23.5.05
Socráticos e encavacados.
Uma das provas de que ainda existe democracia e liberdade de expressão é que muitos jornalistas e comentadores falaram nos últimos dias de duas "belíssimas" operações de publicidade. A primeira é a forma como Sócrates se prepara para anunciar medidas para conter o défice; a segunda é a pré-eleição de Cavaco para Presidente da República. Aquilo que os jornalistas e os comentadores não fizeram, todavia, é a crítica política desses factos. Talvez não seja da sua competência, admito. Mas é certamente da competência da oposição de esquerda, esteja ela no parlamento, fora ela, ou até no interior do PS.
E a crítica deveria seguir linhas simples, começando por colocar perguntas: Sócrates prepara-se para tomar medidas semelhantes às tomadas por governos de direita, ou diferentes? Se as medidas dos governos de direita fossem de facto as correctas e correspondentes à sua suposta e "científica" "inevitabilidade", não teriam já resultado? Sócrates vai vender-nos a ideia falsa de que a economia é uma contabilística exacta, ou vai assumir que a economia é política? Sócrates vai dizer-nos que só há uma escolha - punir os já punidos e deixar tudo na mesma - ou vai falar-nos de orçamentos zero, de fim do sigilo bancário e fiscal, de controlo da fraude e evasão fiscais, dos privilégios (que não meras vantagens ou incentivos) dos bancos, etc? Isto quanto à primeira operação de publicidade. Quanto à segunda: o PS apoia Cavaco para presidente? Se não, apoia quem? E com que entusiasmo e determinação? É aceitável que se dê apoio passivo a esse programa de construção de um homem providencial, "impoluto", acima da mesquinhez da política, "contabilista exacto" (sim, as semelhanças com Salazar são evidentes), desistindo completamente de um candidato de esquerda ganhador?
Se for este o programa do PS para os próximos anos - um programa socrático encavacado - estará perdida toda a esperança. E o PS ficará para a História (enfim... não será a primeira vez...) como o verdadeiro aplicador das medidas de direita. O primeiro passo está dado: o apoio tácito a Cavaco como "garante" da operação de limpeza que assegurará a perpetuação da sujeira.
mva |
09:32|
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