OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


29.9.07  

Quando julgávamos que não podíamos descer mais baixo...

...acontece isto: «Os dois jovens, de 16 e 24 anos, suspeitos de terem profanado várias campas do Cemitério Judaico de Lisboa com cruzes suásticas saíram quarta-feira do tribunal em liberdade, com a obrigatoriedade de apresentação periódica às autoridades, informou a PSP.» (Público.pt)

E logo a seguir isto: «Luís Filipe Menezes chegou hoje à liderança do PSD» (Público.pt)

mva | 11:58|


27.9.07  

O/El Público...

...que vou passar a ler todos os dias é este.

Ainda por cima disponibiliza de graça o pdf da edição em papel.

E ao contrário dos jornais portugueses, este assume ao que vem. Bravo!

mva | 17:11|
 

Miopia

Através do Womenage a trois cheguei ao Relatório Final do Grupo de Trabalho sobre Educação Sexual. Correndo o risco de ser injusto - pois não se trata aqui de analisar o dito relatório - a sensação com que se fica é de que o discurso implícito é algo como isto: o mundo tal como existe, normal e regular, é um mundo de rapazes e raparigas heterossexuais, pintalgado por alguns que não o são e em relação aos quais deve ser promovida uma coisa chamada ora "diversidade" ora "tolerância".

Apesar de bem intencionado, este discurso não serve. Não é substancialmente diferente - a não ser na intenção caritativa da "tolerância" e na fuga eufemística da "diversidade" - do discurso que tem prevalecido nas últimas décadas e que poucos resultados teve na promoção do bem-estar e autonomia das pessoas. Porque não dizer claramente: "O mundo tal como existe é feito de muitas variações da identidade, da orientação e do comportamento sexuais. Todas são legítimas. Ilegítima é a discriminação, activa ou pelo silenciamento. E a regra de ouro das relações sexuais e afectivas é o mútuo consentimento informado entre pessoas em idade legal"?

Por causa do "consenso"? Por causa da pressão do lobby católico, versão fundamentalista? Mas então o Estado não opta? E os governos não optam? Há eleições para quê? Ou a razão será outra - uma interiorizada e inconsciente miopia típica de quem, mesmo sendo "técnico", mesmo sendo "laico", mesmo sendo de "esquerda", se situa, afinal de contas, na heteronormatividade?

mva | 13:48|
 

Nunca pensei vir a concordar com Santana Lopes:

«O social-democrata Pedro Santana Lopes abandonou ontem uma entrevista que estava a dar à SIC Notícias sobre as eleições do PSD depois da sua intervenção ter sido interrompida por um directo sobre a chegada de José Mourinho a Lisboa. "Eu vim aqui com sacrifício pessoal, e sou interrompido por um treinador de futebol… Acho que o país está doido", afirmou Santana Lopes, antes de sair dos estúdios.» (Público online)

mva | 08:58|


26.9.07  

Praxe

As faculdades que permitem as praxes, mesmo que apenas nos pátios ou espaços circundantes (como, infelizmente, acontece com a minha) estão a subscrever e a promover os piores valores. É assim como se nos seus cursos de comunicação social ensinassem o jornalismo com base no 24 Horas, ou nos de antropologia promovessem o racismo "científico", ou nos de física dissessem que Galileu era um herege. Pela minha parte lá vou dando aulas, gritando sobre o barulho que entra pelas janelas. Depois, nos corredores, e sobretudo nos pátios, é uma viagem pelo comboio-fantasma, uma aula viva de etologia animal, um parque temático medieval: orelhas de burro, bonecas insufláveis, machismo, homofobia, humilhações, hierarquias, celebração do privilégio. Ao menos que assumissem o lado animal da coisa: os machos (e as fêmeas adeptas do machismo) que montassem os júniores, seguindo-se um chichizinho para marcar o território. Iam ver que aliviava.

mva | 11:18|
 

A besta...

