OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


7.2.07  

Da vida tal qual ela é

Uma pessoa. Uma mulher, mais precisamente. Minha amiga, ou parente, ou colega, ou vizinha - ou concidadã. Toma a pílula para evitar engravidar. Um dia nota que a menstruação tarda. Faz um teste e apercebe-se que engravidou. Como estava a usar contracepção, não queria engravidar. Perante a gravidez - perante as primeiras semanas da gravidez - ela sente, sabe, que o que lhe aconteceu a coloca perante duas alternativas: vir a ser mãe, com todas as consequências que isso acarreta; ou reparar o que lhe aconteceu, parar o processo de desenvolvimento embrionário e regressar à sua decisão prévia de não engravidar. Ela sente, sabe, que deve tomar essa decisão o mais rápido possível, o mais perto possível da falha na contracepção que já havia escolhido fazer. Se vivesse em certos países, rapidamente interromperia a gravidez numa clínica, pública ou privada, em legalidade, segurança e com atendimento digno. Noutros países, como em Portugal, interromperá a gravidez em situação de ilegalidade, correndo, entre tantos outros, o risco de vir a ser incriminada, exposta, humilhada. Ela pode não ser especialmente pobre, se calhar está empregada, nem sequer é uma adolescente, até pode estar casada, já ter um filho, e pensar vir a ter outro dali a uns anos. Se ela não quiser prosseguir a gravidez, ela abortará. Porquê? Porque não quer prosseguir a gravidez - e essa é a razão que deve bastar aos seus amigos, parentes, colegas, vizinhos. E ao Estado a que todos pertencem. Ela abortará, como milhões e milhões de pessoas - mulheres - sempre fizeram e sempre farão, por tantas razões quantas as pessoas.

mva | 23:41|