OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


27.7.04  

Correio atrasado.

Há tempos fiz um post em que escrevia contra o nacionalismo, usando o exemplo da Estónia. Recentemente recebi um mail de Priit Kivi, uma cidadã daquele país residente em Portugal. Diz ela que acha que eu estou errado, que devia aprender mais sobre a Estónia e que ali os Russos são os ocupantes. Termina dizendo que os estónios  não são nacionalistas, mas os russos sim.

Priit Kivi autorizou-me a referir aqui o seu mail. Sem querer pessoalizar, acho que é um exemplo das contradições do pensamento nacionalista, seja na Estónia, na Rússia ou em Portugal.  Repare-se: o nacionalismo é apresentado como um defeito que Os Outros têm e Nós não; e os Outros - que vivem agora, no presente, entre Nós - são categorizados pelo que aconteceu no passado.

É verdade que, para todos os efeitos, a Estónia foi ocupada pela URSS. É verdade que muitos russos foram para ali, numa mescla de migração interna soviética e de encapotada russificação. E é com certeza verdade que muitos indivíduos russófonos da actual Estónia serão saudosistas da URSS e adeptos da Mãe Rússia. Mas até que ponto pode isso legitimar a recusa em conceder-lhes a cidadania? Até ponto nenhum. E até que ponto pode esta História concreta legitimar a ideia do estado-nação unicultural? Até ponto nenhum, a meu ver.

Histórica e sociologicamente pode compreender-se o que aconteceu em muitos países do leste que agora conduz a um renovado nacionalismo de século XIX em versão XXI. Mas outra coisa será aceitar isso como bom. Percebe-se que o nacionalismo possa ser o recurso identitário em tempos de globalização e em tempos de pós-"socialismo". Mas esse carácter reactivo nada tem de emancipatório e inclusivo, pois na melhor das hipóteses resulta no regionalismo espanhol como forma de aproximar o poder dos cidadãos, na hipótese intermediária numa sociedade dual à Estónia e, na pior, resulta nos massacres da Bósnia, da Sérvia, ou do Kosovo.

mva | 17:10|