OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


30.6.03  

A Electro Parade curtocircuitou

Terroristas culturais de todo o mundo, regozijai! A Electro Parade de Lisboa foi um fracasso monumental, graças à chuva. Consta que a coisa custou entre 400 e 500 mil euros. Sabe-se que a coisa contou com todo o apoio da CML. Mas a coisa falhou porque a coisa não é nada, não quer dizer nada e não serve para nada. Quis Santana Lopes imitar, do dia para a noite, aquilo que noutros sítios demorou anos a ser feito: integrar nas parades o espírito das marchas pelos direitos gay (que são sempre política e festa). Pois bem, os gays não foram na cantiga. E Lopes fê-lo de má fé: marcou a coisa para 29 de Junho, no dia a seguir à Marcha LGBT. Teve o "cuidado" de remeter o Arraial Pride para uma coisa chamada Parque do Calhau, algures entre linhas de comboios, autoestradas e árvores, muitas árvores. Quis remeter os LGBTs para a periferia da cidade, do mesmo modo que recusa um tostão para apoiar, por exemplo, o Festival de Cinema Gay e Lésbico. A esperteza saloia e arrivista de gel no cabelo é isto: marginalizar, não subsidiar, recusar ver na promoção da diversidade um valor cosmopolita (e também turístico...). Mas, ao mesmo tempo, canibalizar o que os excluídos fazem. Apesar destes boicotes, a Marcha LGBT correu bem, com muito mais gente dos que as 500 pessoas anunciadas nos media (os quais, by the way, escrevem com encanto sobre as centenas de milhar de pessoas nas grandes capitais, mas desprezam e gozam com os eventos iguais em Portugal...). E o Arraial encheu, como se a gayzada tivesse tomado o campo de assalto. Só é pena que 90% dos convivas não tivesse estado, horas antes, na marcha. Resta o consolo de não terem posto os pés na Santana Parade.

Apesar disto, ainda há que dar o salto. O salto para muito mais gente na Marcha do dia 28 de Junho. Ou isso acontece ou teremos que assumir tratar-se Lisboa de uma cidade periférica da Península Ibérica. Poder-se-á então falar da mega-marcha de Madrid e, depois, dos acontecimentos "noutros pontos do país", como Vigo, Cadiz ou Lisboa. Pelo sim, pelo não, terminei esta semana o curso de Espanhol do Instituto Cervantes. Posso agora ler o El Pais com mais facilidade, não tendo que aturar as tentativas de imitação locais, como o jornal que publica artigos de Helena Matos, permeados da espécie muito característica de ignorância mascarada de espírito crítico que caracteriza a intelectualidade cá da província. E posso oferecer-me para escrever cartas de recomendação para João César das Neves dar entrada num retiro prolongado da Opus Dei algures numa berça católica das profundas de Espanha.

mva | 12:09|