OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.10.06  

Depois de Silva Pereira ter anunciado (como quem pretende apaziguar um imaginário Portugal profundamente reaccionário) que o governo não prepara NENHUMA legislação sobre a igualdade entre homossexuais e heterossexuais, é a vez de Sousa Pinto confirmar que qualquer hipotética iniciativa fica adiada para a próxima legislatura.

Não falemos sequer do facto de a divina providência não poder garantir uma vitória do PS nas próximas eleições. Falemos, sim, do que esta constante evasão, este constante adiamento, significam política e culturalmente. É claro que o PS não se apresentou às eleições com a intenção de legislar sobre a igualdade no casamento ou na adopção. Este possível argumento - desde logo de um formalismo estéril - não adianta muito. O PS não o fez pela mesma razão que o leva agora a querer pegar nas questões "fracturantes" (quem inventou isto?, quem confere legitimidade a esta definição?) à vez: "coisas" gay só depois do aborto...

O raciocínio e a estratégia do PS baseiam-se sempre na noção de que a sociedade não está preparada, um típico medo das elites que pensam estar muito avançadas em relação à maioria dos conterrâneos. Mas é, para todos os efeitos, semelhante à dos sectores conservadores do Direito que dizem não poder este "ir à frente da sociedade" - quando a maioria das vezes vai, isso sim, conservadoramente atrás (no sentido de atrasado). Ora, acontece que não temos nenhum verdadeiro inquérito sobre a opinião social em torno destes temas; e o que de mais próximo temos - os inquéritos aos valores sociais dos portugueses - podem muito bem ser lidos como apoiando mais igualdade e democracia, e não menos.

Mas é justamente aqui que o problema deve passar de "sociológico" a propriamente político, a partir duma premissa fundamental: a democracia não é a ditadura da maioria. O valor da democracia mede-se pela sua capacidade de proteger e promover as minorias face às maiorias, assim como se mede pela capacidade de instituir a igualdade de direitos. Nada disto é claro no discurso do PS. É completamente omisso na demissão de Silva Pereira e elegantemente mastigado no discurso de Sousa Pinto (onde até a nefasta "tolerância" aparece).

O PS parece ter interiorizado uma das piores pechas culturais nacionais: a resignação face à lentidão, ao atraso, à "cauda da Europa" e, agora, ao segundo lugar em relação à Espanha. É que, caros amigos do PS, tudo aquilo que estão a discutir com tanta cautela, com tanto cuidado, com tanto medo, já foi resolvido de uma penada em Espanha, por socialistas sem maioria absoluta: a pura e simples institucionalização legal da igualdade plena. A não ser, claro, que tudo se resuma a falta de vontade vossa, ou mesmo a uma profunda oposição à igualdade entre homossexuais e heterossexuais.

Espero bem que não.

mva | 10:38|