OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


30.8.06  



As coisas tal qual elas são

O taxista pergunta-me, com pronúnica eslava, se eu sei onde é a Praça de Londres para onde pedi que me levasse, desde Sete Rios. Instintivamente respondi que sim, sabia. Ele é que não. Como não sabia que podia usar as faixas "bus"; ou que para contornar Entre Campos e seguir pela Av dos EUA convinha não se chegar à esquerda na rotunda. Ocorreu-me um documentário sobre os taxistas de Londres, cidade ainda menos racional do que Lisboa no seu desenho, em que se mostrava como estes têm que fazer um complicadíssimo exame para demonstrar o conhecimento do mapa (os clandestinos que apanham pessoas às portas das discotecas londrinas nem inglês falam, mas isso é outra coisa. Ou será?). Um pouco depois - ia a uma consulta - vejo a médica sair do prédio, que ia só ali num instantinho já voltava que estava ali há horas sem comer e já tinha um buraquinho no estômago volto já. Seguiu-se a loja da TAP, para resolver um problemazeco e à saída das escadas do metro está uma pedinte septuagenária. O seu letreiro diz o seguinte: "Ajudem-me, por favor. Sou portuguesa". (No comments, impõe-se). Na loja dos Tamancos Aéreos Portugueses, como lhes chamavam no Brasil, um senhor falando português do Brasil grita e urra que a TAP está tirando o corpo para fora, que é assim como a fugir com o rabo à seringa, por causa duma falcatrua qualquer que lhe fizeram (versão com a qual as funcionárias naturalmente não concordam). Bate a porta com fúria à saída gritando "Que inferno!". (Indeed, impõe-se. L'enfer c'est les autres.) Três falsas deficientes e grávidas depois sou atendido, tudo corre bem, OK, respira fundo, segue tranquilito para o metro, vai à tua vida. Um rapaz que na ida se havia sentado à minha frente - distinguível pelas dreadlocks - à minha frente estava agora sentado à vinda. Simetria de small place. Mas um homem aparece aos urros e aos gritos, falando português de Portugal, com insultos ao 25 de Abril e - paradoxalmente? - aos ricos (talvez tivesse ouvido Manuel Monteiro na noite anterior). No meio da loucura (seria?) um delicioso lapsus linguae: falava a torto e a direito de "rendimento mínimo obrigatório". (Cool, impõe-se). Quase tropeça numa cega perdão invisual que talvez viva do rendimento mínimo obrigatório perdão garantido. Debaixo de chão lá segui até ao Colombo (onde a classe média que na rentrée se queixa do preço dos manuais escolares dá largas a outros desvarios de consumo) para umas compritas (cá em casa não há manuais escolares; basta nós os dois) e resolução de pequenos problemas avulsos. Um deles só será resolúvel um dia em Alfragide, que nem sei bem onde fica e o outro era um serviço cujos cartazes anunciavam começar em Setembro mas que os empregados corrigiram, com algo remotamente similar a um sorriso, só começar em Outubro. E prontoS, como diz f.

(Regresso subterrâneo a casa. Quase poderia jurar que o rapaz das dreadlocks - mind you, de tez clara, como soi dizer-se - estava colado ao assento à minha frente. Será?

mva | 18:35|