OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


1.6.06  



Deixarmo-nos disto

Todos os dias é isto. E "isto" é assim há muito tempo, pelo menos tanto quanto me lembro e tanto quanto a história e a literatura me ajudam a lembrar. N pessoas escreveram já sobre isto. Sobre o excesso identitário e o excesso de pessimismo - dois termos que nem sequer uma dialéctica estabelecem. Criam, isso sim, marasmo. Só que este marasmo - o pessimismo junto com o excesso identitário redundam na figura da pensionista competindo com outra na queixa das suas maleitas - não se ultrapassa com mais do mesmo. Está feita a análise, digamos. Não há mais nada a fazer e não há qualquer interesse ou produtividade em continuar a cutucar essa coisa espantosa chamada "a realidade portuguesa". No entanto, até as gerações mais novas se meteram por aí - é ver a literatura, os filmes... As pessoas - sobretudo os mais novos - precisam de sair. Sair fisicamente, aventurando-se a trabalhar noutros países, e sair mentalmente, deixando de lado o tema tremendo da coisa nacional. Evacuar o país é necessário. Pensar o estar, o ser e o fazer sem o qualificativo nacional. Correr o risco de ser acusado de pedante e estrangeirado e desenquadrado. Desinfectar-se de salazarismo, de inquisição, de catolicismo, de familismo, de messianismo. Pegar na coisa portuguesa e colocá-la numa gaveta igual às gavetas onde se metem a coisa sueca, monagasca ou queniana. Gira, mas nada de especial - nem para o bem nem para o mal. Sair de casa. Sair do país. Ir muito a Espanha. Aprender línguas. Acolher imigrantes. Desinsuflar Portugal. Durante alguns anos pareceu que se tinha aberto as janelas e que estava a entrar ar fresco. Mas rapidamente alguém, interrompendo uma troca de queixas sobre nervos e maçadas, gritou do fundo da sala cheirando a mofo e vasos chineses comprados em Macau: "corrente d'ar!"

mva | 14:50|