OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


12.7.05  

As virgens ofendidas.

Diana Andringa é jornalista de profissão. Neste momento não trabalha para nenhum órgão de comunicação social. É cidadã deste país, é candidata pelo BE e, claro, assume-o plenamente. Decide fazer o mini-documentário "Era uma vez um arrastão" porque acredita que houve desleixo e manipulação da informação sobre o suposto arrastão e porque acredita que o tema está directamente relacionado com as representações da insegurança e com o racismo. Qual é o drama? Nenhum. Porquê a histeria em torno de uma suposta falta de ética, incluindo o facto de haver um link para o site do documentário na página do BE? Há duas respostas possíveis. A primeira é que está tudo maluco. A segunda é que quem lança o "escândalo" - nomeadamente o Expresso - quer substituir a ideia de que "nunca houve arrastão" pela ideia de que "há gente a manipular o real dizendo que nunca houve arrastão".

É aqui que entramos no terreno perigoso. É que, de facto, dizer que houve arrastão com base na "informação" daquele dia é estúpido - e pode ser perigoso porque é uma "verdade" ancorada em expectativas falsas e negativas, de cariz racista e xenófobo. Mas dizer que não houve arrastão com base também na fraqueza da "informação" daquele dia será igualmente estúpido - e arriscado (que não perigoso), porque pode alimentar a expectativa de algum "sociologismo de esquerda" de que a insegurança é sempre uma invenção. Ora, nem uma coisa nem outra: a insegurança existe, assim como as representações da mesma, largamente baseadas em preconceitos racistas. E estes males combatem-se ao mesmo tempo.

Posto isto (que será uma questão de política maior, independente deste caso), o video de Diana Andringa é um exercício de análise da informação e de defesa de um ponto de vista de cidadania, goste-se ou não do conteúdo. O ataque ao mesmo e à sua autora são apenas um exemplo mais da promiscuidade entre muito jornalismo e os grupos económicos que sustentam grande parte dos media portugueses. Gente cujo programa político precisa como pão para a boca (mesmo que finja o contrário, usando uma linguagem "civilizada" - o arruaceirismo deixa-se para os neo-nazis que, depois, se pode distanciadamente criticar...) da ideia de que vivemos num país perigoso e que os responsáveis pelo perigo são os Outros que para cá imigram ou que medram em assustadores subúrbios. O resto - a virginal preocupação com a "ética" de outrem - é treta por arrastão.

mva | 14:19|