... que preside ao Irão disse, na Universidade de Columbia, que no Irão "não há homossexuais". Só pode ser porque afinal tem andado a matar mais pessoas do que pensávamos.

mva | 11:11|


24.9.07  


Notícias do "Estado de direito democrático"

1 - A Lusoponte tem o exclusivo das travessias do Tejo a sul de Vila Franca.
2 - A legislação que definiu isso foi aprovada quando Ferreira do Amaral era ministro.
3 - Graças a uma intervenção do lobby empresarial, a hipótese de construir o aeroporto em Alcochete tornou-se real.
4 - Já estava a ser planeada uma terceira ponte, ferroviária; a hipótese do aeroporto fará com que seja também rodoviária, algo que levanta a questão do exclusivo.
5 - Ferreira do Amaral já não é ministro: preside à Lusoponte.

mva | 21:42|
 

Notas de trânsito

1. Como diz Mma Precious Ramotswe, a detective do Botswana*, "you can tell a country by its traffic". Por estes dias tive que pegar no carro pela primeira vez em meses. Big mistake. Não ajuda muito na relação afectiva com a Nação.

2. O que diz então o trânsito português sobre Portugal? Bem, a mesma pessoa que demora horas a arrancar no sinal verde, acelera loucamente para passar no sinal quase vermelho logo a seguir.

3. Anúncio na estrada de Sines para Lisboa: "Vende-se triciclo de 3 rodas"

4. Ainda nessa estrada: há cinco anos que definha um "outdoor" do PSD local que, no início, se congratulava com a conclusão ou reparação do IP8. Dizia "Cumprimos!" e mais não sei quê. O cruel tempo tratou dele - que mais ninguém o fez... - e agora só diz: "rimos!"

5. Pichagem de beira de estrada: "Portugal a concelho!"

*da série No 1 Ladies' Detective Agency. Conheci Mma Ramotswe pela primeira vez ao ler The Kalahari Typing School for Men. O autor, Alexander McCall Smith também tem um livro a gozar com a academia. Intitula-se curiosamente Portuguese Irregular Verbs.

mva | 10:07|


19.9.07  

Mendes & Menezes

«Não, não concordo. A união de pessoas do mesmo género é isso mesmo – uma união, não um casamento. No regime de uniões de facto entre homossexuais ou heterossexuais acho que deve haver direito à herança, desde que protegidos eventuais direitos de terceiros. Não concordo com o direito à adopção por homossexuais. Os direitos que devem sempre prevalecer na adopção são os da criança, e não o interesse dos adoptantes.» (Marques Mendes)

«Sou contra a adopção por casais homossexuais. Sou a favor da normalização legislativa que equipare, em termos de direitos, as uniões entre homossexuais com as uniões de facto. Tal não necessita de pressupor qualquer tipo de vínculo contratual público. O direito à herança deve ficar sujeito a uma opção voluntária, subscrita notarialmente, por parte dos intervenientes.» (Luís Filipe Menezes)

Ambos no Público de ontem. Talvez alguém possa explicar a estas duas sumidades alguns factos: a) que em Portugal as pessoas homossexuais podem adoptar, os casais do mesmo sexo é que não; b) que existe uma Lei das Uniões de Facto... de facto; c) que os direitos das crianças já estão protegidos nas nossas leis; d) que existe uma coisinha chamada o artº 13º da Constituição, o qual conviria ser lido por quem, no seu job description, é suposto defendê-la.

PS para o PS: aproveitem, caramba! Têm aqui uma bela oportunidade para se distinguirem do PSD, pelo menos na chamada "agenda civilizacional".

mva | 09:55|


17.9.07  

What's in a post?

Já lá vão uns anos desde que há blogs. Será que já percebemos qual o estatuto de um post? A mim parece-me sempre uma coisa entre a conversa oral (verba volant...) e o texto publicado. Esta ambiguidade é danada: postado, é mais do que conversa para esquecer; não publicado (num medium de outrém, ou com avaliação), é menos do que compromisso com o que se escreve.

mva | 15:47|
 

Uni-versal

1. O meu dilema com a reforma universitária tem sido mais ou menos este: desejar que acabasse a universidade oligárquica, patriarcal, paternalista, e bafienta herdada do Antes; temer que se transformasse numa empresa, com produtos, resultados e "clientes compradores de saídas profissionais" do Hoje. Faltou e falta a do Amanhã (o tal que canta).

