OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


1.9.06  

Não me comprometam

Tropecei, na Visão, numa curiosa entrevista a um actor que não conheço (Ricardo Pereira, 26 anos, a estrear apresentação de programa na SIC com Bárbara Guimarães), mas que me pareceu representativa duma atitude que se vai encontrando cada vez mais entre os mediáticos: não se comprometer. Se "antigamente" as figuras "públicas" - que eram sobretudo intelectuais e artistas - se comprometiam, influenciando assumidamente a política e os valores, agora as figuras mediáticas - que são sobretudo da TV, novelas e revistas do social - apostam na "neutralidade" própria de um produto.

O referido actor faz escolhas e demonstra preferências. Mas apenas nas coisas do "estilo de vida": prefere o telemóvel ao iPod; prefere sol a autobronzeador; aviões e carros são muito melhores que comboios; Paris ultrapassa Veneza; e gosta mais da Costa do que de Quarteira. Quando as perguntas têm a ver com opções mais do que com preferências, entra a "neutralidade": a pergunta "Sócrates ou Cavaco?" é respondida com um "Ambos. Sou apologista de consensos. Acho que é a paz que nos pode levar a algum lugar" [oh - my - God!]; A "Papa ou Madonna?" responde "Também ambos. Adoro a irreverência da Madonna e respeito o Papa, os seus seguidores e a religião que representa". (Numa coisa, porém, opta - provavelmente porque não percebe que a sua resposta é política: "Caipirinha ou porto tónico?"; "Porto tónico porque é português").

O exemplo é light. Mas, ao contrário de outros países, em Portugal não se pode contar com os mediáticos para a mudança social. Campanhas de beneficência e luta contra a sida é o máximo que deles se pode esperar. Já eles esperam de nós toda a atenção e todo o dinheiro.

mva | 15:58|