OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


15.6.05  

O rapazio.



Talvez o rapazio que as TVs filmam de costas e de óculos escuros (onde já
vimos isto? Sim, mas por razões simétricas...) - esse rapazio que agora quer fazer uma manifestação contra o binómio imigração-criminalidade (e os binómios são mesmo a forma mais simples de pensar...) - talvez esse rapazio, dizia, precisasse de aprender umas coisas que a escola não ensina. Desde logo esta: nas minhas deambulações pelo fascinante fenómeno das "classificações raciais", estou sempre a encontrar portugueses na prateleira dos "pretos". Sobretudo nesse universo que ainda marca a consciência colectiva mundial, o universo que vai da hegemonia britânica do XIX à hegemonia americana do nosso século. Nesse universo, os portugueses são quase sempre nem brancos-nem pretos. Por vezes é óbvia a razão: em sistemas onde a classificação "racial" e étnica serve de ventríloquo das divisões de classe, os imigrantes tugas ou os descendentes de tugas surgem in between: na Trinidad, por exemplo, não eram nem como a elite branca, terratenente, nem como os trabalhadores braçais negros e indianos: eram os potogee donos de tabernas ranhosas nas bordas das plantações. Por vezes, a religião ajuda a classificar etnicamente: nem protestantes (coisa boa), nem animistas (coisa má), os católicos têm qualquer coisa de superticioso e pagão (santos, milagres, gravidezes virgens, and so on). Fenómenos semelhantes ocorriam nas colónias britânicas em África. E algo de semelhante acontece ainda nos EUA, onde este rapazio iria direitinho para categorias ambíguas como a de "hispânico".

Estas classificações anglo-americanas e coloniais são tão tontas e miseráveis como as obsessões do rapazio (em rigor, são tão tontas e miseráveis como essa maldição que foi a invenção da categoria "raça"). Desloque-se o rapazio do seu pequeno mundo de comboios suburbanos e transtejo (perdoem-me o elitismo sulista e liberal) e talvez se lhes caiam os óculos escuros. Eu acho que o rapazio deveria ser compulsivamente imigrado - to have a taste of their own medicine... Assim uma espécie de Programa Erasmus obrigatório num liceu do Mississipi (colega de carteira tipo Sissy Spacek vira-se para o representante do rapazio tuga e pergunta: You're black, right? Maybe hispanic? Latino?Mediterranean? I like blacks and hispanics and the likes: you guys are sooo sexy, and musical and, like, natural).

mva | 10:50|