OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


22.1.06  




E agora, Manuel?

1. Cavaco ganha. Ganha por pouco, com 50,6%, se pensarmos nas expectativas criadas e no facto de ser o único candidato da direita.

2. Soares tem uma votação baixíssima. Mas eu, que nunca simpatizei muito com a sua figura política, reconheço o seguinte: o seu exemplo cívico, ao candidatar-se aos 81 anos e quando aparentemente estava na reforma, ficará para a história da democracia.

3. O PS continua a demonstrar ser um caos. Sócrates vai dormir tranquilo por ter arredado o espectro de Soares do PS. Vai coabitar tranquilamente com o seu espelho de direita. E não vai preocupar-se sobremaneira com Alegre.

4. E tem razão para isso. Não duvido da boa fé e convicção de quem votou Alegre - desde logo muitas pessoas próximas de mim. Mas a verdade é esta: de Alegre não vai sair nada, porque não há nada a sair. Quem apoiou Alegre pensou estar, digamos, a apoiar Pintasilgo - e enganou-se redondamente. Funcionário-deputado do PS há 30 anos, apoiante sistemático das políticas dos vários primeiros-ministros socialistas, Alegre não tem pensamento político para lá de meia dúzia de banalidades vaidosas. Alegre não existe, e quando tenta existir não se vê mais do que um vazio redondo, marialva, preguiçoso e republicanamente antiquado. E os seus promotores regressarão a casa e às suas vidas já amanhã; quando muito farão uma Sedes, com ocasionais jantares-tertúlia no Centro Nacional de Cultura. Triste, muito triste, o efeito Alegre. Compreendo a motivação de muitos dos seus apoiantes e eleitores - a crítica ao sistema partidário, ao próprio PS, a vontade de cidadania - mas apostaram no cavalo errado. Espero que consigam dar a volta e não deitar fora 20% de votos.

6. Jerónimo e o PCP aguentam-se. A sua rede social e organização existem e são sólidas, ainda que claramente limitadas. Mas o PC continuará muito provavelmente colado às "condições sociais da sua existência". Para onde o crescimento? Com quem as alianças e a criação de sinergias?

7. Louçã fica abaixo do esperado e desejado. Tal deve-se, não duvido, ao efeito Alegre. Embora 5% seja a linha de água, Louçã merecia mais, para o confirmar na política portuguesa como figura imprescindível. Mas graças à campanha saiu definitivamente do que alguns poderiam qualificar como a mera liderança de um grupo de "extrema esquerda". Passou à maioridade - e sinto-me bem e orgulhoso por ter contribuido um bocadinho para isso.

O PS crítico, o PC que deseje entrar na (pós)modernidade, o Bloco que não queira ser marginal, e a cidadania desafectada de esquerda (que ora vai para os partidos, ora para Eanes e PRD, Pintasilgo, ou Alegre), precisam agora de pensar - e têm 3 anos e meio para o fazer. Se isso não bastar, não merecem uma segunda oportunidade.

É caso para perguntar, com dupla razão, "E agora, Manuel?"

PS: Já no dia 23, fiz uma pequena alteração neste post escrito na noite eleitoral. A referência à "diferença de votos" com que Cavaco ganhou não fazia sentido em números absolutos, pelo que a substituí pela percentagem, mais comparável com os esperados 53% e mais. Quanto a Alegre, aproveito este PS para reforçar e esclarecer o meu "ponto": tanto a mudança no PS quanto a criação de movimentos de cidadania são absolutamente necessários. Receio é o prometido ficará eternamente devido.

mva | 22:48|