OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


17.1.07  

A relação

Quando uma criança que viveu toda a sua curta vida com os pais adoptivos é forçada a viver com o pai biológico; quando os processos de adopção, antes de concluídos, podem ficar estragados pela reivindicação de um parente "de sangue" da criança; quando imensas crianças nascem de pais biológicos sem que estes tenham qualquer preparação ou inclinação para a parentalidade, enquanto os adoptantes passam por um crivo apertadíssimo - então percebemos que há qualquer coisa de errado no nosso sistema cultural e na sua transcrição para a lei.

Estamos mais críticos em relação ao nosso sistema provavelmente porque conseguimos agora planear e desejar crianças muito para lá da sorte, do azar e do "destino" da biologia - graças à contracepção, graças às técnicas de PMA, graças ao alargamento (em alguns países...) do leque de adoptantes, graças a uma vigilância maior sobre as competências (ou falta delas) dos pais biológicos - uma vigilância motivada pela ideia de direitos das crianças.

"Isto" - a cultura, e a sua inscrição na lei - está a mudar. Se não estivesse, ninguém prestaria atenção ao pai adoptivo agora preso. Que o processo de adopção nem sequer existisse, do ponto de vista legal, neste caso, não importa a ninguém, justamente porque o sinal de mudança está na atenção que todos prestamos à relação e à sua qualidade.

mva | 10:16|