OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


18.5.06  

Quem caça quem?

É um programa - embora mais um pugrama - de TV em canal aberto e em prime time. Chama-se To Catch a Predator (A Caça ao Predador?). Com o apoio da polícia - e, sem dúvida, de uma bateria de advogados - umas raparigas e uns rapazes são contratados para conversar online com "pedófilos". As conversas são do pior: os homens lá propõem umas coisas de sexo, e os iscos lá propõem pior ainda, que é para apimentar a coisa. Os iscos sugerem então o encontro, na casa onde supostamente estão sozinh@s, na ausência dos pais. Quando os "predadores" entram na casa, aparece o apresentador do programa em vez do ou da adolescente. Começa o julgamento moral perante as câmaras, ao melhor estilo das bruxas de Salem. Para requintar a coisa, só no fim é que é dito ao predador que está na TV, sendo então mandado embora - apenas para ser apanhado pela polícia à saída, de modo a podermos ainda ver os senhores algemados, nos seus fatos cor-de-laranja de penitenciária.

Não é preciso ser muito inteligente para perceber que se há "predadores" nesta história, são os iscos, o apresentador, o programa de TV, a estação de TV - e, claro, os "espectadores". E que se trata, em rigor, dum programa de titilação sexual dos "espectadores", mascarado de justiceirismo moral (há gente para quem não há "pica" sem haver "transgressão", percebi isso em Portugal ao fim de muitos anos...) Mas o mais interessante - e o mais assustador - é como este exercício representa o estado das coisas no nosso mundo bushiano. Nos conteúdos - o policiamento moral; nos agentes - a TV em conluio com a polícia; e nos métodos - mais sofisticados que os da Inquisição, pois o que se faz é gerar o crime e justificar a sua suposta existência com um what if ("e se em vez de mim estivesse aqui a rapariga/o rapaz a quem você disse que ia fazer x?" é a frase típica do apresentador confrontado com o predador).

(Segue-se com certeza um programa em que um empregador-isco contrata um guatemalteco ilegal para vir para os EUA, apenas para deparar-se com um apresentador de TV que lhe pergunta se não tem vergonha por vir tirar empregos a americanos e por não querer aprender a falar inglês)

mva | 16:42|