir para estabelecer um contrato de cidadania, e esta deve ser independente das questões de identidade cultural maracadas por histórias complicadas em torno de religiões, projectos científicos, filosóficos ou ideológicos, bem como em torno de questões étnicas. Quer a referência ao cristianismo (ou ao judaico-cristianismo), quer a referência ao iluminismo, pretendem a mesma coisa: isolar o Islão e, em particular, a Turquia, pois o Islão é por definição não-cristão e terá, supostamente, escapado à revolução das Luzes. O que me interessa é o mundo em que vivemos e o que queremos fazer, com democracia aprofundada, igualdade e diversidade. Não consigo imaginar a Europa sem a Turquia e consigo imaginar muito bem a Constituição Europeia sem referências clubísticas.

mva | 16:35|