2. Perdemos a oportunidade de construir a terceira via: ter finalmente universidade, criadora de conhecimento técnico, científico e humanista, acessível a todos e como serviço público. A altura certa teria sido ali pelo 25 de Abril. Em vez disso fizemos dela um caos, rapidamente ultrapassado pela única força que havia com algum capital para (re)fazer alternativa - o bafio. Outra vez. Por isso agora consegue convencer-se a sociedade de que a neo-liberalização é a única via.

3. Apesar de ter horror a soar a velho do Restelo (e logo do Restelo...), a universidade que vejo esvair-se agora não me dá saudades da universidade de "antigamente". Dá-me saudades de outra universidade. Saudades de futuro. Em breve não contará para nada o desejo ou a vocação, sentidos há 20 e tal anos atrás, de ser cientista, de investigar e publicar, de o fazer com preocupação de utilidade social, de educar e formar pessoas com desejo de conhecimento, racionalidade, crítica, criatividade... Em breve seremos funcionários de administração, pequeno-gestores de uma máquina de resultados orçamentais. Conteúdos? Baah... Obedeceremos às "personalidades da vida activa e empresarial" que constituirão cada vez mais os conselhos consultivos, os boards das fundações, os comités de avaliação...

4. Ilustração marginal e curiosa, ou sinal dos tempos: ficam vagas por ocupar em antropologia e a média do último acesso anda pelos 10 valores. Em economia e gestão de outra universidade concorreram duas vezes mais alunos do que o número de vagas e o último a entrar teve 15,95 (em gestão; dados disponíveis ontem no Público).

5. É preciso não sacudir a água do capote, claro. Fizemos asneiras, não planeámos o futuro, não criámos "produtos" interessantes, não fizemos bem o "marketing", errámos nos "targets"? Talvez. Mas convém não esquecer que não foi para isso que muitos e muitas de nós escolhemos profissões académicas e científicas. Não "tirámos" gestão de universidades. E quando sugerimos alternativas válidas, testadas com êxito noutros países, não nos ouviram, ou interesses corporativos sobrepuseram-se. Um exemplo claro e simples: em Portugal faria muito mais sentido haver apenas licenciatura em Ciências Sociais, seguida de pós-graduações nas áreas disciplinares (ou temáticas) específicas. Bolonha teria sido a oportunidade para o fazer. Não foi.

6. A universidade caminha para deixar de ser universal. Passará a ser uni-versal: um só verso, um só lado.

mva | 15:16|


16.9.07  

No futuro...

... pode ser que as coisas sejam assim.

mva | 10:39|


15.9.07  



Eu até queeria...

Queer - no sentido mais "popular" e não no académico - é sem dúvida simpático. Quebrar fronteiras identitárias, ir mudando e "performando" sinais identitários, até mesmo transpor e transgredir a própria ideia de identidade, é sem dúvida atraente. Mas.

Por um lado, o nosso tempo de vida e a nossa individualidade; por outro, os contextos históricos em que vivemos. Quanto ao primeiro: a nossa identidade constroi-se em grande medida justamente pela definição do que não somos. Define-se, goste-se ou não, pelo estabelecimento de fronteiras simbólicas e práticas. Podemos (devemos?) experimentar, forçar a barra, fazer por abrir horizontes. Mas "no fim do dia", e no plano da sexualidade, o que queremos mesmo fazer? O que sentimos mesmo? E no nosso limitado tempo de vida? A identidade é uma prisão? É. Mas...

Quanto ao segundo: em cada período e contexto há uma tipologia de identidades; essa tipologia estabelece também uma hierarquia; há identidades normativas e privilegiadas e outras perseguidas e estigmatizadas. Ao contrário do que alguns pensam, a transcendência das identidades não cria grandes engulhos ao "sistema". É até bem possível que se coadune com ele e com o seu guião de indivíduos consumidores, instáveis e sem biografia.

