OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


29.3.07  

De avião para as Desertas

Recapitulando: primeiro foi a lista do PNR em Letras (a democracia é uma bela coisa: obteve 80 votos, contra 800 da outra lista); depois um mural homofóbico da Juventude Nacionalista junto ao ISCTE; em simultâneo, alguns estudantes do ISCTE fizeram uma manif pela segurança no campus; depois Salazar ganha um concurso de TV, vitória que anima, pelo que disse numa entrevista, o líder do PNR; finalmente, a SIC faz uma reportagem sobre a insegurança na zona em que supostamente mete no mesmo saco os engates (gay, of course) nos baldios que servem de estacionamento. Ah, não é tudo: hoje o PNR estreia um outdoor anti-emigração no Marquês de Pombal, sugerindo o expatriamento por via aérea dos imigrantes.

Vamos por partes. Primeiro, a "insegurança". Se há coisa que faz parte da insegurança, é o surgimento de movimentações fascistas. Disso ninguém se lembrou, desde logo os estudantes do ISCTE (os de Letras sim). Se há coisa que não faz parte da insegurança são os engates (a zona nem sequer é de prostituição, o que poderia resultar em insegurança, dada a clandestinidade da profissão). E a poder haver insegurança aí, ela seria sentida por quem, ao engatar, corresse o risco de apanhar com um bandido. Logo, a alusão aos engates é de ordem moralista e estética - algo que começa a caracterizar algum "jornalismo" da SIC. De igual modo, não sei se a estação prestou muita atenção à homofobia mural da zona (a não ser, claro, naquilo em que para ela alegremente contribuiu...).

Segundo, o "crescimento" da extrema-direita. O líder do PNR foi entrevistado por causa do cartaz. Diz o dirigente fascista (posso chamá-lo assim, não se zanga? Suponho que não) que não tem nada contra os imigrantes, apenas contra os "maus imigrantes". E que a linguagem dos cartazes obriga à simplificação. Ficamos a saber que os fascistas portugueses não têm os pommodori para assumirem as suas ideias. Talvez por isto o PNR não assuste muito, a não ser o sabermos que as ideias estúpidas têm uma extraordinária capacidade de disseminação. O PNR vive na ilusão de que é possível (já não falemos de "desejável") viver numa "nação", com uma estirpe genética absolutamente conservada e endogâmica. Há de facto uma maneira de fazer isso: fretar um avião para colocar os militantes do PNR numa ilha, sei lá, as Desertas (ali à Madeira) e deixá-los reproduzir-se, lá uns com os outros, na "terra deles", "lá com a cultura deles". O único senão é que me cheira que o PNR é esmagadoramente masculino.

mva | 15:09|