OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.8.06  

Coisas que acontecem na nossa azinhaga

Ninguém vem para Portugal porque quer. A não ser que seja um certo tipo de reformado inglês em busca de campos de golfe e cerveja barata. A esmagadora maioria das pessoas vem para trabalhar. É difícil perceber isto? Vêm trabalhar nos trabalhos que mais ninguém quer, a troco de salários baixos (mas altos, quando comparados com o que aufeririam - ou não, de todo - nos locais de origem), em grande medida em consequência quer da expoliação colonial (há outro nome? Não creio) quer da economia do sistema-mundo, quer da cleptocracia de muitos regimes pós-coloniais. Instalam-se nos únicos locais disponíveis, quer em termos económicos, quer em termos de aceitação social. Cria-se assim uma geografia social da exclusão, em que a imigração, a "raça" e a classe são factores predominantes. De repente, uma câmara, ou lá o que for, resolve cumprir à risca disposições legais - quando não as cumpre de todo noutras áreas - e vai de demolir as casas. As casas que as pessoas conseguiram construir ou manter com os recursos auferidos em trabalhos nas obras, na limpeza doméstica. Com o dinheiro que conseguiram poupar, mesmo assim remetendo divisas para apoiar as famílias nos países de onde vieram. Chega a câmara, chega a polícia, e vai de demolir. Sem alternativas de alojamento claras e prontas. Sem assistência social decente e universal (hoje ouvi que na Azinhaga dos Besouros - e é disso que estou a falar - os homens não terão direito a subsídio de renda para dois meses, ao contrário das mulheres). A seguir, já se sabe: terrenos disponíveis para construir apartamentos que ninguém vai comprar ou, se comprar, não vai habitar. Pelo caminho, a polícia não só proíbe a comunicação social de estar presente, como detem para interrogação activistas da solidariedade com os imigrantes.

No terreno, na Azinhaga dos Besouros, destaca-se, além de Helena Pinto do BE, Helena Roseta (aquela que deveria ser a secretária-geral dum Partido Socialista digno desse nome). Parabéns: alguém do mundo "irreal" em que vivemos (o mundo das pessoas que recusam ver que a maioria das nossas empregadas domésticas são africanas e/ou imigrantes, que a maioria dos nossos operários da construção civil são africanos e/ou imigrantes, e que recusam saber onde e como vivem) apareceu, deu a cara, fez alguma coisa pela democracia.

mva | 10:59|