Em suma: eu gostaria muito de ser (estar) queer, mas estou "condenado" a ser gay. A minha identidade sexual está limitada pelos meus desejos e erotismo e por identificações externas (é contra estas, reconheço, que o gesto queer pode ser mais eficaz); e a minha afirmação de cidadania é estimulada pela vontade e necessidade de combater a opressão.

As coisas complicam-se um bocadinho se introduzirmos a variável "Portugal" neste cenário. Receio que aqui "queer" possa rapidamente ser canibalizado e entendido como algo de semelhante a "metrosexual" - e um óptimo alibi para a continuação de muitos armários. Nada melhor para que tal aconteça do que a oclusão das categorias "gay" e "lésbica".


mva | 21:18|


14.9.07  

Cadê o ursinho?

Parece que um homem deu uma estalada noutro no fim de um jogo de futebol. As redacções dividem-se: de um lado os partidários da continuação da linha "mãe possivelmente desnaturada", do outro os da inovadora linha "homem sereno perde a cabeça". Entretanto, resmas de especialistas fazem já fila à porta dos estúdios. Espera-se estalada com os especialistas do caso "mãe desnaturada". Um ponto a desfavor do homem sereno que perdeu a cabeça: não foi visto andando com urso.

mva | 08:49|


13.9.07  

Resposta,

sem acrimónia, a este post: explica-se pela construção social do género, justamente. Do mesmo modo que violência sexual e homicídios (e sua distribuição por sexo) são factos sociais e não God-, perdão, Nature-given. Quanto à ideologia, é assim mesmo: estamos numa "guerra" por significados, valores, direitos. Por que carga de água haveríamos de desejar um conhecimento absolutamente neutro sobre a diferença sexual, a não ser no que diz respeito ao "mecanismo", de modo a melhor tratar doenças?

mva | 17:43|
 

Festival cuíere

Começa já amanhã.

mva | 17:18|
 

Pensar, dizer e fazer

Não me é difícil imaginar que Nogueira Pinto possa estar escandalizada com as acusações de atitude discriminatória por ter sugerido o fim das "lojas de chineses" na Baixa e a criação de uma Chinatown. É perfeitamente comum termos a certeza de não termos discriminado e no entanto sermos acusados disso por algo que dissemos. O problema é que nestas coisas da discriminação pouco importa a "intenção" ou "o que sentimos verdadeiramente". Importa o que dizemos e fazemos (e dizer é, de certo modo, fazer). É por isso mesmo que a correcção política é, ao contrário do que se diz por aí, importante. É por isso também que ela está de certo modo mais ligada a um modo de agir em público "protestante" do que "católico" - este mais habituado a lidar confortavelmente com a diferença entre o que se sente "dentro" e o que se faz "fora".

Mas as coisas são mesmo assim: o que se diz e faz é que conta, em matéria de discriminação. Também é por isso que - passando para uma área análoga à do racismo e xenofobia - muitos de nós não queremos converter ninguém à empatia ou simpatia com a homossexualidade. No imediato, pouco importa que haja mentes homofóbicas. Importa, sim, que haja vergonha social em proferir afirmações homofóbicas ou em discriminar directamente. E que haja a aceitação de medidas antidiscriminatórias, desde logo nas leis, com base nos princípios gerais da igualdade e dos direitos humanos. Fechando o círculo: uma das medidas antidiscriminatórias seria a promoção de educação sexual não heterossexista e a visibilização das vidas e experiências LGBT - uma dignificação simbólica que teria como consequência futura a famosa mudança de mentalidades. Esta é um processo lento e por isso nunca deve ser pré-condição para as mudanças legislativas e políticas.

mva | 11:59|
 

To cry or not to cry

Uma das mil tontices sobre o caso McCann tem a ver com chorarem ou não, manifestarem ou não "emoções". Os vigilantes da cultura portuguesa acham que só as pessoas que gritam desesperadas em frente às câmaras sentem verdadeira dor. Até ir ao Papa não serve: é bem mais apropriado esfolar joelhos a caminho de Fátima.

mva | 11:55|


12.9.07  

Definição de "Negócios Estrangeiros":

1) Receber Mugabe;
2) Não receber o Dalai Lama.

mva | 14:29|


11.9.07  

Cadê os comentários?

