OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


27.9.05  

Ide pra casa e procriai.

Provavelmente os jornais gratuitos, como o Metro e o Destak já estarão a ter tanta influência na opinião pública como o telejornal da TVI. Hoje pego no primeiro e deparo com o título "Nascimentos no mínimo". Vai-se a ver e a "notícia" mais não é do que o aproveitamento de uma nota de imprensa da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. Nem falemos na qualidade do "jornalismo". Perguntemo-nos, antes, porque há-de a APFN estar preocupada com a diminuição do índice de fecundidade ou da taxa de natalidade, em vez de se restringir à defesa dos seus interesses? A resposta é simples: a APFN é uma das muitas máscaras do movimento neo-conservador inspirado pela ICAR. O que eles estão a dizer é que o Estado deve incentivar "as famílias" a terem mais filhos (dizem-no mesmo, actually).

Espero que os movimentos de mulheres percebam o que está a passar-se: pressões no sentido de terem mais filhos significa necessariamente pressões no sentido de ficarem em casa - porque nem o Estado social (o português...) é suficientemente forte para sustentar períodos longos de licença de maternidade com regresso garantido ao emprego, nem as relações de género mudaram o suficiente para permitir pensar que tanto homens como mulheres ficariam a tomar conta dessas crianças. Mas a coisa não fica por aqui. Umas páginas à frente, pode ler-se que Correia de Campos quer ver as mães a amamentarem durante seis meses. Amanhã aparecerão com certeza certos psis de serviço a cronicar sobre a importância das stay-at-home moms para o desenvolvimento dos petizes - sem nunca falarem sequer de como pode haver mais e melhores infantários.

Toda a gente conhece a h(H)istória: uma crise de emprego e são as mulheres as primeiras a serem recambiadas para casa. Normalmente conseguindo até convencê-las de que isso é o melhor para os filhos - que entretanto foram incentivadas a ter - e que lá reencontrarão a sua verdadeira natureza.

PS: No Público José Vítor Malheiros chama a atenção para os números: mais de 15.000 crianças em instituições. E para como um dos problemas no mundo da adopção está no facto de os juízes insistirem tanto na família "biológica" (conceito que não quer dizer absolutamente nada: a consanguinidade é, em termos de relações entre pessoas, parentalidade, família, etc., apenas o que dela quisermos fazer...). Só falat mesmo dizer que, caso as mães das 15.000 crianças tivessem ficado em casa nada "disto" teria acontecido.

mva | 14:06|