OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


4.1.07  

Que fazes? Acabei o relatório, agora vou fazer o planeamento

Se tivesse oferecido prenda de natal aos ministros responsáveis pela ciência, ensino superior e educação, ter-lhes-ia oferecido Audit Cultures: anthropological studies in accountability, ethics and the academy, de Marilyn Strathern. Leiam as primeiras páginas no Google Books e perceberão porquê. Aquilo que é sem dúvida um princípio saudável (e mais que necessário em Portugal) - auditoria, controlo, avaliação, etc - rapidamente se transforma num monstro burocrático que se alimenta a si próprio e, sobretudo, das energias, capacidades e competências de quem foi treinado para outras coisas. Cada vez se passa mais tempo a fazer relatórios e contas do que se fez e a preparar relatórios e planos para o que supostamente se irá fazer. Aquilo a que ambos dizem respeito - a investigação, o ensino, etc - desaparecem para as traseiras. O resultado de todo este processo é que quem sabe fazer certo tipo de coisas deixa de as fazer para se dedicar a coisas que não sabe fazer bem e que são supostas ter como objectivo a avaliação do quão bem ou mal se faz a coisa que se deixou de poder fazer! Toda a gente perde.

O mais triste é que pouca gente se revolta contra isto (não me refiro ao princípio da coisa, que é justo, mas ao descontrolo do crescimento do monstro). A minha suspeita é que há sempre uma considerável percentagen de pessoas que, não conseguindo produzir conhecimento, dedica-se alegremente à burocracia e ao tipo de sensação perversa de poder que ela propicia.

mva | 10:43|