Bem, continua a ser possível comentar depois de ter largado o Haloscan, mas é necessário clicar na hora em rodapé. Pequenos glitches temporários... Este blog espera, de qualquer modo, mudanças significativas lá para Outubro, pelo que não vou mexer muito neste assunto.

mva | 13:52|


10.9.07  

Femipost

1. Vale a pena ver Iron Jawed Angels, sobre a luta das sufragistas nos EUA por alturas da Primeira Grande Guerra. Não só, mas também por isto: é que as reacções de políticos conservadores, de políticos supostamente progressistas, de muita media e, naquele caso, de muitas mulheres "que sabiam o seu lugar", eram as mesmas que hoje se encontram em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde as barbaridades sobre a diferença essencial de natureza entre homens e mulheres, até aos "argumentos" do tipo "para que querem votar se o voto não serve de nada" (perguntam os que podem votar, é claro), até aos pedidos de "paciência" ou ao relembrar das "prioridades" (favoritos entre os "progressistas"), e terminando no desprezo fútil pelo tema do casamento por parte de tantos gays e lésbicas que "sabem o seu lugar".

2. É rara a semana em que uma revista ou jornal não tenha um artigo ou reportagem sobre os mais variados assuntos mas cuja tese e objectivo são sempre os mesmos: demonstrar que há uma diferença radical e essencial entre homens e mulheres (sobre as diferenças entre pessoas de olhos azuis e verdes nada aparece, nem sobre as diferenças entre mulheres ricas e pobres, por exemplo). Faz parte da agenda do backlash, sem dúvida. Mas faz também parte do ar dos tempos, infelizmente. Perante estas coisas é sempre bom fazer a pergunta pedagógica: se essa diferença essencial e radical (e, claro, as ilações sociais e políticas que dela se pretende tirar) é assim tão... essencial e radical, para quê uma campanha tão empenhada?

3. O ministro dos estrangeiros francês esteve em Viana numa cimeira e resolveu ser mais estereótipo que o estereótipo - no caso Pepe Le Phew. Em passeio de comitiva pela cidade, deu umas beijocas nas moças vestidas à minhota e disse que elas eram muito giras e que até sem aquelas belas roupas seriam giras. Todos os outros ministros - e ministras - acharam uma gracinha e deram as suas risaditas. As minhotas, impávidas - que tinham sido contratadas para estátuas decorativas. As TVs, porque o ministro apreciou um produto nacional (não é como os pérfidos ingleses que odeiam a nossa querida PJ) adoraram e alinharam na risadita. Eu se fosse minhota tinha dado com um tamanco no ministro.

PS: Imagine-se se tivesse sido uma passagem de revista à tropa e um ministro dissesse que os soldados estavam muito giros...

mva | 16:27|


9.9.07  

Rasca

É sabido que quanto mais burocracia há, mais corrupção existe. De modo semelhante, quanto mais segredo há, mais há especulação, boato e fuga de informação. No caso McCann as televisões portuguesas recorrem a um ror de "especialistas", quase todos ex-qualquer coisa, em regra ex-PJ. As televisões inglesas fazem praticamente o mesmo. As âncoras dos noticiários têm assim a oportunidade de passar aos convidados a responsabilidade pela batata quente do tabloidismo: comentários marcados pela pulsão corporativa, pelo nacionalismo rasteiro e de orgulho ferido, pelo moralismo em torno da parentalidade - e, em especial e na boa linha machista - da maternidade.

mva | 20:49|


8.9.07  

E se arguissemos o sistema?

O mais chocante no caso Maddie é a confirmação de uma velha suspeita: que o sistema policial e judicial português funciona ainda com a cultura profunda da ditadura - nem os sentimentos ou a reputação das pessoas, nem a percepção pública dos casos e o seu efeito, nem a informação interessam para nada. Deve ser a isto que chamam "frieza" e "racionalidade". Na realidade é uma velhíssima forma de autismo e prepotência.

mva | 11:21|


7.9.07  

Então e "bebemos as suas palavras" ou "uma enorma paz invadiu-nos"?

