OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.4.07  

Depois da rádio (onde nunca se consegue dizer o suficiente)

Para que haja igualdade no acesso ao casamento civil basta fazer um acto legislativo muito simples: retirar a parte do artigo do Código Civil que refere pessoas de sexo diferente - fez-se em Espanha. Ou cumprir a Constituição - fez-se na África do Sul. Não custa dinheiro. Não tira direitos a ninguém. Não afecta os direitos de ninguém. E dá mais direitos a mais pessoas, com mais igualdade.

Posto isto, porque há quem o recuse (40% dos deputados inquiridos pelo Rádio Clube Português, embora 11% tenham dito não ter opinião, o que me parece um "sim" escondido ou potencial)? Tenho muita pena de o dizer, mas só me ocorre a homofobia como justificação.

Os argumentos "contra" são vários. Mas de base igualmente homofóbica. Há o argumento naturalista ou essencialista, sobre a "natureza" hetero do casamento. Obviamente ou é de base confessional ou é absurdo, ao não perceber que o casamento é uma instituição social e não natural. Há o argumento que propõe o meio-caminho, um casamento com outro nome ou o aprofundamento das uniões de facto. Obviamente não considera que é o mesmo que propor que os votos das mulheres só contem como meios votos. Há o argumento da slippery slope - a seguir ao casamento viriam outras coisas "terríveis". Obviamente é não só logicamente insustentável (porque as referidas coisas não pertencem ao mesmo pacote), como parte da premissa do carácter "terrível" da igualdade no acesso.

Fora deste esquema há várias argumentações que, não sendo propriamente homofóbicas, se equivocam quanto aos termos do debate: 1) os que dizem que deveria haver um referendo sobre o assunto - quando referendar direitos de minorias (já para não falar em referendar direitos) é um atentado à democracia, que não é uma ditadura da maioria; 2) os que dizem (sobretudo heteros) "não percebo porque querem os gays casar, quando nós já não o queremos", não percebendo que a questão é a igualdade na possibilidade de escolher, nas circunstâncias actuais, isto é, perante as opções que existem, hoje e aqui, e não uma questão de preferências pessoais; 3) os que pensam que o assunto é debatível no plano estritamente jurídico, quando ele é sobretudo um assunto político; 4) os que dizem que o casamento devia ser abolido para toda a gente, dadas as origens patriarcais, religiosas e/ou de controlo estatal do contrato e instituição, não percebendo que a questão que colocam é de outra ordem - perfeitamente aceitável, mas não colocável no hoje e aqui (mas antes na utopia), além de que as relações homo não partilham estruturalmente da histórica desigualdade de género das relações hetero; 5) os que se demitem do assunto, por pouco "relevante", não compreendendo que a ausência de dignidade para uma minoria significa ausência de dignidade para o todo.

Homofóbicos ou equivocados, querem esquecer ou esquecem que igualar o acesso ao casamento civil é reconhecer igual dignidade, essa coisa "terrível" da... democracia.

mva | 19:11|