OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


22.5.06  

A César o que é de César

É certo que, num país com ensino superior de qualidade, as capacidades argumentativas, de raciocínio e de lógica de César das Neves seriam com certeza superiores às demonstradas no seu texto de hoje no DN (linko? não linko? Não linko.). Como estamos onde estamos, não só chegou ao topo como ainda tem um jornal onde pode divulgar comparações entre racismo e homossexualidade (não, claro, entre racismo e homofobia...). OK. Tudo bem (enfim...).

Mas - e até por causa deste efeito de divulgação do cesarismo nevista - isto não quer dizer que se deva ignorar César das Neves. O seu texto de hoje diz, entre outras coisas, que a definição da homossexualidade (e supõe-se que da heterossexualidade também?) como "genética" não a torna em coisa aceitável. E que as decisões sobre o bem ou o mal relativos de certas práticas, identidades, etc., são decisões "morais". Agora pasmem-se: "lá no fundo", concordo com ele.

Agora descansem: por razões diferentes. Acreditar que a designação de algo como "genético" torna esse algo mais compreensível e aceitável social e politicamente é uma perigosa ilusão cientifista. As discussões e decisões sobre questões como a dimensão social e política da sexualidade (os direitos e deveres das pessoas, o que podem ou não podem fazer, etc) devem ser morais, éticas e políticas. A diferença é que as decisões morais com base na fé religiosa devem ter um âmbito estritamente pessoal. Já as decisões éticas e políticas devem guiar-se por princípios de liberdade e igualdade.

Um movimento (neste caso de defesa dos direitos das pessoas LGBT) que abrace as "explicações genéticas", abraça um monstro que o devorará em dois tempos. A crença na legitimação "científica" é simétrica da crença de César das Neves na depravação moral do comportamento homossexual. Não há nenhuma janela de liberdade e igualdade em ambas as posições.

A César o que é de César: a genética à genética, a religião aos religiosos. E a sociedade aos cidadãos. A divisão nunca será simples nem completa. Ela nem sequer descreve bem o emaranhado de interdependências entre as três. Mas é um princípio, no duplo sentido: sem ele não conseguimos começar a pensar; e se abdicamos dele está aberto o caminho a toda a espécie de totalitarismo e fundamentalismos.

mva | 14:46|