OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


26.3.06  



Os amigos de Rajoy

Acho que não é só impressão minha. Cresce a olhos vistos uma atitude anti-espanhola de baixa intensidade. Não admira: o caldo de cultura existe, já que a Espanha é de há muito apresentada aos portugueses como a nemesis de Portugal. Junte-se a isto a "penetração" económica, a inveja por um nível de vida superior, e tem-se o discurso da "invasão". Um elitista diria que enquanto isso for coisa do "homem da rua" não há que ligar grande importância. Acontece que é importante o que diz e sente o "homem da rua"; e acontece que mais grave é quando as elites exprimem igual opinião. Quando a estimulam.

A atitude abrange gente de direita e esquerda. Em ambos os casos há muita ignorância, daquela mais básica, feita de nem sequer conhecerem a(s) Espanha(s) e, pior, de não quererem conhecer. Mas no caso da opinião neoconservadora, há uma curiosa contradição. Não é só Zapatero que os irrita. É também toda a manifestação de nacionalismo intra-Espanha. Nas suas posições acabam por subscrever as posições da direita espanhola, centralista - reforçando assim o papão da "ameaça" espanhola que tanto os preocupa (já para não falar de outra contradição: quem defende o mercado livre não pode depois queixar-se da "invasão" por um vizinho único e mais poderoso...).

O caso catalão é exemplar. Como não podem acusar os nacionalismos (porque de vários matizes ideológicos) catalães da mesma violência do basco, usam argumentos simplistas - e curiosamente esquerdistas - contra a noção de nacionalismo em si. Não percebem que o nacionalismo é um modo, que pode assumir os contornos de projecto político fascizante ou, no extremo oposto, de projecto de proximidade democrática. "Depende", como se costuma dizer. Ontem Helena Matos escrevia um artigo "antinacionalista" que começava com uma citação do projecto do Estatut da Catalunha. E cita-o em... castelhano (se o propósito é facilitar a comunicação, porque não o traduziu para português?).

As elites portuguesas (e o "povo" por arrasto) não desenvolveram simpatia pela pluralidade nacional, cultural, linguística do Estado Espanhol. "Compraram" a visão centralista espanhola e acham que sim, que por lá há umas pessoas que falam uns "dialectos", mas que são uns egoístas regionais a la Jardim. Tão-pouco desenvolveram uma simpatia especial pelas outras nacionalidades ibéricas, recusando a simpatia que elas sentem por Portugal.

As elites portuguesas precisam duma Espanha una para que a sua representação de Portugal como "coisa diferente" não seja ameaçada; para que Portugal não possa ser pensado como uma das nacionalidades ibéricas; e para que possa medrar o papão da ameaça espanhola.

mva | 12:02|