OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


12.5.06  

A traição dos pastéis de nata

Eu não vi o programa, claro. Mas fontes bem informadas (e da minha confiança; vale o que vale, bem sei) contaram-me. No Pastéis de Nata da RTP2, bom sketch sobre adopção etc. Boa atitude por parte do programa em geral. Caso infelizmente cada vez mais típico em Portugal: o tratamento da temática LGBT tende a ser melhor por parte de heteros friendly do que por parte de superficiais e carreiristas gays. Isto porque o desastre absoluto terá sido garantido por um tal Jorge Correia de Campos, aparentemente protagonista do Esquadrão G. O homem lá falou da adopção como algo que gays e lésbicas "não podem usar como bandeira"; por causa daquela coisa toda das crianças (devia escrever com maiúscula?); que "não sabe se há lobby gay mas que se houver é poderoso"; que não sabe se a adopção pela Teresa e a Lena não terá sido bandeira (elas são mães biológicas das respectivas filhas!); e terá dito mal da tentativa de casamento delas. Consigo imaginar o resto, porque esta é a típica história do efeito de hegemonia, da interiorização da opressão. O gay que acha que o casamento não é preciso, que a adopção é perigosa para as crianças, que existe um lobby gay, que, que, que. Faz lembrar as figuras dos negros obedientes que achavam que os senhores brancos é que sabiam as coisas; a figura da criada que acha que os senhores são muito bons para ela e que a consideram parte da família. A figura do trabalhador que diz que a sua política é o trabalho.

Não fosse ser mais apropriada a metáfora do pastel de nata - e houvesse mesmo um lobby gay a que ambos pertencessemos - chamava-lhe traidor. Nos dias de hoje já não há desculpa. Nem sequer a da eventual debilidade intelectual.

mva | 00:40|