«Neste lugar encantado, a esta hora sagrada, o Rinpoche falou pausadamente, para dar tempo ao tradutor mas, também, para ajudar a interiorizar os seus ensinamentos. (...) O mestre usou sempre palavras e metáforas simples para dizer coisas sábias e muito próximas da nossa realidade quotidiana.» (Laurinda Alves, Público 7/9/07, sobre encontro com mestre budista)

mva | 11:08|
 

Ehr-gwee-duh

«She will be declared an "arguida" - someone who has not been arrested or charged but is being treated by police as more than a witness.» Visto através de olhos anglo-americanos, esta coisa de "arguido/a" soa a requinte papista. Nem witness nem charged, arguido está para estas coisas policiais assim como purgatório ou limbo estão para as religiosas.

mva | 10:43|


6.9.07  


Contrafeito

Como dizem Miguel Clara Vasconcelos e Nuno Morão em Estrume, «a imitação é melhor que o original». A frase surgiu-me quando via uma notícia num telejornal sobre o compromisso do governo chinês com o "combate à falsificação". É pena. A melhor coisa que o capito-comunismo ou comuno-capitalismo chinês fez foi inundar o mundo de mercadoria falsa. Contrafeita, diz-se - assim uma espécie de contrário do feito. O falso é uma gargalhada gigante face ao fetichismo das marcas. E a ASAE uma brand police.

mva | 21:48|
 



Faça o seu jogador

Graças a um sobrinho, descobri que há um jogo de futebol da Play Station em que se pode construir os jogadores. Escolhe-se o tipo de corpo, de "magro" a "entroncado", a altura e o peso; escolhe-se uma coisa que vem descrita como "etnia" e que consiste num cursor que transforma o corpo de, suponho, "escandinavo", numa ponta, em "africano", na outra; escolhe-se, também num cursor, algo a que chamam o "tom da pele"; escolhe-se a cor dos olhos, a forma dos maxilares, do nariz, dos lábios, das orelhas, a posição das sobrancelhas, aliás a posição relativa de orelhas, sobrancelhas e olhos, permitindo ir do absolutamente patibular ao angelical, passando pelas proporções de - eu juraria - George Bush. Fiquei ali a ver o miúdo a construir um corpo. Não sabia se havia de pensar em ciborgues, em brincar às bonecas, ou em formação do desejo.

mva | 21:05|


4.9.07  

Outra vez "A Educação"

Desde que "sou gente" (um acontecimento que se deu ali por alturas do pós-25 de Abril...) que me lembro de as coisas serem assim. Sucessivos ministros e ministras da educação e sucessivos dirigentes sindicais dos professores esgrimem argumentos que "nós" já nem ouvimos. Há sempre um/a ministr@ da educação desagradável e há sempre um/a dirigente sindical desagradável. Nos bastidores desta interminável peça de teatro decadente, pode até ser que a realidade educativa vá mudando, para melhor, se se compararem indicadores e épocas (como também pode ser que o assalto privado à escola pública esteja a esfregar as mãos...).

Mas a questão é outra. Uma estranhíssima coisa que permanece, ministro após mnistro, sindicalista após sindicalista: esta bizarria da precariedade, das deslocações constantes de professores, da falta dos mesmos, e da instabilidade das escolas. O absurdo está tão instalado que suspeito que a maior parte da população ache que "A Educação" é assim mesmo, por natureza e destino.

Talvez o jornalismo português pudesse fazer um pequeno favor à população: comparar o "regime português" com o espanhol, o francês, o finlandês, o polaco, e por aí fora. Será que também andam há mais de trinta anos neste estado de transitoriedade permanente? Será que as rentrées nesses países também são feitas deste caos? Já agora, mais uma comparação, neste caso interna e levando em conta regiões, bairros, classes sociais: será que todas as escolas - e, logo, todos os alunos e professores - vivem em igual instabilidade? É que a pergunta que o cidadão normal faz é esta: qual é a grande dificuldade em ter escolas com quadros estáveis de professores, capazes de construir e sustentar projectos educativos sólidos, cumprindo o serviço público de educação nas respectivas comunidades?

mva | 12:35|