16.9.06
O sol faz mal à pele
Lá comprei o tal de Sol. Não sem preconceito: um jornal dirigido pelo ex-director do Expresso e que tem Felícia Cabrita como redactora principal não augura nada de bom. Mas lá comprei. O primeiro choque foi o logotipo. O Pedro Proença - que é um excelente artista plástico - que me perdoe: o logotipo é uma pobre e desconchavada imitação da moda barcelonesa "a la Miró". O tosco genial das "mironadas" é aqui simplesmente tosco. Parece um sub-produto. Como o jornal, aliás. Uma complicação hipercolorida, recheada de mais do mesmo, desde as pessoas que nele escrevem até aos erros de português. Mas a pièce de resistance (resistance à inteligência, é claro) é o artigo de capa da revista, assinado por Felícia Cabrita. Intitulado «Vidas perdidas», é sobre «uma mãe negra [que] trocou o seu bebé, no berçário, pelo filho de uma mulher branca. As crianças viveram em famílias erradas. O Sol conta a dor de 34 anos de mentira». Nas páginas interiores, já se fala em «um é branco outro é preto» (assim, sem vírgula; e com "preto"). «Uma das famílias recusa admitir a verdade enquanto a outra luta há 34 anos por 'recuperar' o filho biológico». Não vale muito a pena avançar pelo artigo dentro. Nestas coisas de jornais tablóides o que conta é o efeito publicitário, imediato, que carrega no botão do subliminar e das representações sociais em automático. Verdade, mentira, preto, branco, biológico, certo e errado - expressões que convocam noções de adequação (legal e moral) entre "raça", parentesco biológico e relações familiares.
Portanto, lá comprei o tal de Sol. Pela primeira e certamente pela última vez. Nada de novo debaixo do sol do Lusistão.
PS: Do Estatuto Editorial do Sol: «Devem ser eviadas referências à raça [sem aspas], cor, orientação sexual ou a qualquer doença ou incapacidade física ou mental de um indivíduo. Exceptuam-se os casos em que essa identificação seja um elemento essencial e constitutivo da própria notícia»
mva |
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