OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


24.6.03  

Blogs

O "Público" de ontem resolveu fazer dos blogs um "fenómeno". É certo que, pelo meio, referiu o meu modesto coiso (obrigado). Todavia, o papel fundador atribuído a Pacheco Pereira parece-me um pouco exagerado. Não que não tenha sido dos primeiros, dos mais profícuos ou dos mais acedidos. A questão está na própria necessidade de se procurar sempre quem é o primeiro, o mais profícuo, o mais acedido. O ciberespaço parece continuar as características da sociedade, em vez de as alterar, ao contrário de algumas utopias.

Há uma necessidade incrível de três coisas: primeiro, criar novas realidades, dando-lhes nome e contornos, neste caso a blogosfera, como se faz com os países, partidos ou clubes; segundo, criar-lhe uma mitologia, com heróis fundadores, conflitos dinásticos, tricas de corte; terceiro, criar um campeonato em que se possa medir quem tem mais meios, mais força, mais território, etc., e quem tem menos. Pensava eu que a blogosfera ia escapar a esta lógica mercantil-masculinista, um pouco no seguimento das fantasias sobre o carácter democrático e anárquico (no sentido estrito) do ciberespaço. Afinal não. A blógica da coisa não é substancialmente diferente.

Um mínimo de atenção e teria destruído essas fantasias há mais tempo. Um exemplo: salvo raras excepções, recebo (como muita gente recebe) comentários com duas terríveis características - são anónimos e os conteúdos são violentos. A força da cobardia e a cobardia da força. Estes elementos são tudo menos democracia, tudo menos "rede", tudo menos "comunicação". São o horror da mesquinhez por outros meios.

Não duvido que isto dos blogs - a cujo género ainda não me habituei completamente, a começar pela periodicidade - tem um potencial tremendo e aliciante. Mas tãopouco duvido que possa ser apenas mais um meio para mais do mesmo. Tudo depende de quem está por trás do teclado, por assim dizer. Blógico.

mva | 10:37|