OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


26.7.06  

O regresso do reprimido

A discussão portuguesa sobre o conflito entre Israel e o Hizbollah já derivou para as acusações de antisemitismo. Eu também acho que existe uma corrente profunda e difusa de antisemitismo na cultura portuguesa. Não admira: perseguição, expulsão e esquecimento da nossa parte judaica fazem parte dessa cultura. Isto torna tudo mais complicado. Porquê? Porque, rigorosamente, para haver um ódio activo é preciso haver um objecto de ódio presente. Ora, o que aconteceu em Portugal foi a obliteração desse objecto. Poderia dizer-se, por isso, que não há condições de possibilidade para o antisemitismo; que é difícil, honestamente, dizer que a pessoa x ou y é antisemita, que pratica o antisemistismo. Mas é justamente isso que torna tudo mais complicado: o antisemitismo português funciona como um recalcamento, algo no "inconsciente", que regressa sorrateiro quando menos se espera.

Israel, a Palestina, o Médio Oriente, enfim, funcionam como ventríloquos e catalizadores de muitas coisas: da oposição binária e simplista entre esquerda e direita, por exemplo. Mas nada de racional - ou sequer de afectivo - nos permite dizer, sem crítica ou autocrítica, que "apoiar" a Palestina é de "esquerda" e "progressista" e que "apoiar" Israel é de "direita" e "conservador". Muito menos quando estas categorias derivam para os seus extremos - os Hamas e Hizbollahs fundamentalistas e/ou terroristas, ou certos governos mais belicistas de Israel.

mva | 21:50|